sábado, 21 de novembro de 2009

Salamaleque

NILSON SOUZA*

Obama fez uma reverência diante do imperador japonês e foi espinafrado pelos críticos de seu país sob a alegação de que não é apropriado para um presidente americano se curvar diante de um estrangeiro. “Nós não fazemos reverências a reis ou imperadores!” – vociferou um comentarista de televisão. Eta arrogância! Que mal há em ser gentil? Ainda mais diante dos japoneses, que exercitam diariamente a mesura como manifestação de respeito. Além disso, o presidente estadunidense é mais jovem e tem quase o dobro da altura de seu colega nipônico. Na linguagem gestual, Obama estava dizendo: “Eu sou igual a você”. Ou, numa interpretação mais otimista, talvez estivesse tentando dizer: “Não somos inimigos”. O nariz empinado é que gera hostilidades.

Pode ser até que o protocolo entre chefes de Estado exija uma certa formalidade, evitar tapinhas nas costas, abraços calorosos demais, beijos imprevistos. Mas governantes são, antes de tudo, seres humanos. E nós, humanos, nos tornamos civilizados exatamente quando começamos a apertar as mãos de nossos oponentes para mostrar que estávamos desarmados, que não queríamos agredir e sim compartilhar a proximidade. Quando o aperto de mão é acompanhado pela inclinação da cabeça, mais respeitosa se torna a aproximação.

Claro que há povos e povos. Nós, brasileiros, somos em geral bastante afetuosos e irreverentes, às vezes até demais. Tem uma história do ex-ministro Paulo Brossard que é exemplar sobre o excesso de informalidade com as autoridades. Uma vez um jornalista aproximou-se do então ministro, colocou as mãos sobre os seus ombros e perguntou:

– Quais são as novidades ministro?

E Brossard, sem perder a fleuma, respondeu:

– Afora essa sua intimidade, nenhuma.

Temos até um certo orgulho da nossa irreverência. Quando um governante estrangeiro aparece por aqui, não sossegamos enquanto não o vemos cair no samba ou cobrar um pênalti de mentirinha. Rainhas, príncipes e até ditadores são, invariavelmente, submetidos ao ritual da descontração. Se Obama tivesse feito aquele gesto diante de Lula, certamente teria recebido em troca um salamaleque ainda mais espalhafatoso. E ninguém por aqui veria fantasmas. Aliás, o presidente americano até andou fazendo coisa parecida quando lançou um estranho olhar na direção de uma jovem brasileira. Na ocasião, pelo que me lembro, nenhum crítico achou que ele estava saindo da linha. Todo mundo achou graça. E assim é que tem que ser.
Deixem o homem ser humano.

*Colunista da ZH
FONTE: ZH online - 21/11/2009

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