segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Ladislau Dowbor - Entrevista

'São Paulo é muito conservador'.
Imagem da Internet

Ao explicar o porquê de, há 16 anos, o PSDB governar São Paulo, Ladislau Dowbor responde que o estado é um dos mais conservadores do país. "Há toda uma coligação administrada pelas montadoras, empreiteiras e políticos presente nessa região. Em São Paulo inauguram belos viadutos, mas não se faz saneamento básico, então você tem uma cidade rica, de PIB de 29 mil reais por habitante e cercada de esgotos", resume Dowbor durante a entrevista que concedeu à IHU On-Line na noite da últim,a terça-feira, dia 05 de outubro, quando proferiu a palestra As transformações do capitalismo brasileiro.
Na entrevista a seguir, ele explica porque Dilma é a melhor opção para o país. "A volta do Serra simplesmente é a boa velha direita retornando, não tem como esconder isso. É a volta da concentração de renda, dos privilégios, privatizações. Porque eles não têm outra proposta da direita", relata.
Ladislau Dowbor é graduado em Economia Política pela Université de Lausanne (Suíça), com especialização em Planificação Nacional pela Escola Superior de Estatística e Planejamento, onde fez o mestrado em Economia Social e doutorado em Ciências Econômicas. Atualmente, é professor na PUC-SP.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Você esperava o segundo turno destas eleições?
Ladislau Dowbor – Estava dividido. O que foi inesperado foi o crescimento da Marina que, na realidade, foi o que provocou o segundo turno. Eu acredito que no conjunto do Governo Lula teve um desempenho excepcional na parte internacional, social e ambiental. Reduzir de 28 mil para sete mil quilômetros quadrados o desmatamento da Amazônia foi uma vitória imensa. O problema ainda existe, mas esse resultado foi uma verdadeira vitória. A preocupação ambiental foi mais discreta do que a preocupação social, o que é natural, porque a maior tragédia é a miséria de grande parte da população, mas isso abriu um espaço na área ambiental e a Marina capitalizou esse espaço. É bom você reaproximar agora a problemática social com a problemática ambiental, porque separar essas duas cria uma nova tragédia.

IHU On-Line – Este é um desafio, caso a Dilma seja eleita?
Ladislau Dowbor – Eu acredito que não devamos subestimar o fato de que a Marina conseguiu levantar muito a problemática ambiental deste país, colocar em um patamar sério. O Carlos Minc também fez um trabalho excepcional em termos de renegociação com grandes empresas, porque quando se reduz a demanda por produtos piratas, seja boi, seja soja ou madeira, o controle de grandes empresas compradoras você obtém também um grande resultado, isso avançou.

IHU On-Line – Em São Paulo o Alckmin foi eleito, deixando para trás o PT. Como você avalia a opção do eleitorado paulista pela permanência dos tucanos no Estado?
Ladislau Dowbor – O estado de São Paulo é muito conservador em seu conjunto, tem uma formidável presença da mídia tradicional, enquanto as mídias são mais diversificadas no resto do país. Há toda uma coligação administrada pelas montadoras, empreiteiras e políticos presente nessa região. Em São Paulo inauguram belos viadutos, mas não se faz saneamento básico, então você tem uma cidade rica, de PIB de 29 mil reais por habitante e cercada de esgotos. Uma cidade que tem 16 anos de tucanos que, em média, cria 600 metros de metrô por ano, mas está paralisada porque não se investe em metrô, porque nessa área as empreiteiras têm menos capacidade e enfrentam mais concorrência internacional.
E a própria opção de não priorizar o transporte coletivo em uma cidade como São Paulo, se tem a priorização de apoio aos bancos, isso é uma forma econômica muito grande e uma consciência menor no nível da população de mudanças que são mais profundas. Se pegarmos o conjunto da área mais pobre da população no Brasil, no espaço territorial inteiro, o impacto dos diversos programas sociais do Lula foi muito mais forte, porque São Paulo é o grande concentrador de riquezas do país. Se você olhar onde estão todos os rentistas que estão pendurados nos altos juros do país é tudo basicamente em São Paulo. Tem na cúpula interesse em manter o sistema. Agora, eu acho que os 36% de votos no Mercadante foram extremamente forte, representa mais de 1/3 do eleitorado.

IHU On-Line – A população poderia se manifestar mais neste sentido já que não tem tanto investimento em saneamento?
Ladislau Dowbor – O saneamento, transporte coletivo, meio ambiente em geral são coisas completamente abandonadas e há desinformação por parte da população sobre problemas que são mais difíceis de entender. Quando você pega as pessoas desesperadas porque São Paulo está paralisada no trânsito, estamos paralisados no trânsito virtualmente, e se acrescenta algumas faixas nas marginais, as pessoas estão andando um pouco melhor, ficam felizes, só que entra mais carro e vai parar de novo e estão fazendo isso há 16 anos. Tem um pequeno resultado, a ponte tem grande visibilidade, os viadutos, enfim é uma forma continuação do malufismo, de muito concreto, muito cimento, muitos lucros financeiros. Mas a parte de infraestruturas, as partes ambientais e sociais ficam imensamente a desejar.

"Nosso Congresso é financiado e não se consegue governar,
em função disso, sem recorrer às bancadas
que representam corporações.
É isso que deforma a política."


IHU On-Line – E essa expressividade de votos do Tiririca como você entende, como explicar isso no Brasil?
Ladislau Dowbor – Teve um “martelamento” tão forte da mídia tradicional o tempo todo em cima desse tipo de candidato. É natural um voto de protesto, em outros tempos o Brasil já elegeu, por exemplo, o Cacareco, que era um rinoceronte ou hipopótamo. Do lado da população, entendo esse ato. O que eu não entendo é o lado das grandes empresas e das mídias que simplesmente não explicam porque no Brasil temos uma bancada ruralista poderosa, eleita não com recursos próprios e que representam não o povo. Temos a bancada das empreiteiras, a bancada da grande mídia, das montadoras, tem a bancada dos bancos que também fortíssima. Há muito pouca bancada dos cidadãos. Na realidade quando você coloca muito dinheiro em um candidato para ele ser eleito, na prática você o comprou, e isso acontece no Congresso, no Senado...
É natural grupos terem interesses organizados, mas os bancos têm a Frebraban, as indústrias paulistas têm a aplicação das indústrias. Nós temos um dilema chave no Brasil que é resgatar o financiamento das campanhas, não é possível continuar com bancadas deste tipo. A bancada dos ruralistas está simplesmente liberando o desmatamento e coisas do gênero. Atitudes corruptas geram indignação da população e isso cria fenômenos como o do Tiririca. O problema não é o Tiririca, mas as corporações que compram representantes que são do povo e não da corporação.

IHU On-Line – Como você compreende as alianças da conjuntura atual, principalmente PT e PMDB?
Ladislau Dowbor – Nosso Congresso é financiado e não se consegue governar, em função disso, sem recorrer às bancadas que representam corporações. É isso que deforma a política. Instituir no Brasil as emendas parlamentares parece uma coisa digna. No entanto, o legislativo você tem que fazer lei, você não é executivo, mas com a emenda parlamentar um deputado consegue uma ponte. Assim, ele já diz para o ministro que se “conseguindo essa emenda parlamentar eu faço uma ponte numa cidade e na próxima campanha eu sou eleito como prefeito e não preciso nem gastar com campanha”. Isso é considerado legal.
A forma como votam as grandes bancadas corporativas é absolutamente escandaloso. Então, você tem no Congresso gente com vinculações evidentes que não são interesses nacionais, podem coincidir, mas não são primordialmente de interesse nacional da maioria da bancada. E, desta forma, para você obter esses votos é obrigado a abrir certas partes do Executivo, e se você não faz essa negociação, não sobrevive. Isso vai desde Fernando Henrique Cardoso com Antonio Carlos Magalhães, até o Lula com o Sarney. Acho lamentável, em termos da herança política do Brasil, essa herança que agora é sustentada e reproduzida por grandes corporações. O povo vota em Tiririca na ingenuidade. Mas, de novo, o problema não é o Tiririca. As pessoas, às vezes, reagem quando você fala que financiamento público de campanha vai custar dinheiro. A questão é que o valor do financiamento que sai das empresas é inserido no custo dos produtos e, então, nós pagamos igual. Vale a pena, sim, ter financiamento público, com teto determinado para cada tipo de campanha. Tudo isso passa pelo eterno estrangulamento chamado Reforma Política que teria que ter sido decido por quem? Por estes políticos.

"O Bolsa Família tirou da miséria negra
cerca de 50 milhões de pessoas e
com isto restituiu a cidadania das mulheres,
são elas que recebem o dinheiro e,
assim, as crianças se alimentam melhor..."



IHU On-Line – O que diferencia o projeto de política econômica da Dilma e do Serra?
Ladislau Dowbor – São visões profundamente diferentes. A inovação deste governo é de ter colocado no centro da política econômica o resgate da situação econômica de cerca de 100 milhões de pessoas, que é a metade do Brasil. Estas pessoas vivem, em termos econômicos, sociais e culturais, a própria tragédia humana. Esse governo inverteu o raciocínio e disse: “temos cem milhões de pessoas que precisam de coisas”, isto é um horizonte de expansão econômico, que é o potencial para dinamizar toda a economia. O Bolsa Família tirou da miséria negra cerca de 50 milhões de pessoas e com isto restituiu a cidadania das mulheres, são elas que recebem o dinheiro e, assim, as crianças se alimentam melhor...
É importante lembrar existem também os programas Território da Cidadania e o Pronasci, temos a expansão do crédito dos bancos oficiais, tivemos 57% de aumento do salário mínimo, tivemos cerca de 13 milhões de expansão de emprego já gerado porque o pobre quando recebe dinheiro ele gasta e se dinamiza as atividades econômicas. A Europa privilegiou os bancos e eles estão colocando dinheiro no Brasil e na China, não dinamizam nada na Europa e isso gerou déficit público. Por isso, o que era o buraco dos bancos e se tornou um buraco público. Esse dinheiro transferido para os bancos não dinamiza a economia, pelo contrário, esfria a economia, porque não tem demanda interna, tirando direitos sociais, tirando a capacidade de consumo da população e, ainda, não há aumento dos impostos para fechar o déficit.
A política brasileira, que foi estimular demanda na base da população, com isso, responde às necessidades sociais evidentes, resgata o principal drama do Brasil que é gente que está lá embaixo. Assim se gera demanda que estimula a economia que aumenta os impostos recolhidos e o crescimento econômico. E é esse aumento que permite repor o que se transferiu sob forma de estímulos na base da sociedade.

IHU On-Line – Então você acredita que o Serra vai mais para este lado da contenção?
Ladislau Dowbor – Sem dúvidas. O Serra está ligado muito mais a visão tradicional em que você centra a questão toda em nome da inflação, mantém contenção de gastos. O crescimento econômico quase que inexistente em cima de uma responsabilidade e pouquíssima atividade de enfrentamento do principal problema que é a desigualdade no país. A parte social do governo FHC, e falo isso com tranqüilidade porque a Ruth Cardoso pediu para eu dar aconselhamentos durante quatro anos sobre isso (não remunerado, diga-se de passagem) não avançou em nada. Em ambientais nós tínhamos o simpático filho do Sarney e coisa do gênero, e, assim, tinhámos paralisia total e total privilégio dos interesses dos outros. A primeira grande guerra que se deu, para começar a reequilibrar questões ambientais, quando o governo Lula nomeou a Marina Silva. Eu acho que a tentativa da direita de separar o ambiental do social para o Brasil foi uma tragédia, porque na realidade nós temos que juntar o ambiental, o social e o econômico.
A problemática ambiental e da sustentabilidade está gradualmente chegando com mais força, no Brasil ela tem dificuldades pela mudança de recursos naturais que o país tem, e todo mundo se acostumou a esbanjar terra, água, florestas, de liquidar as coisas. Essa visão não tem mais espaço. O transporte ferroviário e o transporte por água são os grandes investimentos do PAC, isso em termos ambientais é vital para o Brasil. Nós estamos num país onde 2/3 do transporte se faz com caminhões. E isso é desastroso para todos os efeitos. Ao construir ferrovias, saimos da dependência permanente do automóvel, e isso, em termos de impactos ambientais, é extremamente importante. Essa pluralização de dizer que a Dilma não se importa com o meio ambiente é feito por parte de gente que sempre praticou essa política, e isso é no mínimo desonesto.

"Não podemos esquecer que o Lula não desaparece
do cenário político nacional,
cada coisa que vai acontecer,
eles vão perguntar para o Lula, por exemplo.
O Lula se tornou uma referência política."


IHU On-Line – Porque ela se apóia bastante nessa questão do Lulismo?
Ladislau Dowbor – Dilma é uma boa gestora, isso é necessário dizer. A guinada política que foi dada em direção social e ambiental pelo governo Lula dinamizou o conjunto da economia. Isso se deu, principalmente, quando se entendeu que ajudar o pobre não favorece somente o pobre, favorece todo mundo. Essa guinada ganhou uma gigantesca vitória e que gera grande parte da admiração mundial que ele tem, porque Lula saiu da visão que ou se governa para pobre ou para rico. É preciso governar para o conjunto, inclusive para se viabilizar politicamente, porque aqui se você entrasse de sola mais acelerada na redução da taxa de juros, os intermediários financeiros, que são os grandes grupos nacionais coligados com o sistema internacional, desestabilizariam qualquer governo. É preciso ser realista.
Não podemos esquecer que o Lula não desaparece do cenário político nacional, cada coisa que vai acontecer, eles vão perguntar para o Lula, por exemplo. O Lula se tornou uma referência política. Sem nenhum problema, faço o paralelo com a África do Sul, com o peso que o Mandela tem no país esteja dentro ou fora do governo porque é quem introduziu realmente o eixo modernizador no país.

IHU On-Line – No caso na questão da liberação de crédito, de todo esse movimento na economia interna não pode gerar um endividamento?
Ladislau Dowbor – É um problema central. Ele foi criado pelo Fernando Henrique Cardoso que recebeu o país com uma dívida de 100 bilhões e deixou com 800. Hoje estamos com um trilhão e meio, isso gera a satisfação dos grandes bancos e dos rentistas, basicamente de menos de um por cento dos mais ricos do país. Lula, em 2002, assinou a famosa carta de respeito aos contratos, entenda-se, não ia romper este sistema, e eles têm capacidade de quebrar qualquer governo. Agora Lula recebeu o governo com juros Selic, que o governo paga aos banqueiros sobre o nosso dinheiro, de 24,5% e hoje ele está em 10,75%. O banco é uma instituição que não trabalha com o seu dinheiro, mas com o nosso dinheiro, por isso ele é uma entidade pública que tem que obedecer a constituição e recebe uma carta patente do Banco Central autorizando esta instituição a trabalhar com dinheiro de terceiros. Um abuso que está gerado nesta área, porque as pessoas não têm clareza sobre a taxa Selic, mas estão pagando 160% de juros no cheque especial ao ano. Eu uso o Banco Santander, que tem convênio com a PUC tem, e percebi que eles estão cobrando essa porcentagem. Agora, se você acessar o Santander.ES, pode procurar por overdraft (cheque especial) e descobrirá que na Espanha esse mesmo banco Santander cobra 0% no cheque especial por seis meses até cinco mil euros, não porque são bonzinhos, mas porque há lei.
Os avanços, em termos de infraestruturas gerais que tem impactos ambientais, são extremamente importantes em termos de modernização do país. A volta do Serra simplesmente é a boa velha direita retornando, não tem como esconder isso. É a volta da concentração de renda, dos privilégios, privatizações. Porque eles não têm outra proposta da direita.

IHU On-Line – Economicamente, o que é prioritário para o próximo governo?
Ladislau Dowbor – O prioritário é a continuidade. As grandes linhas estão corretas tanto na diversificação do comércio mundial, que foi essencial para a forma como passamos pela crise, quanto no intenso apoio ao pequeno e médio produtor através do SEBRAE. Além disso, houve os financiamentos do banco Nordeste, a dinamização da pequena e média empresa, o aprofundamento das políticas sociais gerando mais demanda. Agora, temos que reduzir gradualmente a taxa Selic, porque quando os bancos perdem a opção de ganhar muito dinheiro aplicando em títulos do governo eles vão ser obrigados a buscar a aplicação produtiva do seu dinheiro o que também enriquece a atividade econômica.
Nós também não podemos manter a estrutura tributária, que consiste em tirar dos pobres para dar aos ricos, em um país com essa desigualdade é absolutamente escandaloso. Entendemos plenamente o interesse deste tipo de Congresso, da forma como eles são financiados, por tentar manter este sistema tributário atual e entendemos a imensa propaganda que eles fazem dizendo sobre os muitos impostos que eles não pagam. As pessoas entram nessa jogada porque realmente parece que eles estão sendo empobrecidos.
Nós temos que ter impostos decentes sobre a especulação financeira, isso é importante, porque são pessoas que ganham na chamada arbitragem, aplicam ali, tiram dali, não produzem nada e se enchem de dinheiro, e depois vão comprar coisas concretas que alguém tem que ter produzido. Esse tipo de atividade, que é nociva para os equilíbrios financeiros do país, precisa ser evidentemente taxada. Nós temos que ter impostos sobre grandes fortunas, não se trata de aumentar os impostos, nós temos uma carga tributária que não é elevada, são 35% do PIB sendo que na Suécia é 66%, a média européia é de 50%, Estados Unidos 40%. Você e eu seguramente pagamos os impostos e simplesmente recebemos o pagamento com os impostos reduzidos, eles nem perguntam se queremos pagar ou não.
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FONTE: IHU online, 10/10/2010

Um comentário:

  1. uma aula magistral de Brasil, um professor que nos orienta diante de tanta agressividade apresentada por pessoas maldosas.
    Muito Obrigado Professor !!!!!!!!!!!!!!!!

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