sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Diante do computador para enfrentar a solidão


O homem nunca teve ao seu alcance tantas ferramentas de interação e comunicação como hoje. No entanto, o sentimento de angústia, causado pela solidão, está cada vez mais presente no cotidiano. A psicóloga Sônia Eustáquia Fonseca, que trabalha com Inclusão Social na Pastoral da Escuta, na Paróquia São João Evangelista, Bairro Serra, em Belo Horizonte, considera que o consumismo e a crise de valores ético-morais têm causado mal estar em decorrência da solidão. Ela, que é especialista em Psicologia e Psiquiatra na Infância e Adolescência, enfatiza o papel fundamental dos pais na orientação dos filhos quanto aos relacionamentos online, e acredita que a espiritualidade e a fé podem ajudar o ser humano a vencer as angústias.

A solidão aprece tomar proporções maiores na atualidade. O ser humano está de fato se isolando?
A solidão no sentido de estar desacompanhado não é uma característica de que o ser humano em sua essência goste. Vale lembrar que o livro mais lido do mundo, o texto bíblico, traz a narrativa da criação e nela a vontade do criador de que o ser humano não fique só. Por que o ser humano estaria se isolando? Eu creio que os meios de comunicação, principalmente os eletrônicos, estão mudando o rumo e as “cores” desse estar no mundo e estabelecer relações. Quando um jovem fala com outro pelo “MSN”, está sozinho em seu quarto, mas sente-se acompanhado pelo seu amigo interlocutor. O sentimento de desamparo possivelmente não está presente ali.

Antigamente as pessoas eram obrigadas a se encontrarem presencialmente para conversarem. Quando se perde esta obrigação da co-presença, as relações ficam empobrecidas?
Fisicamente estamos sim mais isolados, mas não creio que sozinhos. Eu prefiro falar com os meus amigos pessoalmente, sem hora para acabar e não precisar de uma máquina para fazer isso. Em alguns momentos não gosto nem mesmo do telefone, mas eu nasci em 1950 e isso faz toda a diferença. Mesmo assim, tento acompanhar a evolução dos tempos, tenho facebook, orkut, e-mail, site, celular e dois telefones fixos. Essa nova geração gosta das máquinas, dos equipamentos eletrônicos e dos botões. Freud escrevia cartas, muitas cartas mesmo, comunicava suas idéias, pedia sugestões, namorou Marta, posteriormente sua esposa através das cartas. Uma boa parte de sua teoria está nas cartas, que naquela época era o principal instrumento para comunicar idéias. Hoje nós temos outros meios que parecem mais solitários, mas não são. Não faço apologia ao que já passou, ando, olhando para frente e para onde piso. O que está atrás temos que olhar pelo retrovisor.

Quando o comportamento de isolamento pode ser considerado salutar e quando ele começa a ser objeto de preocupação?
Ele é saudável quando for usado para refletir, rezar, meditar, ouvir música, criar alguma arte, estudar. O isolamento sem o sentimento de solidão é muito gostoso de ser vivido e às vezes muito necessário, principalmente para a criação artística. O isolamento pode ser considerado objeto de preocupação quando o sentimento presente for de angustia.

A partir de que momento é aconselhável procurar-se ajuda especializada?
Quando o sentimento de angustia transforma-se em uma constante. Pode ser que nesse momento a angustia existencial que é inerente ao ser humano, tenha se transformado em um quadro depressivo. Vamos detectar isso através da queixa da pessoa em relação ao sentimento de abandono, desamparo e solidão que sente continuamente, mais o desânimo para atividades cotidianas ou criativas.

"Nós nos tornamos ou nos sentimos
 mais completos,
através da complementaridade
ajustando em mim
o que o outro tem e o
que eu não tenho e vice-versa."

Em um de seus poemas, o compositor Chico Buarque afirma que solidão é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma... Esse pensamento encontra fundamentos na psicologia?
É um texto poético lindo, sem dúvida. Eu acho que ele nos instiga a ir fundo em nossa subjetividade e buscar a compreensão da nossa solidão. O jeito de senti-la, bem como o de entrar e sair dela é singular em cada ser humano. Creio que utilizando a poesia, Chico diz da castração, termo psicanalítico que conceitua o sentimento de falta, existente em todas as pessoas normais e que é produzido pelo outro. Este sentimento começa nos primeiros momentos de nossas vidas

A que conseqüências a busca da completude no outro pode levar o ser humano?
A busca da completude em outro ser humano parece ser o melhor destino das nossas pulsões afetivas e sexuais. Nós nos tornamos ou nos sentimos mais completos, através da complementaridade ajustando em mim o que o outro tem e o que eu não tenho e vice-versa. É como se fossem os dentes de uma engrenagem: um “dente” de uma esfera entra na falta de “dente” da outra esfera. Só assim a engrenagem torna-se dinâmica, boa e necessária.
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Fonte: Jornal Online -Edição 1115 - 25 a 31 de outubro de 2010
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