quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Luiz Felipe PONDÉ - Entrevista

Os anseios do homem moderno e a religião

Imagem da Internet

Os limites da liberdade,
o homem moderno perante as
 mudanças biológicas e sociais.
 Como a religião fica diante dessa mudança e
a crença do ser humano
diante das novidades.

Luiz Felipe Pondé, 51 anos, é filósofo, mestre em história da filosofia contemporânea pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em estudos avançados (DEA) em filosofia contemporânea pela Universidade de Paris, doutorado em Filosofia Moderna pela USP e pós-doutorado em epistemologia pela Universidade de Tel Aviv.
Com um vasto conhecimento sobre a sociedade atual, recebeu o Mensageiro de Santo Antônio. Aqui, ele apresenta seu ponde de vista sobre vários assuntos. Eis a entrevista:

O Mensageiro de Santo Antônio – Como você define a modernidade?
Luiz Felipe Pondé – É um período histórico ocidental que se expandiu pelo mundo, caracterizado pelo crescimento da tecnociência como forma de instrumentalidade da vida, ampliação do domínio da natureza e da vida social via Estado e seus aparelhos jurídicos e administrativos. No plano psicossocial, uma redução da religião do espaço público e uma tendência à privatização da vivência da espiritualidade.

MSA – Moderno, pós-moderno, como se pode caracterizar o momento atual e o homem que nele vive?
Pondé – Pós-moderno é um conceito que sai da estética descrevendo o esvaziamento das grandes teorias sobre o mundo, atingindo a visão de mundo baseada na fé, na ciência e na técnica. Com fortes traços relativistas no plano cultural e moral e um crescente domínio da vida pelas tecnologias da informação.

MSA– O homem pós-moderno vive uma contradição: se por um lado ele vê a si mesmo como um semideus diante das possibilidades abertas pela tecnologia e pela ciência, por outro, se mostra frágil diante de uma doença muito própria do nosso tempo, que traz a falta de sentido e o vazio: a depressão. Esta é um sintoma de algo, tão frágil e tão poderoso? Está faltando algo para esse homem?
Pondé – Acho que sim. Sintoma do tédio do poder tecnocientífico e instrumental, associado a uma crescente demanda de eficácia em todos os níveis da vida cotidiana, profissional e afetiva, esvaziando o contato concreto e não interesseiro com as outras pessoas.

MSA – O homem moderno utiliza a palavra liberdade em muitos sentidos. Com isso se sente no direito a tudo, por exemplo, ser a favor do aborto ou da eutanásia. De fato, o que é a liberdade e qual os seus limites?
Pondé – É impossível definir a liberdade em menos de duas mil linhas. Posso dizer que existem vários tipos de liberdade: a política ( não ser perseguido pelo governo por discordar dele), a religiosa ( tolerância com a religião do outro), a psicológica ( por exemplo, em relação a pressão afetiva que os pais sentem pela responsabilidade com os filhos ou a responsabilidade dos filhos em relação aos pais), a moral ( poder escolher se nos casamos ou se vamos ter filhos, ou até mesmo fazer sexo quando quiser dentro ou fora do casamento), a individual (escolher sem pensar prioritariamente em grupo algum) e a estética ( romper normas estéticas aceitas pela comunidade artística e crítica em determinado momento).

"Pós-moderno é um conceito que sai da estética
descrevendo o esvaziamento
 das grandes teorias sobre o mundo,
atingindo a visão de mundo baseada na fé,
na ciência e
na técnica."

MSA – O homem é tão livre quanto pensa?
Pondé – Não, o homem não é livre como pensa. O moderno e pós-moderno têm uma relação quase de fetiche com a liberdade, que é seu sonho de consumo.

M.S.A – Com os avanços da ciência e a sociedade caminhando para um mundo bem diferente, você acredita que as pessoas estão acreditando menos em Deus ou, no caso, menos na religião?
Pondé – Não acho que haja menos crença em Deus. Há uma variação visivelmente (talvez agora mais do que antes) de modos de crença. Há sim a possibilidade de não crer e não ser morto por isso. E de esperar mais da ciência e do estado de direito laico que de Deus ou de seus representantes institucionais. Isso se chama secularismo.

MSA - Qual é a principal característica do comportamento espiritual/religioso do homem neste século? Como podemos interpretar a evasão de fiéis das religiões tradicionais?
Pondé – A evasão de fiéis tem a ver com o peso que é ser de uma religião institucional e o efeito desse peso no fetiche da liberdade individual. A crença nesse cenário tende a ser instrumental, banalmente interesseira e volúvel, assim como quem escolhe uma marca de desodorante.

MSA – A Igreja Católica responde aos anseios do homem moderno?
Pondé – Essa é outra pergunta que pede duas mil linhas. Em alguma medida sim, senão não se mantinha. Mesmo moderno, o homem continua um carente cósmico. É evidente que a Igreja hoje tende a oferecer alguma resistência a manias modernas de liberdade e ao consumo de tudo, mas isso também, ao mesmo tempo, significa uma necessidade humana.

MSA – Hoje, tem-se um novo conceito de trabalho, família, educação, tempo, espaço e corpo. Em que se baseia a Igreja Católica (entre outras instituições tidas como conservadoras) para manter o discurso moralizante de outras épocas?
Pondé – Baseia-se no fato de que as necessidades que pautam esses conceitos continuam humanas: sobrevivência a todo custo, pertença a um grupo social mínimo, formar-se num conjunto de valores e hábitos, existir no tempo e no espaço, cuidar do corpo, adoecer e morrer. Pessoalmente acho essencial a Igreja oferecer resistência ao fetiche da liberdade individual.

MSA - A religião possui uma visão completamente conservadora em relação à sociedade atual, seja na área de pesquisas biológicas com humanos, seja em assuntos mais simples do cotidiano, como o papel da mulher na Igreja e a homossexualidade. A Igreja aceitará tais mudanças comm o tempo ou terá força suficiente para manter suas convicções, mesmo diante de pensamentos tão distintos?
Pondé – Não acho que seja uma visão completamente conservadora. Se você fala de religião em geral, não somente na Igreja Católica, há contradições porque a vida é contraditória. Acho que com o tempo a Igreja pode ceder às pressões dos grupos de interesse dentro dela sim. Sendo uma instituição antiga, ela pode resistir mais do que as novas modas espirituais, feitas na chave do fetiche do consumo da liberdade.

MSA – Como você vê o novo ateísmo representado por Richard Dawkins e Daniel Dennet?
Pondé – Apenas uma nova forma de materialismo requentado dom darwinismo. O atomismo é grego, não há novidade no novo ateísmo, apenas para a mídia e para o senso comum.

MSA - Filosofia, religião, espiritualidade, mística, psicanálise, ciência. Qual é o melhor remédio para os problemas do homem atual? Será que tal resposta poderá vir por intermédio da educação, da economia ou até mesmo da natureza?
Pondé - Essa pergunta é impossível de ser respondida assim. Não tenho a mínima ideia sobre o “melhor” remédio para os problemas do homem atual. A ciência não responde aos anseios espirituais, a religião não responde aos anseios técnicos de manutenção da vida, a psicanálise é restrita a um grupo específico, a educação fala muito, mas não tem nenhuma grande teoria, além do blá-blá-blá do “homem é lindo por dentro”. Acho que, de todas as áreas citadas, a mais perdida, a economia que é necessária sem dúvida, não para salvar mas para garantir as condições materiais da vida. A natureza é nossa casa e nosso cemitério... Câncer também é natural.
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Por Antônio M. de Oliveira e Sandra Alves
Fonte: Revista O mensageiro de Santo Antônio, nº8 – outubro de 2010 – pg.32/34.

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