terça-feira, 25 de novembro de 2008

EU e o AMYR KLINK


RUBEM ALVES

Fiquei alegre porque ele, sem saber,
entrou em um livrinho que escrevi
cujo objetivo era fazer as crianças
pensarem

HOJE ESTOU especialmente contente. Ontem fiquei conhecendo o Amyr Klink, cuja coragem de navegador provoca a minha admiração. Mas não foi isso que me alegrou. Fiquei alegre porque ele, sem saber, entrou em um livrinho que escrevi cujo objetivo era fazer as crianças pensarem. A idéia do livrinho estava me coçando a cabeça fazia alguns anos. Foi assim que aconteceu.Perguntei-me: Por que é que as crianças têm dificuldade em aprender as coisas que lhes são ensinadas nas escolas, seguindo os programas oficiais? Brunno Bettelheim, já velho, deu a resposta: "Na escola, os professores tentavam me ensinar as coisas que eles queriam ensinar, do jeito como eles queriam ensinar, mas que eu não queria aprender". Para aprender há de querer aprender.
Aristóteles inicia o seu "Metafísica" afirmando: "Todos os homens têm naturalmente o desejo de aprender". Ele estava errado. Vou corrigi-lo: "Todos os homens, ENQUANTO crianças, têm naturalmente o desejo de aprender..."
As crianças são naturalmente curiosas. Querem aprender. Então, por que não aprendem? A Maria Alice, psicopedagoga por vocação, me contou algo que uma menininha lhe disse: "O mundo é tão interessante. Há tanta coisa que eu gostaria de aprender. Mas não tenho tempo. Tenho muitas lições de casa para fazer..."O que é que as crianças querem aprender? Ou, mais precisamente, o que é que o corpo deseja aprender? Mas, antes dessa pergunta, vem uma outra: "Por que é que o corpo deseja aprender?" Ele deseja aprender para se virar no mundo. Ele quer conhecer coisas que fazem o seu mundo e afetam a sua vida.
Um indiozinho não teria o menor interesse em aprender a fazer iglus, mas tem o maior interesse em aprender o uso do arco e da flecha.
O programa de aprendizagem que desafia o corpo é o mundo que o circunda, que é o mundo em que ele vive, que é o mundo que lhe apresenta os desafios práticos da vida que ele está vivendo no presente.
Para entender isso, basta cortar uma cebola ao meio: ela é formada por uma série de anéis concêntricos. Bem no centro está o corpo. O seu primeiro desafio é o primeiro anel. O último anel não lhe provoca o menor interesse porque ele está muito longe da sua pele. Ele só se interessará pelo último anel quando chegar ao penúltimo.
Aí eu me perguntei: "Qual é o primeiro entorno da criança?"
Preste atenção nessa palavra "entorno". Ela significa aquilo que está "em torno", o espaço que pode nos dar vida ou matar. O primeiro entorno da criança é a sua casa. Pensei então: "Não seria possível fazer um programa que tomasse a casa como seu objeto? Começar a conhecer o mundo a partir da casa!
É aqui que entra o Amyr Klink. Questionado por um repórter sobre a escola ideal para os seus filhos ele respondeu: "A escola que eu desejaria para os meus filhos é uma escola que há nas Ilhas Faroë, lugar onde viveram os vikings. Lá as crianças aprendem tudo o que devem aprender construindo uma casa..."
Escrevi então o livrinho "Vamos construir uma casa?".Lá, as crianças vão lidar com as ciências que entram na construção de uma casa, a astronomia, a geometria, a física das ferramentas, a física dos materiais, o fogo, a química da cozinha, a água, o lixo e até mesmo o cocô! Quem diria que o cocô pode ser material pedagógico. Sobre isso eu escreverei depois.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2511200814.htm

Nenhum comentário:

Postar um comentário