domingo, 15 de novembro de 2009

Jovens vivem crise dos 25

Eles estão inseguros
em relação ao futuro e
insatisfeitos com o presente.
Termo surgiu nos EUA no início do século.


No filme "Encontro e Desencontros",
personagens de Scarlett Johansson sofre
com as dúvidas sobre o seu futuro


Até pouco tempo atrás, Daniel e Lívia estavam perdidos, inseguros e confusos. Jovens, de boas famílias, bem educados e conscientes do quanto o mundo pode oferecer a eles, não conseguiam se decidir sobre qual caminho seguir. Falta de maturidade? Talvez. Os dois, como milhões de outros jovens nascidos entre o final da década de 1970 e final da de 1980, sofreram da crise dos 25.

A crise dos 40 se dá quando a pessoa, já madura, questiona o rumo dado à vida e se lamenta de não ter conseguido realizar os sonhos de juventude. Já a dos 25 antecipa essas angústias quando o jovem, vendo um mundo de opções atraentes, hesita em fazer a melhor escolha. Afinal, o que é melhor: comprar um carro ou viajar para o exterior? Casar, namorar ou curtir a vida de solteiro? Fazer especialização, um MBA no exterior, ou se dedicar ao emprego e juntar o máximo de dinheiro possível? Ou, melhor mesmo, seria prolongar a adolescência e ficar pulando de curso em curso na universidade?

O termo Quarterlife Crisis, ou crise de um quarto de século ( tradução livre), criado no começo do século 21 nos Estados Unidos, foi popularizado no livro A Crise dos 25, de Alexandra Robbins e Abby Wilner.

A situação também aparece em filmes como Encontros e Desencontros, e na música Why Georgia, de John Meyer. Todos tentam traduzir essa transição para a vida adulta.

Há pouco mais de 30 anos, essa transição era mais fácil, diz a psicóloga Denise Pará Diniz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A geração dos pais da garotada de hoje tinha menos escolhas. A trajetória era mais definida: conseguir um emprego que desse estabilidade necessária para o casamento e os filhos. “A pessoa ia meio que no automático”, diz Denise.

Hoje, as opções são completamente diferentes. “Os jovens adultos do século 21 cresceram em um ambiente infinitamente mais complexo e tornaram-se bem mais exigentes”, argumentam os autores no livro.

Nesse meio, o casamento não é visto como algo vitalício. Ter filhos vem depois da estabilização na carreira e da realização de sonhos como conhecer o mundo e curtir a vida. E a carreira não é apenas a forma de obter dinheiro - mas satisfação pessoal.

A psicóloga Lulli Milman, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), especialista no atendimento a jovens, diz que o indivíduo também enfrenta a pressão por uma vida perfeita. “No mundo contemporâneo, é preciso ter tudo. Tudo deve ser maravilhoso, senão a pessoa é vista e se vê como uma fracassada.”

De quem é a culpa? Os pais teriam falhado ao oferecer de tudo aos filhos e sem exigir algo em troca? Pagar MBA ou as férias, em si, não é ruim. “Batalhamos para dar aos nossos filhos coisas que os nossos pais não deram”, diz Denise, mãe de um rapaz de 25 anos. “Mas os nossos pais fizeram algo que muitos pais não fazem hoje: conversar com os filhos sobre a realidade.” Ao contrário, apelam à super proteção, o que posterga problemas que um dia virão.

SEM PERSPECTIVA
Como resultado, os jovens estariam relutando em assumir responsabilidades . “É comum jovens que vêm à clínica dizendo que não têm ideia de como se imaginam em alguns anos”, conta Lulli. “Eu forço eles a dizer algo como ‘ser garçom em Londres’, ‘subir o monte Everest’, mas eles não conseguem falar.” Aí, vem a sentença fatal: “Muita gente hoje não tem perspectiva de futuro”.

Se alguns falham na hora de imaginar os sonhos, outros temem em assumir escolhas: ou ficam estagnados ou estão sempre mudando. “Essa fase dos 25 anos é uma época de escolhas, mas não se pode patinar nas decisões”, afirma Denise. O problema é que a tomada de decisões implica algumas perdas. “Sempre que se escolhe alguma coisa, se perde outras. A vida é assim porque não dá para ter tudo junto.”

Resgatado pelo social

Dinheiro nunca foi importante para o americano Daniel Brett, que completa 25 anos no mês que vem. Aos 23, formado em Economia, ganhava US$ 30 por hora em um escritório de São Francisco. Morando com os pais, seguia rumo ao american dream - ganhar o primeiro milhão de dólares até os 30 anos. Ficar preso em uma sala não era, porém, vida para ele. “Não via propósito nisso”, relembra. “Comecei a questionar o que eu queria, mas estava completamente perdido.” Ao ler o livro Na Natureza Selvagem, que narra a história de Chris McCandless, o jovem que, em 1990, doou a poupança de US$ 24 mil e se tornou andarilho nos EUA até morrer no Alasca dois anos depois (a história ganhou versão cinematográfica), pensou em seguir a vida errante. Preferiu fazer serviço social na Índia, onde dava aulas para crianças carentes. Voltou para casa após dois meses.
Pensou em conhecer a América do Sul. Comprou passagem de ida para a Colômbia e seguiu para a Argentina. “Pensei que eu poderia dar aulas de inglês.” Mas, até chegar a Buenos Aires, ainda não tinha certeza do que queria. Leu o livro O Banqueiro dos Pobres, em que o indiano Muhammad Yunus conta sobre a fundação de um banco que empresta dinheiro (sem garantias) aos pobres. Hoje, Brett pesquisa o impacto ambiental da pesca de salmão no Chile. Em 2010, quer morar no Brasil para trabalhar com pessoas carentes. “Hoje, me sinto mais seguro.”

Qual sonho eu devo escolher?
A designer de moda Lívia Fonseca de Freitas, 27, é extrovertida, descolada e decidida: em janeiro, deixou São Paulo para estudar em Milão. “Sempre senti que o Brasil não era o meu lugar.” Ela também não hesitou em abandonar o emprego - trabalhava para o estilista Rogério Figueiredo, que faz vestidos de festa para socialites e celebridades. “Era bacana, gostava muito de lá, mas não ganhava (salário) de acordo com as minhas qualificações.” A autoconfiança dela para por aí. Lívia tem vários pontos de interrogações na cabeça. Um deles é sobre o grande dilema de muitas mulheres: até que ponto vale a pena investir na carreira e deixar de lado casamento e filhos? “Deixei o Brasil porque, se não mudasse, continuaria na mesma vida até casar e ter filhos”, diz. “Mas também quero ter uma família. Aí fica um peso. Será que não dá para ter os dois?” Outro receio é na vida profissional. Apesar de estar cursando Master em Fashion Designer na capital mundial da moda, está desempregada, o que aumenta a insegurança. “Estou estudando, realizando um sonho, mas e aí? O que vem depois? Fico com medo... Vou ser bem-sucedida?” Assim como Lívia, nem ninguém tem essa resposta. Ela fala sobre os planos e, em seguida, hesita de novo: “Será que eu estou fazendo as escolhas certas?”

TODO JOVEM DEVE SABER

Os conselhos das psicólogas Denise Pará Diniz e Lulli Milman para os jovens:

1) A vida se constrói por etapas. Ninguém consegue ter tudo o que quer de uma vez

2) Sonhar é bom. Arriscar, idem. Mas insistir em metas irrealizáveis é um erro

3) Sempre é possível recomeçar

4) Experiências existem para serem vividas. Se boas, ótimo. Se ruins, aprenda com elas

5) Escutar pais, amigos ou modelos é bom e saudável. Mas quem faz escolhas é você

6) Na vida, existem direitos... e deveres

Reportagem de Humberto Maia Junior, Jornal da Tarde online, 11/10/2009

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