domingo, 30 de novembro de 2008

TODOS POR UM


O que diferencia o eco-design do design sustentável?
E o que é o tal “design da necessidade”?
Entenda o conceito e veja os principais exemplos
na conversa com
Fernando Mascaro, arquiteto e
especialista em design sustentável


Por Camila Hessel

“Ainda há uma série de dúvidas sobre as melhores definições de sustentabilidade. Quando falamos de design, a coisa pega fogo”, diz Fernando Mascaro, arquiteto paulistano que, há seis anos, se mudou para Ribeirão Preto, no interior do estado, onde atua como consultor em design. Sua especialidade é o design sustentável e ele é um dos membros do comitê de sustentabilidade hoje em fase de implementação na Grendene. É também parceiro do estúdio francês O2, que ajudou a disseminar a discussão com a publicação do livro “Haverá a Idade das Coisas Leves”, editado no Brasil pelo Senac, com patrocínio da Melissa. Para Mascaro, eco-design, design sustentável e design da necessidade não passam de variações de um mesmo tema. “Dissecar cada um dos conceitos evita que falemos a mesma coisa em diferentes línguas e estimula a discussão.”

Design da Necessidade
É o resultado da criatividade de quem não tem acesso a um bem ou produto e precisa (ou quer) tê-lo. Por necessidade, quem desenvolve o produto se vale dos mais diversos materiais, resíduos ou sobras de outros objetos, da produção industrial, do pós-consumo, do descarte para construir um ou dois exemplares — não mais do que isso.
É o ventilador construído com partes de outros objetos, com base de telefone e sustentado por um tubo de PVC; a antena de TV feita com bambu ebandejas de comida conhecidas como “quentinhas”. É também a bóia de braços para ciranças feita de garrafas PET ou a tradicional cesta de lixo feita com latão de tinta, a cadeira de plástico quebrada que se mantém em uso apoiada sobre pés de ferro...

EcoDesign
“É nesse aspecto, justamente, que se aquece o debate”, afirma Mascaro. Ele chama de EcoDesign o produto concebido e projetado intencionalmente para a produção manufaturada ou semi-industrial. Não são produtos de grande escala: os volumes comercializados são pequenos, de dezenas ou centenas de exemplares. Em sua composição entram tanto matérias primas virgens quando recicláveis e/ou recicladas.
É a poltrona de madeira certificada projetada pelos Irmãos Campana; a sacola feita com rejeitos de backlights ou outros materiais publicitários e as bolsas feitas com tampinhas de latas de cerveja. É também a fruteira moldada com antigos discos de vinil, os móveis feitos com caixotes de verduras.
Uns são fontes de geração de renda, como as casinhas de cachorro vendidas na Marginal Tietê ou as atividades artesanais gerenciadas por ONGs em comunidades. Outros são vendidos em lojas de design, são quase esculturas, obras de arte. Neste caso último caso está atrelado a um autor ou a uma grife e, normalmente tem faixas de preço bem mais altas do que os produtos industrializados.

Design Sustentável
Esse é um viés do design relegado a um plano pouco lembrado, mas que, pensando em resultados econômicos-sociais-ambientais, deve ser visto como a principal ferramenta para o desaquecimento global.Em sua base está uma postura: a de que podemos agir e modificar processos de concepção, projeto, especificação, produção e consumo para mercados de alta competitividade e altíssimos volumes. É abrangente. Pode ser aplicado desde um abridor de latas a um automóvel e envolve processos industriais sofisticados e complexos.
Por isso, a linha-mestra do design sustentável é a simplicidade. Seja na hora de projetar, de produzir ou de delimitar as propostas de uso. “Nada invalida o valor e o status que os projetos autorais e exclusivos proporcionam, apenas chamo a atenção para investirmos mais tempo nos produtos que geram milhares e milhões de exemplares e, portanto, milhares e milhões de coisas que serão, inevitavelmente, descartadas” diz Mascaro. “Experimente, por exemplo, dar um passeio numa loja de tralhas eletrônicas com este olhar.”
Ciente do tamanho da tarefa que é projetar para as grandes massas, Mascaro gosta de utilizar a definição de simplicidade adotada pelo professor John Maeda, do Media Lab do MIT: “simplicidade é subtrair o óbvio e acrescentar o significativo”. Para isso, é preciso aceitar que o trabalho do designer deixa de ser autoral, passando a ser coletivo, compartilhado. É também necessário projetar com os olhos de quem consome.
“Imagine o que é conceber um dormitório completo para ser comprado por R$699,99”, diz Mascaro. “Nós designers temos de entender melhor e respeitar os determinantes de compra dos produtos populares. Para ser barato não precisa ser feio.” É nesse território que os exemplos ainda são poucos. No Brasil, a Grendene é um deles. A fabricante de objetos para o lar Coza é outro. Os automóveis multicombustíveis, híbridos ou elétricos também fazem parte da lista. Na França, a marca de água Evian utiliza garrafas PET projetadas para ser encolhidas com um pequeno apertão depois de esvaziadas.Esse tipo de trabalho requer equipes multidisciplinares. Engenheiros, arquitetos, marketeiros, profissionais de suprimentos, químicos, técnicos, estilistas de moda, sociólogos e, claro, designers. Só assim é possível ter uma visão abrangente dos processos produtivos e projetar produtos que sejam eficientes em termos ambientais, mas também econômicos e sociais. “As consequências de se projetar mal estão aí, nos altos volumes de descarte, por exemplo”, diz Mascaro.
“Ao invés de investirmos tempo e dinheiro em administrar resíduos, temos que nos concentrar no antes, na concepção. É aí que tudo tem de ser decidido, especificado.”
(A reportagem é da revista ÉPOCANEGÓCIOS - Edição 21 - novembro de 2008 -13/11/2008)

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