domingo, 16 de novembro de 2008

FAVOR DO IMPACTO


Marcelo Leite

Cientistas com colegas em país rico
estão mais perto do sucesso

Esta coluna trata do que os pesquisadores chamam de "fator de impacto" e... não, não há erro de digitação no título. Como de hábito neste país, e como será argumentado aqui, os brasileiros também dependem de favores especiais para subir na vida dos laboratórios. A receita do sucesso parece ser pegar uma carona com pesquisadores de países ricos. É o que sugere um levantamento de Rogerio Meneghini, Abel Packer e Lilian Nassi-Calò, da Bireme, respeitado centro de estudos da Organização Pan-Americana de Saúde em São Paulo. O estudo será publicado em breve no periódico "PLoS One".
Antes, uma explicação. Fator de impacto é uma medida usual da repercussão alcançada por periódicos científicos. Parte do princípio de que um bom estudo, ao ser publicado na forma de artigo, receberá mais citações em trabalhos de outros autores do que um mau estudo. O periódico que tiver mais e melhores artigos, por extensão, gerará a maior quantidade de citações. Obtém-se o fator de impacto de uma publicação dividindo o total de citações surgidas num período pelo número de artigos editados no período anterior.
O indicador permite comparar o prestígio dos periódicos uns com os outros. Compõe um referencial importante para o pesquisador decidir onde gostaria de ver seu trabalho publicado. Na busca por reconhecimento e por verbas de pesquisa, cientistas fazem das tripas coração para ter um trabalho aceito por campeões editoriais como "Nature", "Science" e "Cell". São revistas internacionais com fator de impacto na casa de 30 citações por artigo.
Há muito se suspeita de que pesquisadores de nações periféricas sejam prejudicados nesse troca-troca de citações. Seus artigos tenderiam a ser menos lidos e, segundo a hipótese, incluídos de modo menos freqüente nas listas de referências dos colegas dos países desenvolvidos. Um protecionismo acadêmico, por assim dizer. Meneghini, Packer e Nassi-Calò tomaram por base um acervo de 1.244 textos publicados em 2004 e 2005 com autores de quatro países latino-americanos (Argentina, Brasil, Chile e México) em sete periódicos internacionais de prestígio. E, claro, as citações que receberam no ano subseqüente (2006).
Para comparação, montaram outro banco de dados sobre mais de 44 mil trabalhos com autores de cinco países ricos (Alemanha, Estados Unidos, França, Japão e Reino Unido). Em seguida, separam ambas as amostras em dois subconjuntos menores: um com artigos assinados por autores de um mesmo país, sem colaboração internacional, e outro com. Resultou o previsível (mas boa parte da ciência serve para isso mesmo, confirmar e apoiar em números objetivos aquilo que já se sabe). Estatisticamente, tanto faz para autores de países desenvolvidos publicar com ou sem colaboradores estrangeiros -serão citados em proporção semelhante e muito próxima do fator de impacto da publicação. No caso latino-americano, a desvantagem é enorme. Artigos sem apoio de colegas desenvolvidos têm fatores de impacto 34% menores que a média. Com colaboração internacional, se aproximam do usual na publicação. Resta estabelecer se os trabalhos de latino-americanos são menos citados só porque são ruins, o menos provável, ou se os pesquisadores de países ricos é que não se dão ao trabalho de lê-los. Muitos latino-americanos já concluíram, bingo, que o caminho das pedras exige o favor de um co-autor bacana.
MARCELO LEITE é autor de "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e de "Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007).Blog: Ciência em Dia (Folha on line, Domingo, 16/11/2008)

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