Wilson Jacob Filho*
[...] TODOS TÊM E TERÃO CADA VEZ MAIS AS SUAS VIDAS ALTERADAS PELA PROGRESSIVA CAPACIDADE DE VIVER MAIS
Venho insistindo, há muito tempo, que o envelhecimento populacional será um dos temas de maior importância para o futuro da humanidade. Não há quem ou o que possa ser considerado alheio a essa realidade ou intangível por essa fantástica mudança da composição etária da população.
Do mais simples cidadão das muitas comunidades carentes ao mais notório dentre os abastados, todos têm e terão cada vez mais as suas vidas alteradas por essa progressiva capacidade de viver mais.
Uma das evidências mais marcantes da necessidade de disseminar esse conceito ocorreu, para mim, há mais de 20 anos, quando ministrava a palestra inicial do curso de geriatria aos alunos do quarto ano da Faculdade de Medicina da USP.
Entre os dados nacionais e internacionais que demonstravam as expectativas de envelhecimento populacional para o século 21, convidava-os a pensar que essas perspectivas seriam determinantes de inúmeras mudanças no exercício profissional, fosse qual fosse a futura especialização deles.
Uma das alunas me interpelou: "O meu não, professor. Pretendo ser pediatra e, ao que me consta, as crianças continuarão sendo crianças". Risos coletivos denunciaram algo do tipo "te pegou".
Após alguns instantes de conversas paralelas, retomei a palavra e formulei a argumentação que venho repetindo desde então. "Esse aumento da expectativa de vida provocará mudanças individuais e coletivas que nos envolverão, a todos, em pelo menos três cenários.
No plano individual, teremos maior chance de viver mais e, por isso, torna-se necessário um planejamento a médio e longo prazos para que possamos envelhecer com saúde. No aspecto coletivo, conviveremos cada vez mais com aqueles que envelhecem, o que nos torna parte integrante do planejamento de vida de um número progressivamente maior de pessoas. E, no campo profissional, cada vez mais o cliente será idoso. Seja dentista, seja anestesista, todos terão que atender o idoso com a mesma segurança e capacidade profissional com que o fariam com outras faixas etárias".
Os rumores e risos, que tinham se aquietado, voltaram, visto que eu não havia tocado na questão formulada.
Completei: "Mesmo você, futura pediatra, terá que se ocupar dessa questão. Em parte porque estará cuidando de uma criança cuja expectativa de vida será maior do que foi a sua e muito maior do que foi a minha, quando nascemos. Além disso, seu interlocutor será, na maioria das vezes, um idoso.
Serão, provavelmente, as avós e, quem sabe, as bisavós que se ocuparão dos cuidados das crianças e que farão, entre tantas coisas, a consulta ao pediatra." Silêncio geral, em meio a certo clima de incredulidade.
Recentemente, encontrei essa pediatra em um congresso.
Antes mesmo que nos cumprimentássemos, ela se adiantou, com um sorriso: "Toda a vez que atendo um cliente acompanhado da avó ou da bisavó, lembro de você".
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*WILSON JACOB FILHO é professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP)
wiljac@usp.br
FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq1911200901.htm
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