Alexandra Delfino de Sousa*
Cerca de 1.000 pessoas compareceram à I Conferência Nacional do FIB, realizada pelo Instituto Visão no SESC Pinheiros, em São Paulo, no dia 29 de outubro. Aos olhos de alguns, o tema parecia um tanto insólito: uma medida de felicidade nacional vinda de um país longínquo. O que teria o Butão a ensinar ao mundo? Muito. Nesses tempos em que a crise mundial é só mais um acontecimento a revelar o desequilíbrio de nossa sociedade, a receita do Butão é, no mínimo, uma fonte de inspiração – para nações, empresas e indivíduos.Ao propor o FIB (Felicidade Interna Bruta), um índice de desenvolvimento que não leva em conta somente os aspectos materiais da existência, essa pequena nação asiática alerta: há mais do que dinheiro a se aspirar. Afinal, a ciência chamada Hedônica já provou que, após um determinado patamar de renda, ninguém fica mais feliz com o seu incremento.
A idéia do FIB não é nova e eu me lembro bem de um texto que circulou na internet há alguns anos, falando dessa tal felicidade bruta, que eu, na minha ignorância, pensava ser “coisa para budistas”. Talvez tivesse mesmo sido necessário um coração desapegado para conceber essa inovação, mas ela não está atrelada a nenhuma religião. Está, sim, ligada ao desenvolvimento de um povo. É uma idéia que o Canadá, a Inglaterra e a Tailândia já aprovaram e estão adaptando às suas realidades. Uma idéia que a ONU apóia e quer ver difundida, talvez em substituição às suas Metas do Milênio. Uma idéia que poderia ajudar a mudar, para melhor, o rumo das coisas no Brasil. Esta parecia ser justamente a esperança do público do evento, bem como de seus palestrantes – representantes do Butão, do Canadá e do Brasil.
A ONU, ao estabelecer o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), em 1993, de algum modo sinalizou que o Produto Interno Bruto (PIB) não era adequado para medir o desenvolvimento de um povo. O PIB mede um progresso que pode perfeitamente esconder retrocessos ou danos que seriam proibitivos, se fossem levados em consideração. Como ressaltou o secretário do verde e do meio ambiente do município de São Paulo, Eduardo Jorge, vender soja para alimentar os porcos da China faz o PIB do Brasil crescer, mas o custo para os ecossistemas, contudo, não se parece nem de longe com desenvolvimento.
Uma humilde contribuição de um jovem rei
Dasho Karma Ura é o presidente do Centro para os Estudos do Butão, fundado pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD). Mestre em economia, filosofia e política, ele explicou que o conceito do FIB é produto do insight de um jovem que, à época, contava apenas 20 anos: o rei Jigme Singye Wangchuck. “O FIB é uma humilde oferta do Butão para o mundo”, conta Karma Ura. Era 1986 e o monarca parecia antever que, nas décadas que se sucederiam, o mundo daria mostras de que o seu crescimento não fora seguido por um aumento de felicidade das pessoas.
O palestrante butanês reforçou que o PIB pode ser resultado da adoção de meios brutais para gerar índices de crescimento. “O mundo é bom em registrar dinheiro, mas é falho no que diz respeito ao capital humano e ao capital social, que fazem enorme diferença para a felicidade individual e a coletiva”, salientou.
Ele defende que o governo não deve deixar para os indivíduos sozinhos buscarem uma vida de bem-estar e felicidade: “Os governos deveriam ter como missão prover aos cidadãos meios para alcançarem as metas que são compartilhadas por todos os seres humanos: felicidade, satisfação na vida e bem-estar”.
Indicadores que balizam o orçamento
De acordo com Karma Ura, os índices do FIB avaliam e orientam o planejamento do desenvolvimento do Butão, dentro de nove dimensões:
* bem-estar psicológico;
* acesso à cultura;
* proteção ambiental;
* vitalidade comunitária;
* boa saúde;
* gerenciamento equilibrado do tempo;
* bom padrão de vida econômica;
* boa governança;
* educação de qualidade.
O que o Butão faz é selecionar, para cada uma das dimensões, atributos que as compõem. Mede cada um dos atributos por meio de pesquisas junto à sua população e chega a um índice cujo valor máximo é 1,0. Hoje, o FIB do Butão é 0,6.
“Baseados nos nossos valores, precisamos formular indicadores”, disse o homem em belos trajes orientais. Mas essa não seria uma frase típica de um consultor de estratégia empresarial? Pois é, parece que devemos medir e acompanhar o que nos serve. A questão básica é definir o que nos serve.
Como se vê, o padrão de vida econômica apenas compõe o FIB e não o define, pois ele é definido por um conjunto de dimensões, tanto objetivas quanto subjetivas, que resumem o que serve para as pessoas daquele país e norteiam a criação de políticas e a definição do orçamento.
Uau! Para mim, que já trabalhei em uma empresa na qual a simples menção da palavra “subjetividade” causava arrepios na alta cúpula cartesiana, diria que isso sim é que é “inovação de ruptura”... Ruptura com séculos de primazia do Homem de Lata antes do final feliz (aquele de Oz, para quem faltava um coração, lembra?).
O exemplo do Butão, no mínimo, dá um bom caldo para uma política de Recursos Humanos. Mas, a considerar o papel das empresas na sociedade, também pode inspirar as relações com clientes e fornecedores, bem como a cidadania corporativa. Afinal, onde há seres humanos, há dimensões e dimensões.
De minha parte, plagiando o bem-humorado economista Ladislau Dowbor, que proferiu uma brilhante palestra no evento, “eu quero é uma Bruta Felicidade Interna!”. A importação dessas mesmas nove dimensões pelo Brasil já seria um início e tanto. Ficarei na torcida. Enquanto isso, vou rever as dimensões que me exprimem. Qual próximo de 1,0 estará meu FIB? E o da sua empresa?
*Alexandra Delfino de Sousa, administradora de empresas e diretora da Palavra Mestra
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