*Ladislau Dowbor
Com a passagem do milênio, a humanidade tornou-se dominantemente urbana. Isso implica outra racionalidade nos processos decisórios e nas instituições que nos regem, pois hoje cada região ou localidade tem núcleo urbano que pode administrar o seu desenvolvimento, e esse núcleo torna-se por sua vez um articulador natural do seu entorno rural. O desenvolvimento local permite a apropriação efetiva do desenvolvimento pelas comunidades, e a mobilização dessas capacidades é vital para um desenvolvimento participativo.
Tal discussão, que vem acontecendo há oito anos no âmbito da Expo Brasil Desenvolvimento Local, evento que, em 2009, acontece em São Paulo, se insere em um debate hoje planetário. Inúmeras experiências no mundo têm mostrado que o interesse individual das pessoas pelo progresso funciona efetivamente quando ancorado no collective self-interest de desenvolvimento integrado do território. Com sistemas simples de seguimento de qualidade de vida local, e a vinculação do acesso aos recursos à estruturação de entidades locais de promoção do desenvolvimento, gera-se a base organizacional de um desenvolvimento mais equilibrado. Já se foi o tempo em que se acreditava em projetos paraquedas: o desenvolvimento funciona quando é participativo.
No plano internacional, globalizamos a economia, mas não geramos os instrumentos correspondentes de gestão global. O resultado é um vale-tudo internacional que esgota recursos naturais, destrói o clima, gera instabilidade de preços de produtos agrícolas, exclui quase dois terços da humanidade da contribuição produtiva, tanto para as suas famílias quanto para a sociedade em geral. O desenvolvimento local não vai resolver todos esses problemas, mas sem uma apropriação muito mais competente, por parte de cada comunidade, dos seus direitos econômicos e sociais, o conjunto do sistema se desequilibra, ao servir megaestruturas descontroladas.
As finanças globais simplesmente não têm como saber qual a produtividade final dos recursos aplicados porque estão muitos andares acima da chamada pirâmide de decisão. A racionalidade da alocação dos recursos exige em última instância avaliação eficiente do uso final dos recursos, coisa bastante mais trabalhosa do que emitir derivativos e semelhantes. O agente de crédito no nível local, que conhece o bairro e a sua comunidade, as necessidades e os potenciais da região, torna-se de certa maneira um credenciador da solidez do uso final dos recursos. É trabalhoso, exige conhecer a realidade e as pessoas, fazer o seguimento, mas é a única maneira de transformar as poupanças de uns em aumento de produtividade de todos, a chamada produtividade sistêmica do território. Não basta ter bancos sólidos: os bancos devem servir à construção de uma economia sólida.
É ampla a experiência nessa área, desde o Grameen Bank, em Bangladesh, até as ONGs de intermediação financeira da França, a constituição de bancos comunitários de desenvolvimento e de Oscips de crédito em numerosos municípios no Brasil, as caixas de poupança locais na Alemanha e outros países. A exigência da aplicação local da poupança da população, com regras mais amplas de compensação entre regiões ricas e pobres por meio da rede pública, deverá permitir o financiamento tanto da micro e pequena empresas quanto de organizações da sociedade civil empenhadas em projetos sociais e ambientais, racionalizando ainda os investimentos públicos em saneamento, manutenção urbana e semelhantes.
O desenvolvimento local tem aqui uma grande oportunidade. Os diversos tipos de processos da distribuição de renda e de incorporação social promovidos pelo governo fazem com que haja efetivamente recursos no andar de baixo da economia. Melhorar a capacidade local de geri-los, buscando um processo mais equilibrado de desenvolvimento, tornou-se essencial. Dessa capacidade dependerá a apropriação dos diversos programas — Bolsa Família, Territórios da Cidadania, Benefícios Continuados da Previdência, Luz para Todos, Prouni, Crediamigo do BNB, Desenvolvimento Regional Sustentável do Banco do Brasil, as diversas dimensões do PAC social, a capilarização das infraestruturas, o Pronaf e outros — para que cada cidade, com o seu entorno rural, se transforme em espaço de autoconstrução capaz de assegurar qualidade de vida, equilíbrio social e sustentabilidade ambiental.
*Professor de economia e administração da PUC (SP) e autor de O que é poder local, Editora Brasiliense (http://dowbor.org)
FONTE: Correio Braziliense, online - 30/11/2009
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