terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Homem Invisível

O inglês radicado em Nova York
mantém-se ignorado pelas hostes de todos os corredores


AQUI ENTRE NÓS, aí abaixo vai algo a ser lido com atenção. Não passe adiante. Vamos tentar fazer com que tudo continue invisível:

"Hey, consegue me ouvir agora?
Enquanto eu desapareço
E perco meu chão
Você talvez queira saber
O que eu teria a dizer Se eu ainda estivesse por aqui
Agora sou feito de fumaça
Você vê através de mim
É a piada mais estranha
Não se pode tocar o Homem Invisível
Não se pode deter o Homem Invisível
Por que as luzes se apagaram?
Ou se voltaram para um novo alguém
Bem, deixe-os aprender
Eu costumava ser dono desta cidade
Agora estou te observando
Agora é minha vez
Agora sou feito de névoa
Você saberá
Quando for beijada
Não se pode tocar o Homem Invisível
Não se pode deter o Homem Invisível
Agora estou quase livre
Desaparecendo
Não chore por mim
Não se pode tocar o Homem Invisível
Não se pode deter o Homem Invisível"

A letra da faixa de abertura de Rain, recém-lançado disco de Joe Jackson, poderia servir de metáfora para a biografia do próprio. Aos 54 anos, 30 de carreira, o inglês radicado em Nova York mantém-se ignorado pelas hostes de todos os corredores, do jazz, do pop e da música popular. É mantido no limbo tanto pela indústria (o álbum lançado no Brasil saiu com miseráveis mil cópias) quanto pelo desprezo cultural público pelo novo. Na sexta-feira, pus o CD para rodar no desktop da redação. Ao longe, uma repórter me pergunta: "O que é isso que está tocando?". Orgulhoso, suspirei o nome do compositor inglês, com outra pergunta: "Gostou?". E ela: "Não, muito ruim". Cinco minutos depois, pus outra canção. Aumentei o volume e novamente acorri à repórter: "E essa? Você gosta?". Ela: "Ah, essa é ótima". Era também de Joe Jackson: Steppin' out, tocada à exaustão nas rádios nos anos 80 e até hoje. A percepção musical da repórter não era uma percepção. Era o avesso ao novo. Se isso acontece numa redação de jornal, numa passarela cultural, imagine o desprezo lá fora? A canção que a repórter classifica de "muito ruim" é um crossover de jazz, com pegada de piano erudito e fusion rítmico patinando num grudento refrão pop. Ou seja, de difícil classificação. Um dos artistas mais inquietos do mundo, Joe Jackson tem carreira profícua. De formação erudita, o maestro chafurdou na onda punk no fim dos anos 70, deixando atônita sua própria família. A partir daí, produziu discos que foram parar em estantes diversas ­ e talvez por isso não tenha encontrado um público. Do reggae (Beat crazy, de 1980) ao pop (Night and day, de 1982), passando pelo jazz (Body and soul, de 1984) e pelo erudito (Heaven & hell, de 1997, e Symphony nº 1, de 1999, ambos pela Sony Classical), criou álbuns memoráveis, sofisticadíssimos, derramados em construções harmônicas intrincadas. Em trio, com big band, com orquestra, quinteto ou mesmo solo, Joe Jackson seria um artista perfeito para eventos como o Tim Festival. Ele, Jamie Cullum, John Mayer... todos ignorados. O pecado é o mesmo: fazer uma música considerada "difícil". Ou ruim para alguns.
( Coluna de Mario Marques no JB de 25/11/2008)

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