quinta-feira, 13 de novembro de 2008

MARTHA MEDEIROS - Literatura menor

Um estudante de Letras me solicitou uma entrevista por e-mail que, prontamente, aceitei responder. A primeira pergunta:
“A literatura de mercado é literatura mesmo?”.
Depois de 18 livros publicados, pela primeira vez entrei numa lista nacional de best-sellers. Se eu tivesse complexo de perseguição, poderia achar que fui escolhida para essa entrevista para que o garoto recebesse, direto da fonte, um panorama da pior literatura do mundo. Ainda bem que minha auto-estima está ok.
Imagino que “literatura de mercado” seja aquela que vende bem, ao contrário da literatura “artística”, que mofa nas estantes. Será? Até onde sei, toda literatura é de mercado, e dela fazem parte tanto os livros bem escritos quanto os mal escritos. Se vende, é ruim? Se não vende, é bom? Me parece um pouco simplista. Segunda pergunta:
“Qual a razão do sucesso desse tipo de literatura?”.
Creio que os leitores preferem ler algo que entendam e que seja de seu gosto, mas vá discutir gosto. O que é preciso lembrar é que um autor não produz esse tipo de literatura de caso pensado. Alguns acreditam que basta escrever um texto fácil, de identificação imediata, e depois é só aguardar as moedas caindo na piscina, feito um tio Patinhas. Fosse moleza assim, os “escritores artísticos” se valeriam do mesmo truque (criando um pseudônimo, lógico) e ficariam milionários da noite pro dia. Por que isso não acontece? Porque cada um escreve do jeito que sabe. Eu não sei escrever como Clarice Lispector. Se soubesse, era o que estaria fazendo. Ninguém escreve fácil de propósito, só para estourar. Ou teríamos um Paulo Coelho em cada esquina. Quem não gostaria de possuir um apartamento em Paris onde é possível praticar arco e flecha no corredor?
Há os que exercem o dom da comunicabilidade sem abrir mão da sua honestidade artística. Não há nenhuma garantia de qualidade nisso, mas não se pode duvidar do caráter de quem vende direitinho.
“Acredita que a literatura de mercado tem como mérito a formação de novos leitores?”
Sem dúvida. Eu, por exemplo, virei uma leitora através de Monteiro Lobato, que era muito popular quando eu era criança, o que o enquadraria em literatura de mercado, suponho.
“A literatura menor pode incentivar leituras de obras maiores?”
Sim, um leitor pode começar lendo a mim e chegar a García Márquez. Mas o que importa é que tenha prazer pela leitura, o que já é um avanço num país de iletrados, onde milhões de pessoas nunca seguraram um livro.
“A literatura séria está fadada ao desaparecimento?”
Vivemos na eterna expectativa do apocalipse. A humanidade é viciada em previsões catastróficas, sempre profetizando o fim do sublime. Humildemente, acho que ninguém tem procuração para sacramentar o que é “sério” – e muito menos para tornar essa seriedade inquestionável.
Já ouvi o genial Ferreira Gullar dizer que acha Beckett um chatonildo. Ou seja, é importante estudar teoria da literatura, desde que ninguém seja catequizado. Opinião pessoal também conta.


(ZH, 12 novembo 2008)http://zerohora.clicrbs.com.br/

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