sábado, 21 de novembro de 2009

Lula, o filme

Lucília Garcez*


Todas as vidas são interessantes. Em cada história pessoal há desejos, conquistas, coincidências, oportunidades, mudanças, transformações, sucessos, fracassos, ganhos, perdas, acidentes, conflitos, encontros e desencontros. Entretanto, algumas vidas são emblemáticas, são prototípicas, pois concentram características comuns a uma grande parcela da população ou representam um fenômeno identificável numa determinada realidade.

É o caso da vida de Lula, nosso presidente. Sua vida pessoal é a demonstração de que o Brasil é um país que permite grande mobilidade social. Tanto é assim que 79% dos chefes de família estão numa situação melhor que a de seus pais. Nascido de pais lavradores, extremamente pobres, no interior de Pernambuco, pelas estatísticas ele teria apenas 1,8% de possibilidade de ascender à elite. Considerando-se ainda o fato de que cada ano de trabalho precoce diminui em 10% as chances de progredir, a história de Lula é um exemplo de superação. É isso que o filme Lula, o filho do Brasil, de Bruno Barreto, quer mostrar.

É a história de uma família e, principalmente. de uma mãe-coragem arquetípica — dona Lindu — (magnificamente representada por Glória Pires) que tem como lema: “Nenhum de meus filhos vai ser ladrão e nenhuma de minhas filhas vai ser prostituta”. Migrantes nordestinos, que vêm para São Paulo de pau de arara, num trajeto percorrido por outros 35 milhões de brasileiros, enfrentam adversidades, enchentes, pobreza para conquistar condições mínimas de sobrevivência. Reflexos de um povo corajoso, lutador, teimoso e solidário. O filme reconstrói essa caminhada, desde o interior de Pernambuco até Santos e depois São Paulo.

Lula é representado por cinco atores: um bebê, duas crianças, um adolescente e um adulto, com preciosa e convincente semelhança física. O adulto é magistralmente encarnado pelo ator mineiro desconhecido das telas globais Rui Ricardo Diaz. Por meio de sua atuação, compreendemos a base que veio a constituir essa personalidade admirável que se transformou num dos líderes mais populares que o país já teve.

As dificuldades da vida profissional no início da carreira de torneiro mecânico, a aflição do desemprego, a mutilação física por acidente de trabalho, a descoberta do amor, o profundo sofrimento pela perda da mulher e do primeiro filho, a atração para a luta sindical exercida pelo irmão Ziza — o Frei Chico —, o renascimento da vida amorosa, o surgimento da liderança, tudo é reconstituído, sempre acompanhado de perto pela relação afetuosa com a mãe. São momentos que emocionam e em alguns casos, em espectadores mais sensíveis, provocam lágrimas.

Há o que Aristóteles definiu como uma profunda adesão ao protagonista, que é colocado à prova com mais intensidade e sofre mais do que merece. Todos os brasileiros se identificam com esse homem disciplinado e trabalhador e com essa mãe cuidadosa e orientadora. No leito de morte, dona Lindu ainda recomenda ao filho: “Só faça o que der para fazer. Se você sabe o que fazer, vai lá e faça.” E assim, seguindo os ensinamentos da mãe, Lula se transforma em um líder sindical de primeira grandeza.

Um dos momentos mais emocionantes do filme reconstitui uma assembleia realizada em março de 1980 no estádio Vila Euclides, quando, sem serviço de som suficiente, Lula pede aos 80 mil metalúrgicos ali reunidos que repitam suas palavras para os que estão mais atrás. E seu discurso ecoa pela multidão, reverberando ao infinito. Nesse simples gesto de improvisação já se revela seu talento espontâneo e sua inteligência de comunicador e de político.

O filme focaliza apenas o período que vai até 1980, quando dona Lindu morre e Lula é liberado da prisão para comparecer ao enterro. Não há referências à fundação do PT e apenas a citação de que teimou em se candidatar várias vezes até ser eleito presidente da República. Não é um filme político. É uma história humana, uma cinebiografia em forma de narrativa canônica, ou seja, organizada em ordem cronológica tradicional, que toca em sentimentos e emoções comuns a todos que conhecem a realidade deste país ainda tão desigual, em que a justiça social ainda é um sonho.

*Escritora, ex-professora do Instituto de Letras da UnB
FONTE: Correio Braziliense online - 21/11/2009

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