Por Ricardo Kotscho, no Balaio do Kotscho
Agora tem gente besta escrevendo, sem saber do que fala, que Audálio pretende pegar uma carona no filme de Fábio Barreto, “Lula, o Filho do Brasil”, que, por mera coincidência, terá pré-lançamento no mesmo dia (neste sábado, 28), nos estúdios da Vera Cruz, em São Bernardo do Campo, com a presença do presidente e da sua família.
Nem Audálio, um dos mais mais respeitados e premiados jornalistas brasileiros da sua geração, precisa pegar carona em filme, nem o presidente Lula precisa de filme para se transformar em mito e ganhar votos. Escreve-se muita bobagem, mas deixa pra lá.
Valeu a pena esperar o livro de Audálio, como os leitores poderão conferir neste sábado, a partir das 11 horas, na Livraria da Vila (alameda Lorena, 1.731), local do lançamento de “O menino Lula” (Ediouro).
Além do jornalista escritor alagoano, estará lá também Jeronimo Soares, para autografar reproduções das suas xilogravuras que ilustram o livro. Começou na arte ainda menino, com 12 anos, ilustrando os livros do pai, José Soares.
Paraibano de Esperança, 65 anos, é um pouco mais jovem do que Audálio e um ano mais velho do que o presidente Lula. Sobre ele escreveu Jorge Amado:
“É um dos mais notáveis gravadores populares do Brasil. As suas gravuras refletem a identidade do artista com a vida sofrida e a imaginação invencível do povo”.
O mesmo se poderia dizer do meu cada vez mais velho e mais amigo Audálio Ferreira Dantas. Foi o que fiz quando ele me honrou com o convite para para escrever o prefácio do livro, que segue reproduzido abaixo:
O menino de Tanque D´Arca e o menino de Caetés
Os dois saíram meninos lá das profundas dos sertões nordestinos e percorreram trajetórias de vida improváveis, se a gente for olhar de onde partiram e aonde chegaram.
Audálio saiu de Pau d´Arco, nas Alagoas, e faz mais de meio século está na lista dos melhores jornalistas brasileiros, além de ser respeitado escritor.
Luiz Inácio, o Lula, pegou um pau-de-arara, deixou para trás Caetés, antigo distrito de Garanhuns, em Pernambuco, e está terminando seu segundo mandato de presidente da República com os maiores índices de popularidade da história republicana.
Dos encontros e conversas entre os dois no Palácio do Planalto nasceu este pequeno livro que fala da infância meio trágica, meio aventurosa, às vezes até engraçada do menino pobre de dar dó que virou presidente.
Por suas origens comuns, filhos da mesma terra seca, só mesmo o menino Audálio, que tem idade para ser seu pai, poderia contar, com sua alma nordestina e maestria de prosador sertanejo, a história do menino Lula.
Afinal, os dois cresceram na mesma paisagem, conviveram com os mesmos personagens, enfrentaram as mesmas dificuldades para chegar até onde chegaram. As condições de vida eram diferentes, mas o cenário em que viveram era mais ou menos o mesmo.
A comovente história de retirantes da família Silva, igual a tantas milhões de outras empurradas Brasil abaixo pela seca e pela ausência de perspectivas, em meados do século passado, encontra em Audálio Dantas não só um narrador correto, mas um cabra que sabe do que está escrevendo.
Tanto a abertura como o final do texto deste livro são verdadeiras obras primas de beleza, estilo e síntese _ sem muitos adjetivos, sem pieguice, deixando a história correr.
Para quem não conhece o Brasil e seu presidente, “O Menino Lula” pode parecer ficção, mais um romance fantástico de Gabriel Garcia Marquez. Mas posso garantir a vocês que é tudo verdade. Mil vezes já ouvi Lula contar as mesmas histórias, sempre do mesmo jeito. E Audálio foi absolutamente fiel a elas.
Ao ler algumas cenas deste livro era como se me lembrasse do Lula contando.
Do espanto da jumenta que o agarrou com os dentes e não o queria soltar.
Da doença dos olhos que o irritava e só conseguiu curar recentemente, já em Brasília.
Do mulungu que continuava em pé quando fui a primeira vez com ele a Caetés, em 1989.
Do susto na irmã Maria e a volta repentina ao sertão do pai que havia sumido.
Da carta do irmão Jaime para a mãe e a partida da família toda para São Paulo.
De Lula e Ziza, o Frei Chico, se aliviando no mato, durante uma parada do caminhão, e quase perdendo o pau-de-arara.
Do pai lendo o jornal de cabeça para baixo na balsa do Guarujá e do sorvete que ele lhe recusou.
Do primeiro carinho do pai quando Lula se machucou com um facão.
Do sonho de ser motorista do caminhão amarelo.
Da surra de mangueira do pai no irmão e da mãe decidindo o destino dos filhos com a mudança para São Paulo.
Da alegria de vestir o primeiro paletó.
Este livro é uma prova de que, querendo, tudo é possível. Até mesmo mudar o nosso próprio destino.
Ricardo Kotscho
Outubro de 2009
FONTE: Vermelho, 29/11/2009
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