segunda-feira, 16 de novembro de 2009

A absolvição do videogame


Departamento de Saúde do Reino Unido reconhece oficialmente
 papel do console Wii como incetivador de
 “práticas esportivas e saudáveis”.
Em Liverpool, universidade atesta bons efeitos
 na condição cardíaca e
 na queima de calorias

Acusado de promover violência, sedentarismo e alienação entre crianças e jovens, o videogame foi finalmente absolvido pela ciência. Graças ao Wii, console sem fios da Nintendo, que permite detectar movimentos em três dimensões, médicos e pesquisadores passaram a considerar o equipamento um grande aliado da boa forma. Recentemente, o Reino Unido deu o selo NHS Change4Life à plataforma de exercícios, reconhecendo, pelo Departamento de Saúde, que o Wii incentiva a prática de atividades esportivas e hábitos saudáveis. Agora, escolas britânicas pretendem incluir o game na grade de educação física, para alunos que, habitualmente, se sentem excluídos dos jogos tradicionais.


O grande atrativo do Wii é o controle remoto sem fio, conectado ao console por bluetooth. Os movimentos do jogador são captados e transmitidos por um sensor, fazendo com que a pessoa participe do game com seu próprio corpo, em vez de ficar apenas apertando botões. De olho nos potenciais esportistas virtuais, a gigante japonesa lançou o Wii Fit, com uma plataforma que permite se exercitar de diversas formas — vai da ioga ao boxe —, ao mesmo tempo em que se brinca.

Um grupo de pesquisadores da Liverpool John Moores University, no Reino Unido, resolveu testar o efeito do game nas crianças. Descobriram que a quantidade de calorias gastas por aqueles que adotaram o Wii é bem maior, se comparada a de meninos e meninas que jogam nas versões tradicionais ou preferem passar horas na frente da televisão. De acordo com o professor Tim Cable, principal autor do estudo, o uso regular do Wii ajuda a perder cerca de 13kg por ano. “Ficou claro que o sensor que capta os movimentos pode ter impacto na saúde cardíaca das crianças, no seu gasto de energia e na quantidade de calorias queimadas”, disse ao Correio.


No estudo, ele analisou o impacto da brincadeira entre crianças de 13 a 15 anos. Quinze minutos de jogo no console tradicional fizeram com que a taxa de energia gasta pelos meninos subisse 60% em relação ao estado de sedentarismo. Já com os que usaram o Wii, o índice foi de 156%. No mesmo período de tempo, o primeiro grupo registrou, em média, 85 batimentos cardíacos por minuto. Os adeptos do Wii registraram 130. Considerando que as crianças britânicas ficam, em média, 12,2 horas jogando videogame, Cable calculou que o potencial de gasto calórico é de 1.830 kcal por semana — 40% a mais que os consoles tradicionais.

Cable acredita que videogames com tecnologia semelhante ao Wii podem motivar crianças menos ativas a se movimentarem mais. Porém, ele lembra que isso não basta. “Os pais devem encorajar seus filhos a fazerem outros exercícios e atividades ao ar livre para que as crianças levem uma vida bem balanceada”, diz.

A mesma opinião tem o professor de musculação e personal trainer da Companhia Atlhetica de Brasília Victor Reys. Há um ano, por insistência da namorada, ele comprou o Wii e aprovou. “Você participa, interage, põe o corpo em movimento”, diz o professor, que gosta de jogar vôlei e futebol com os amigos na tela da televisão. “Mas nunca vai substituir uma atividade física. Ele tira o conceito de sedentarismo do videogame, mas sempre é necessário ter um acompanhamento, alguém que te oriente e corrija seus erros. Se você fizer algo de errado, pode ter uma lesão”, lembra.

Colega de Victor, a professora Kamila Cabral experimentou o aparelho pela primeira vez na última sexta-feira e ficou empolgada. “Achei muito legal, convidativo e divertidíssimo”, avaliou. “É bom para crianças obesas, pelo fato de você não ficar sentado, de ter de se movimentar”, diz.

O gerente de tecnologia da informação Marcelo Almeida Gonçalves, 28 anos, faz natação e, mesmo depois de comprar o Wii e o Wii Fit, diz que não troca a atividade aquática pelo equipamento. Porém, reconhece que o esforço físico exigido pelo videogame é grande: “Você sua mesmo”, conta. O que ele mais gosta é de jogar boliche com a mãe, de 56 anos. “Nunca imaginei ver minha mãe jogando videogame. Agora ela até me chama”, diverte-se.

Febre britânica

Na Grã-Bretanha, a febre doWii chegou às aulas de educação física. Nesta semana, uma escola em Kent anunciou que vai adotar o videogame para alunos que não se adaptam aos jogos tradicionais. Apesar de receber uma enxurrada de críticas de especialistas e pais, o professor Aaron Brown, autor da ideia, explicou que, entre os 950 alunos da escola — todos do sexo masculino —, muitos não se sentem confortáveis em participar das atividades tradicionais, seja por causa do alto peso ou devido ao baixo desempenho nos esportes.

“Além disso, temos alguns estudantes que não podem fazer educação física por causa de deficiências físicas. Tem sido muito bom vê-los se exercitar novamente”, declarou ao jornal Daily Mail. A brincadeira, porém, não vai durar para sempre. A ideia da escola é que os alunos resistentes às aulas habituais façam uma espécie de treinamento no Wii durante seis meses, até que se adaptem à prática de esportes e passem a integrar os jogos tradicionais, disputados com outros colegas.

Já o ortopedista Fabio Ravaglia, membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, é um entusiasta do equipamento. “Principalmente as pessoas da terceira idade que não costumam se exercitar podem melhorar o equilíbrio e recompor a musculatura com o Wii”, diz. Apesar de considerar a atividade uma coadjuvante para jovens que, segundo ele, devem fazer exercícios ao ar livre, Ravaglia afirma que, levado a sério, o jogo é um aliado do organismo.

Há um ano, o médico comprou o console e gosta de correr, fazer ioga e boxe usando a tecnologia. “Mas tem de fazer a atividade habitualmente”, diz. Ele lembra que, antes de começar, é preciso procurar um médico para avaliar possíveis lesões musculares e problemas cardíacos que impeçam a prática de exercícios.

Ficou claro que o sensor que capta os movimentos pode ter impacto na saúde cardíaca das crianças, no seu gasto de energia e na quantidade de calorias queimadas”

“Tenho o Wii há um ano e acho muito interessante. É bom principalmente para as pessoas da terceira idade, que não costumam se exercitar, e podem melhorar o equilíbrio e recompor a musculatura com o Wii. Você pode fazer ioga, boxe e boliche, por exemplo, e o aparelho registra seus dados, como peso e altura. Além disso, há um personal trainer virtual, que corrige a postura de quem não está fazendo certo. Mas nada substitui os esportes ao ar livre, de preferência com uma pessoa para orientar. O Wii é um coadjuvante.”
Fabio Ravaglia, ortopedista do Hospital Albert Einstein

Experimento psicológico
Usado como uma ferramenta para incentivar a prática de atividades físicas entre crianças sedentárias e pessoas da terceira idade, o Wii acaba de ganhar mais uma função: a de experimentação psicológica. Uma pesquisa da University of Memphis, nos Estados Unidos, publicada no jornal especializado PLoS ONE mostrou que é possível obter boas dicas sobre o comportamento de um indivíduo — enquanto ele aprende algo — por meio de seus movimentos.

O interesse dos autores da pesquisa era investigar como as características dinâmicas mudam, à medida que a pessoa incrementa seu aprendizado. A partir do Wii, eles conseguiram mostrar que os movimentos do corpo se transformam sistematicamente, acompanhando a mudança de um processo mental — no caso da pesquisa, a aprendizagem. Os resultados proporcionam uma nova evidência de que os sistemas de cognição e ação, ainda considerados separados dentro da mente humana, estão, na verdade, extremamente ligados.

“O Wii é, de fato, a interface perfeita para esse tipo de experimento”, disse o principal autor, o psicólogo Rick Dale, ao Correio. “Como o game foi desenhado para integrar o corpo da pessoa à experiência do jogo, nós apenas tivemos que agregar o equipamento a um laboratório de computação e observar os resultados.”

Dale e sua equipe registraram continuamente a posição e o ritmo de movimento dos participantes quando, em dupla, eles aprendiam algo novo sobre o jogo. À medida que acontecia o processo cognitivo, seus corpos refletiam o ganho de confiança. Quanto mais aprendiam, mais rapidamente se movimentavam e também pressionavam com mais firmeza o controle remoto sem fio usado no videogame. “Nosso estudo mostra que seu corpo e sua mente são, na verdade, apenas um único sistema, que muda naturalmente nos nossos aprendizados diários e em outras experiências cognitivas”, explica.

Os resultados, de acordo com Dale, sugerem que, já que o corpo acompanha de forma mais complexa do que se imaginava as experiências de aprendizagem na escola e no trabalho, a avaliação dos movimentos reflete ricamente o processo cognitivo subliminar. Para ele, o Wii vai ajudar psicólogos a ampliar as pesquisas que relacionam aprendizagem e ação, pois, para criar um ambiente tridimensional que simule movimentos, são necessários milhares de dólares, enquanto o console pode ser comprado, nos Estados Unidos, por cerca de US$ 300. (PO)

Reportagem de PALOMA OLIVETO. Correio Braziliense online, 15/11/2009

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