O economista Eduardo Giannetti não entra na onda de euforia em relação à economia brasileira. Professor do Insper, ele reconhece que o Brasil vive um momento positivo, mas teme a repetição dos erros que marcaram boa parte da história econômica nos últimos 50 anos. "É a história de um país com a vocação do crescimento, mas sem a vocação da poupança, que tenta desesperadamente contornar essa restrição por meio de algum tipo de esperteza, que logo se mostra limitada." Para ele, começa a se criar uma situação parecida com as observadas nos governos de Juscelino Kubitschek (1956-61) e Ernesto Geisel (1974-79).
O atalho de Juscelino foi a inflação, enquanto Geisel usou a abundância de capital externo - os petrodólares - para fazer o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), colocando o pé no acelerador num momento em que o mundo inteiro se ajustava ao choque do petróleo, lembra Giannetti. Desses dois períodos, resultaram problemas graves, que prejudicaram posteriormente a economia do país.
A dúvida de Giannetti é se o Brasil terá maturidade desta vez para transformar o momento favorável "num crescimento equilibrado". O risco, alerta ele, é viver uma espécie de surto, que se interrompe rapidamente por conta de eventuais desequilíbrios - ou monetário ou nas contas externas. Um país que poupa pouco tem dificuldade em financiar o investimento, destaca Giannetti. "O capital externo, bem aproveitado, pode ajudar esse processo, mas ele é coadjuvante. E isso tem que ser feito com muito critério, se não gera problemas de insolvência externa."
O economista diz ainda que o ajuste brasileiro à crise, com incentivo ao consumo privado e aumento dos gastos públicos, deu alívio no curto prazo, mas implica sacrifício e perdas de crescimento potencial num segundo momento. "Todo esse aumento do consumo privado e do gasto corrente do governo significa uma queda importante da poupança doméstica e da capacidade de investimento no futuro próximo", afirma ele, que destaca outra grande fragilidade brasileira: o pouco esforço na formação de capital humano, evidente no fraquíssimo desempenho de estudantes brasileiros em testes internacionais de aprendizado.
Giannetti voltou há algumas semanas de Tiradentes, em Minas Gerais, onde passou quatro temporadas neste ano para escrever o seu novo livro, que trata da "relação entre o cérebro e a mente, tangenciando em alguma coisa a neuroeconomia". Se tudo correr conforme o planejado, sairá no primeiro semestre de 2010. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: O Brasil saiu rapidamente da crise, com o mercado de trabalho passando relativamente intacto. Por que o Brasil sofreu pouco?
Eduardo Giannetti: Em parte por razões circunstanciais e em parte por razões de mérito. Uma razão pela qual o Brasil foi pouco afetado é que não é muito integrado ao fluxo global de comércio, ao contrário do Chile ou mesmo do México. O México exporta 80% do que vende para o mundo para um único mercado, que é o americano. Eles vão ter neste ano uma recessão cavalar de 7%. A robustez do mercado doméstico protegeu muito o Brasil. Nós estávamos com as contas externas em ordem, com reservas que superam nossos compromissos externos de dívida pública e privada. Nós tivemos também uma política monetária que pode ter pecado pelo exagero em alguns momentos, mas nunca errou o sinal na direção do movimento. Isso nos permitiu reduzir os juros durante uma crise internacional, coisa que não se via no Brasil há tanto tempo. Houve também uma reação de política econômica que no curto prazo trouxe grande alívio, mas deixará sequelas e problemas olhando um pouco mais à frente.
Valor: Por quê?
Giannetti: O modelo brasileiro de ajuste à mudança do cenário externo foi o estímulo ao consumo privado e um aumento do gasto público, do gasto corrente. O gasto corrente do governo já havia sido contratado antes da crise, como o aumento das aposentadorias, do salário mínimo, o reajuste do funcionalismo. Por uma coincidência, isso se materializou durante a crise. Houve um estímulo ao consumo privado por meio da redução dos impostos que incidem sobre bens de consumo duráveis, além de uma pressão política do governo para que o sistema bancário estatal aumentasse a oferta de crédito, num momento em que o setor privado se retraía. O caminho de ajuste do Brasil não foi o melhor do ponto de vista de criar condições para um crescimento sustentado mais à frente, tanto que todo esse aumento do consumo privado e do gasto corrente do governo significa uma queda importante da poupança doméstica e da capacidade de investimento no futuro próximo. Esse é o ponto que me preocupa. Nós fizemos um ajuste que dá grande alívio e conforto no curto prazo, mas implica sacrifício e perdas de crescimento potencial num segundo momento.
Valor: Quais as implicações de uma poupança doméstica baixa?
Giannetti: O Brasil já é tradicionalmente um país de nível de poupança baixa, um quadro que se agravou depois de 1988, com a nova Constituição. Na reação à crise, se aprofundou esse movimento da compressão da poupança para alimentar o consumo. Nós estamos com um nível de poupança doméstica de 14% do PIB. Com esse nível, a nossa capacidade de investir e formar capital fica muito prejudicada. Houve uma queda forte do investimento neste ano. Ele está começando a se recuperar, mas vindo de um patamar muito baixo. Nós vamos investir neste ano 16% a 17% do PIB, é um número muito baixo. Se tudo correr muito bem, esse número volta, com o reforço da poupança externa, para algo como 19% a 20% do PIB. Isso nos coloca numa condição crônica de crescimento medíocre, no intervalo de 4% a 5% ao ano.
A reportagem completa é de SERGIO LAMUCCI de São Paulo para o Valor Econômico, 18/11/2009
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