sábado, 9 de outubro de 2010

O homem medíocre

Rogerio Schietti M. Cruz*


Imagem da Internet

Nunca na história da humanidade houve tanta exploração da mediocridade. Quem o disse, há quase 100 anos, com maestria ímpar, foi Jose Ingenieros, italiano de nascimento e que abraçou a Argentina como país do coração. Teve produção variada no campo da psiquiatria, da sociologia e da criminologia, mas, sem dúvida, seu mais célebre livro, O homem medíocre, obra atemporal, se notabilizou com uma autópsia das características da raça humana, composta, como ali dito, de raras mentes geniais e de multidões de “existências vegetativas”.
Vivemos tempos de extremos, minguados de líderes que nos mostrem, não com discursos, mas com exemplos, o caminho da virtude. São tempos de massificação do conhecimento e da informação, de pasteurização das ideias, de relativização dos valores e de vulgarização das tragédias humanas.
A mediocridade no pensar e no agir é fortemente responsável por tudo isso. Como bem pontifica Ingenieros, o homem medíocre imita, não cria, pensa com a cabeça dos outros, prende-se a frivolidades; é efêmero, apegado a honrarias e escravo de “fórmulas paralisadas pela ferrugem do tempo”. O homem medíocre é aquele incapaz de extasiar-se diante de um crepúsculo e de sonhar frente à aurora; repete, à exaustão, hábitos do passado, tornando-se presa fácil da rotina, esse “esqueleto fóssil cujas peças resistem à carcoma dos séculos”. Os medíocres são prosaicos, desprovidos do espírito curioso do cientista (“a originalidade lhes produz calafrios”), da sensibilidade do artista e das ilusões do idealista; não têm afã algum de perfeição; sua ausência de ideias “os impede de pôr em seus atos o grão de sal que poetiza a vida”. Se um deles, como ilustra o sábio portenho, passasse junto à torre inclinada de Pisa, dela se afastaria, temendo sua queda.
A renúncia a pensar, quando consciente, é uma boa maneira de não se equivocar, o que faz dos cérebros medíocres “casas de hospedagem desprovidas de donos”. Resta-lhes uma vida insossa, plena de pré-juízos, avessa às confrontações da mente curiosa e às surpresas do desconhecido.
Essas características são facilmente identificadas nesse período de campanha eleitoral, em que candidatos procuram exibir, com superlativos, suas apregoadas virtudes e ocultar, com todo empenho, seus atributos negativos. Para um bem-intencionado eleitor, assistir a um programa eleitoral, na TV ou no rádio, é um exercício de paciência, de desprendimento e de compaixão, quando não de puro divertimento. Ali se veem, disfarçadas sob uma aparente — em alguns, quiçá, até sincera — vontade de servir ao próximo, as retóricas direcionadas a iludir o eleitor, com discursos e argumentos que reproduzem o que se acredita sejam as carências mais prementes da população. Todos falam de mais segurança, de serviços de saúde e de transporte de boa qualidade, de educação para todos, de ofertas de trabalho, de obras viárias, de saneamento, de apoio à cultura, de respeito às minorias e de proteção aos aposentados, às crianças e aos portadores de deficiência. É um verdadeiro cardápio de palavras, com menu diversificado que, todavia, sempre inclui alguns desses ingredientes.
Passam as eleições, tomam posse os eleitos, frustram-se as expectativas, transferem-se responsabilidades e culpas... e tudo se repete nas eleições seguintes, script que bem evidencia quão deteriorada está, ou é, nossa política, cimentada no afago hipócrita aos carentes, na criativa oferta de favores ilícitos, ou simplesmente na encenação de gestos e sorrisos fáceis, tapinhas nas costas e qualquer tipo de aproximação que traduza uma relação afetiva eleitor-candidato.
Já sob a ótica do eleitor, é sintomático desse comportamento descompromissado com os destinos da polis o apoio a certas “causas” nada sérias, como a que “elegeu” um conhecido macaco carioca. Nestas eleições de 2010, não deveria então surpreender o enorme retorno eleitoral de um candidato que se tornou conhecido como comediante circense e cujo mote é, explicitamente, alardear que não sabe o que irá fazer no Congresso Nacional.
Ainda que se possa explicar tal comportamento como um protesto “cívico”, o fato é que ele denota, no agir do eleitorado, o grau de mediocridade da política brasileira como um todo. Possivelmente, decorre ela de nossa pequena tradição democrática e do elevado grau de analfabetismo, tanto escolar quanto político, de nosso povo. Mas o que se poderia esperar de uma nação cujo interesse literário colocou, no topo da lista dos mais vendidos, o livro Seu Creysson, Vídia i Óbria? E olha que Jose Ingenieros nem se referiu ao Brasil quando filosofou sobre a mediocridade humana.
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*Procurador de justiça (DF)
Fonte: Correio Braziliense online, 09/10/2010

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