domingo, 29 de novembro de 2009

O umbigo de cada um

Marcos Coimbra*



O terceiro pilar do “projeto nacional”, a aliança formal com o PMDB, é o de maior custo e de benefícios mais discutíveis. Embora seja algo de que Lula não dá mostras de querer abrir mão, ela desperta reações desfavoráveis por todo lado

Com uma de suas frases de efeito costumeiras, o presidente Lula assegurou que estava conformado com a impossibilidade de eliminar os rachas do PT em muitos estados, explicitados no processo de renovação dos diretórios, que aconteceu domingo passado. Ao admitir que existem e que nada indica que terminarão em breve, disse que, nessas votações, as questões estaduais prevaleceram sobre o “projeto nacional”, pois “cada um olha para o seu umbigo”.

O inverso do umbigo, o “projeto nacional”, é simples: eleger Dilma. Na verdade, porém, implica mais duas coisas. Significa aceitar que a candidatura da ministra não precisa de agenda nova, pois tudo que ela teria a propor existe e está sendo feito. Dela, só se espera que toque o barco, sem qualquer correção de rumo ou de rota.

Mais ainda. Quer dizer acatar o argumento de que o caminho para alcançar esse objetivo já está identificado: por meio de uma aliança formal com o PMDB.

Para o presidente, portanto, olham além de seus umbigos apenas aqueles que, dentro do PT ou da coligação governista, concordam integralmente com ele. Quem não questiona nenhuma das decisões que tomou até agora: a escolha da candidata, o conteúdo da candidatura (o famoso plebiscito entre ele e FHC), o núcleo da aliança partidária que lhe dará sustentação.

Nessa dicotomia entre o “projeto nacional” e o “seu umbigo”, o PT vive um dilema que faz pensar em sua história e que é crucial para seu futuro. Ela já esteve presente em outras disjuntivas pelas quais o partido passou ao longo do caminho que o levou ao poder, quando aceitou coisas que considerava inaceitáveis ou quando repudiou outras que faziam parte intrínseca de sua identidade.

Para o PT, o problema desse “projeto nacional”, que virou obsessão para Lula e alguns de seus companheiros, é que ninguém garante que ele é a melhor opção possível. Não que a escolha de Dilma seja, em si, questionável, pois, afinal, todos reconhecem que não havia outros nomes com melhores condições eleitorais. Quanto a seus demais elementos, no entanto, o mesmo não se pode dizer.

O continuísmo exacerbado que, ao que parece, vai marcar o conteúdo programático da candidatura da ministra não é respaldado, por exemplo, pelas pesquisas de opinião. Conforme recente pesquisa nacional da Vox Populi, o desejo de que todas as políticas continuem como são é de apenas 21% do eleitorado. Outros 51% gostariam que a maioria permanecesse, mas com algumas mudanças. Faltam os 28% que preferem mudanças totais ou da maior parte do que faz o governo.

Em eleições presidenciais, as pessoas esperam que novas propostas sejam apresentadas, pois não faz sentido que uma candidatura (mesmo de alguém que disputa a reeleição) suponha que tudo está perfeito. Há, ainda, um componente emocional nesses momentos, que faz com que elas queiram ser convidadas a sonhar com o futuro. Ninguém gosta de se sentir iludido com fantasias despropositadas, mas tampouco de ser confrontado com a noção de que é impossível melhorar.

O terceiro pilar do “projeto nacional”, a aliança formal com o PMDB, é o de maior custo e de benefícios mais discutíveis. Embora seja algo de que Lula não dá mostras de querer abrir mão, ela desperta reações desfavoráveis por todo lado, contrariando as bases e a militância do PT Brasil afora.

Na contabilidade mais recente, os problemas vão de insolúveis a graves em, pelo menos, 11 estados: São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Pernambuco, Ceará, Pará, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Ou seja, em todos os principais colégios eleitorais, sem exceção. Neles, vive 78% do eleitorado brasileiro. E isso para não falar de outros, como o Acre, Alagoas e Rondônia, onde o PT nasceu e cresceu na oposição ao PMDB.

É possível que Lula esteja certo quando diz que essa turma toda só pensa no umbigo. Mas quando sua tese incomoda tanta gente, pode também ser que o errado seja ele. Um “projeto nacional” que constrange seu partido no país inteiro pode ser chamado de tudo, menos de nacional.

*Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

FONTE: Correio Braziliense, 29/11/2009

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