sábado, 21 de novembro de 2009

A lição do goleiro

MOACYR SCLIARA*


Na semana que passou uma sombria notícia abalou o panorama esportivo mundial: a morte, por suicídio, de Robert Enke, goleiro da seleção nacional da Alemanha. Depois de escrever uma nota sobre sua morte, ele deitou-se nos trilhos da ferrovia e foi esmagado por um trem que se aproximava a 160 km/h.

Robert Enke tinha 32 anos e há muito tempo sofria de severa depressão. Mas era algo que guardava em segredo, por receio de prejudicar sua carreira esportiva. O clube ao qual Robert pertencia, o Hannover, fez questão de dizer que jamais havia pressionado o goleiro no sentido de ocultar a depressão; simplesmente não sabiam o que se passava. Algo semelhante disse o terapeuta de Robert, Valentin Markser, que o tratava há seis anos: “Eu não sabia que o risco era tão grande”.
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A viúva do jogador, Teresa, deu um pungente depoimento sobre a morte de Robert. Seu objetivo: chamar a atenção para o problema da depressão. No que está inteiramente correta. É incrível que esta doença, a mais frequente das enfermidades mentais (acomete, segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 12% das pessoas), ainda seja tabu. Mas o segredo é explicável. Sociedades competitivas, como aquelas que atualmente predominam em nosso mundo, não querem saber dos deprimidos. São pessoas tristes, que têm dificuldade em fazer as coisas – perdedores, em outras palavras.

A reação diante de um depressivo é frequentemente de irritação: te anima, cara, sai dessa. Como se uma situação caracterizada por distúrbios da química cerebral dependesse de vontade própria. Em contraste, o maníaco (lembrando que mania e depressão se alternam na doença bipolar) é, ao menos na fase inicial da doença, um cara simpático, energético, sempre às voltas com projetos, mesmo que malucos. Este ganha das pessoas o benefício da dúvida: pode ser que ele seja doente, mas pode ser que esteja às vésperas de lançar um grande negócio. Pode ser que seja um vencedor.
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O caso de Robert encerra uma importante lição. Quem sofre de depressão deve pedir ajuda, como pede ajuda quem está com cólica renal, ou com o braço quebrado, ou com uma hemorragia. Mesmo porque hoje existem medicamentos poderosos para controlar os sintomas da depressão. E, muito importante, existe a psicoterapia, que nos faz entender o que se passa e divisar possibilidades para sair do quadro. É tarde para salvar Robert Enke, mas não é tarde para salvar milhões de pessoas que sofrem de problema semelhante. A depressão não é um fracasso. A depressão faz parte da condição humana, e como tal deve ser encarada.

*Escritor. Médico. Colunista da ZH e outros veículos de comunicação.
FONTE: ZH online - 21/11/2009

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