"Minha idéia de que o tempo é - e é apenas - o presente. Em L´etre-temps (PUF, 1999 {trad. bras. O ser-tempo, São Paulo, Martins Fontes, 2000) eu me baseio nas análises de Santo Agostinho para tirar conclusões que vão no sentido oposto das dele. Nas Confissões, por exemplo, Santo Agostinho explica que o tempo, numa primeira aproximação, é a sucessão do passado, do presente e do futuro. Mas o passado não é, observa Santo Agostinho, uma vez que já não é; o futuro não é, uma vez que ainda não é. Logo, só resta o presente... Mas, se o presente permanecesse presente, não seria o tempo: seria a eternidade. "De modo que o que nos autoriza a afirmar que o tempo existe é o fato de que ele tende a não mais existir", conclui Santo Agostinho (Confessions, XI,14 (trad. fr. J.Trabucco, G.-F,. 1964, p.264). Eu digo o contrário, que, se o presente permanece presente, o tempo e a eternidade são uma só e mesma coisa: cá estamos. (...) Portanto o tempo é o presente.
Mas não confudamos presente com imobilidade! Mostrem-me um movimento que vocês fariam no passado, um movimento que fariam no futuro... Tentem erguer o dedinho no futuro. Não conseguirão: só podemos mexer no presente! Longe de o presente nos fadar à imobilidade, digo, ao contrário, que só há movimento no presente, porque o presente é o único lugar do real.
Quer isso dizer que devamos renunciar ao futuro? Claro que não! Como poderíamos estar aqui, nós todos, se não tivéssemos previsto estar? Esta conferência está programada a vários meses... era um projeto, em outras palavras, um pensamento voluntário orientado para o futuro. (...) Tentem viver um só segundo de passado: não podem! Vocês poderiam me falar da madalena de Proust, da memória, das reminiscências... Mas a Madalena é presente, a memóra e a reminiscência são presente. É sempre no presente que nos lembramos. Se vocês disserem "eu me lembrava" no passado, é que vocês esqueceram e jã não se lembram. Do mesmo modo, se vocês disserem " eu esperarei, eu projetarei, eu programarei...", no futuro, é que vocês não esperam, que vocês não projetam, que vocês não programam (ou que só programam, aqui e agora, sua intenção de programar mais tarde!). A esperança, o projeto, o programa só existem no presente.
Somente o presente nos é dado. Mas nesse presente podemos viver certa relação com o passado, uma relação presente com o que já não é presente: a memória. Nesse presente, podemos viver uma relação atual com o futuro: é o que se chama, conforme os casos, esperança, vontade, projeto, programas, intenção... Aí a coisa fica mais interessante. Eu dizia: esperar é desejar sem gozar, sem saber, sem poder... Longe de querer dizer com isso que se deva amputar toda relação com o futuro, concluo ao contrário que é preciso que nossa relação com o futuro seja uma relação de gozo, de saber e de poder".
(Comte-Sponville, André. A felicidade, desesperadamente. São Paulo, Martins Fontes, 2001, pp.91-94)
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