Newton Carlos*
Os Estados Unidos têm uma história de guerras, desde a intervenção de marines num país norte-africano no século 19. Invasão do México, ocupação do Haiti, ações armadas, inclusive com o emprego de aviões, contra a guerrilha de Sandino na Nicarágua, expulsão dos espanhóis de Cuba, invasões da República Dominicana e de Granada, além de outras mais recentes e de uma guerra civil sanguinária. A não submissão de Sandino, vítima de emboscada traiçoeira quando ia discutir os termos do cessar-fogo, é considerada o primeiro Vietnã do americanos. Há livro que relaciona todas essas guerras , intitulado Americans at wars, entre as quais está a do Vietnã, na qual os Estados Unidos amargaram a primeira grande derrota.
Estão agora enrascados em duas outras, as do Iraque e do Afeganistão. Na do Iraque, sofrem uma derrota disfarçada de vitória, já que a ditadura de Saddam Hussein foi derrubada e se instala no país, junto com a vontade afinal manifesta de Washington de cair fora o mais rapidamente possível, um governo eleito sob proteção americana e ainda necessitando do guarda-chuva de Washington. E as matanças continuam. Uma guerra ilegal, segundo a ONU, produto da arrogância doentia do grupo de neo-conservadores que estava no poder nos Estados Unidos de Bush e pretendia encerrar a história lançando um novo século americano.
E o Afeganistão? O marco zero está em fatos anteriores aos atentados que destruíram as torres em Nova York e um pedaço do Pentágono, central da maior máquina de guerra do mundo. Antes, uma unidade naval americana fora alvo de atentado num porto do Golfo Pérsico e os autores não tardaram em ser identificados. O dedo indicador, a partir do resultado das investigações, logo apontou para um grupo terrorista islâmico, a Al Qaeda, cujo quartel-general não tinha endereço conhecido. Clinton, na época presidente americano, autorizou o ataque a um alvo no Sudão, onde a CIA supunha que estivessem os chefões da Al Qaeda, a começar pelo de maior patente, Osama Bin Laden.
Foguetes dos Estados Unidos destruíram uma lavanderia, fato tragicômico que mobilizou cartunistas e analistas ao largo do mundo. O assunto impõe um recuo mais aprofundado. Com a invasão do Afeganistão por parte da ex-União Soviética, formaram-se no vizinho Paquistão grupos de resistência, entre eles a Al Qaeda, e os talibãs, egressos de escolas de formação islâmica radical, se organizaram como combatentes em nome de seu Deus, contra os “infiéis” da época, os russos. A CIA deu uma boa ajuda à insurreição contra os invasores. Chegou a ser registrada em câmaras de televisão a cena de um agente da CIA saudando guerrilheiros islâmicos (destaques para a Al Qaeda e os talibãs) que penetravam no Afeganistão a partir do Paquistão, o mesmo que fazem hoje contra os americanos. “Avancem, que Alá está convosco”, chegou a bradar um desses agentes. Expulsos os russos, os talibãs assumiram o poder e a Al Qaeda obteve moradia sob proteção de um regime islâmico brutal, que chegou ao ponto de destruir obras de arte seculares, como os budas gigantes.
O feitiço virou afinal contra o feiticeiro. Os “infiéis”, logo os alvos preferenciais, passaram a ser os americanos, atingidos de forma brutal. Por que Bush deu maior importância à invasão do Iraque, deixando o Afeganistão dos talibãs e da Al Qaeda em segundo plano, embora existissem provas suficientes de que os homens-bombas de Osama Bin Laden tinham, e continuam tendo, suas plataformas de lançamento em território afegão? Barack Obama cansou-se de dizer, durante a campanha eleitoral, que a guerra “certa” era a do Afeganistão e não a do Iraque. Pesquisa recente constatou que quatro em cada cinco americanos acham que os Estados Unidos ficaram mais expostos a atos terroristas com a invasão do Iraque.
Instalado na Casa Branca, Obama se vê diante de um rosário de pressões envolvendo a guerra no Afeganistão. Os generais querem o envio de mais soldados, o que deve acontecer. Assessores de maior porte, como o vice-presidente Joe Binden, sustentam que esse não é o caminho certo. A tropa dos Estados Unidos já é 12 vezes maior do que os combatentes talibãs. A secretária da Estado, Hillary Clinton, se situa num meio termo, em dobradinha com o secretário de Defesa, Robert Gates. Mais tropas numa equação em que ações civis, a velha história da conquista de mentes e corações, tenham presença marcante. Obama quer uma “estratégia clara” antes do envio de mais soldados. Mas como formalizá-la em meio a esse jogo de empurra, que mais expressa confusão? Enquanto isso, jovens dos Estados Unidos — e também europeus, já que os invasores passaram a empunhar a bandeira da Otan —, continuam morrendo e matando sem ter uma ideia precisa da motivação.
Num texto divulgado pela internet, os talibãs disseram que não são ameaça ao Ocidente. Querem apenas retomar o poder no Afeganistão, beneficiando-se inclusive do fato de que o grupo colocado em palácio pelos americanos se afoga em corrupção, desmandos, fraudes eleitorais e tráfico de drogas. O fato comunicado foi interpretado como um distanciamento da Al Qaeda de Bin Laden. Fala-se agora em “comprar” os talibãs moderados. Eles montariam, com ajuda americana, um regime não hostil aos países ocidentais, sobretudo aos Estados Unidos. Bin Laden e os seus ficariam a ver navios, com suas cavernas expostas. Acontece que nenhuma análise tem estacas firmes nessa confusão. Por seu lado, se especula que é montada uma tríplice aliança, envolvendo Bin Laden, talibãs e radicais islâmicos do Punjabi, no Paquistão, onde de fato estaria o perigo maior, com um arsenal atômico como condimento.
*JornalistaFONTE: Correio Braziliense online - 18/11/2009
Nenhum comentário:
Postar um comentário