terça-feira, 2 de novembro de 2010

A casa dividida

Miguel Tedesco Wedy*
Imagem da Internet

Em 16 de junho de 1858, Abraham Lincoln, futuro presidente dos EUA, proferiu um discurso histórico, que marcaria o futuro daquela nação. Embasado no Livro de Mateus (12:25), de que “toda casa dividida contra si mesma não pode permanecer”, Lincoln combateu e criticou a imoralidade da escravidão, afirmando que o país não sobreviveria com Estados livres e Estados escravocratas.
Com esse discurso, Lincoln desnudava a assimetria entre os Estados americanos. Os Estados do Sul, marcados por uma aristocracia sustentada na monocultura, conservadora e exploradora da escravidão, economicamente fragilizada e com grande concentração de renda. Os Estados do Norte, na sua maioria refratários à escravidão, caracterizados por uma crescente industrialização, abertos para novas iniciativas, com grande pujança econômica e melhor distribuição de renda.
Impossível não comparar essa realidade com o Brasil atual. O resultado eleitoral expôs claramente a preponderância da candidata do presidente Lula nos Estados mais pobres, dirigidos por velhas elites e aristocracias (Collor, Sarney et caterva) conservadoras e decadentes. Com populações mais sujeitas ao manejo eleitoreiro de medidas populistas e políticas assistencialistas. De outra parte, a grande votação de Marina Silva no primeiro turno, o alto índice de abstenção, a vitória do “anticarismático” candidato de oposição nos Estados do Sul, do Centro-Oeste e em São Paulo, que possuem PIBs maiores, melhor distribuição de renda e maior instrução, caracterizam claramente a profunda divisão do país no atual momento histórico. Um país que ainda se debate entre sua tradição assistencialista, conservadora e estamental, como diria Raymundo Faoro, e uma tradição modernizadora e republicana.
Na lição de Lincoln, “Eu não espero a divisão da União – eu não espero ver a casa cair –, mas espero que ela deixe de ser dividida. Ela toda terá que se tornar uma coisa ou outra”.
Infelizmente, o que se deu nos últimos tempos foi uma espécie de avanço daquelas tradições políticas mais arcaicas, uma “sertanização” do Brasil, que aumenta a corrupção, fragiliza e partidariza instituições, torna a federação uma quimera, o cumprimento da lei uma bobagem e a ética republicana uma qualidade irrelevante.
Esperemos que a presidente Dilma, mercê de seu passado destemido e correto, tome como exemplo o que neste país é louvável, como a criatividade do seu povo, a sua capacidade de indignação e de trabalho, o apreço pela iniciativa, e combata com empenho as práticas políticas, culturais e negociais carregadas de vícios éticos, morais e jurídicos.
Façamos isso também ou, para não esquecer do lenhador do Kentucky, “vamos então dormir sobre a mentira”.
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*Advogado e coordenador executivo do Curso de Direito da Unisinos
Fonte: ZH online, 02/11/2010

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