domingo, 15 de novembro de 2009

BOFF: "Vivemos um momento da volta da espiritualidade"

''A Igreja está fechada sobre si mesma''

A primeira coisa que chamou a atenção do brasileiro Leonardo Boff ao pisar nesta sexta-feira as terras alicantina [na Espanha] foi o calor de novembro. "Isso é consequência do aquecimento da Terra. Parece que estamos no Brasil". Ele destila inteligência por todos os seus poros. Goza de uma invejável agilidade mental e uma eloquência que para si quereriam os que se presumem eruditos. No entanto, um halo de humildade engrandece a sua figura, com uma cabeça bem dotada e marcada por seus cabelos brancos.
Eis alguns trechos da entrevista.

O que o senhor faz em Alicante?
Realizo um giro pela Europa para advertir sobre as consequências das mudanças climáticas e das medidas que é preciso adotar se não queremos que, em pouco tempo, haja uma catástrofe ecológica que poderia acabar com o planeta.

Onde o senhor esteve?
Venho a Áustria e da Suíça, onde existe uma enorme preocupação. Agora, na Espanha, me reuni com 50 empresários para abordar o aquecimento global da Terra e criar novos hábitos que surgirão após a crise.

O problema é tão grave?
A sociedade tem uma responsabilidade coletiva que é preciso enfrentar de maneira solidária. O que podemos esperar da crise global? Estamos em uma situação dramática. Se não houver um salto qualitativo na defesa da natureza, vamos rumo à tragédia.

O senhor falou de novos hábitos. Quais serão?
Viemos de uma economia baseada na exploração dos recursos da terra para o consumo humano. Esse sistema provocou grandes benefícios, mas só para uma pequena parte da humanidade. Noam Chomsky diz que há três pessoas no mundo que produzem mais renda do que 40 países juntos. A riqueza está concentrada em uns poucos. Isso cria uma injustiça e uma tremenda desigualdade ecológica e social.

Por isso o aquecimento?

Devoramos os recursos da Terra. Não podemos continuar assim. Vamos rumo à catástrofe humanitária. Se o aquecimento continuar, até 2038 as secas e as inundações acabarão com o planeta.

Então?
O consumo tem que ser mais frugal e solidário.

O senhor foi um dos protagonistas da Teologia da Libertação. Enfrentou a hierarquia eclesiástica, mas agora parece mais preocupado com as mudanças climáticas do que com a teologia. Por quê?
Continuo acreditando na Teologia da Libertação. Mas ela sempre está aberta. Em construção. O básico é escutar o grito do oprimido, mas também é preciso escutar o gruto da Terra, o grito da pobreza. Não abandonei minhas ideias.

Como está a Igreja católica hoje em dia?
Vejo com pesar que a Igreja não esteja mobilizada contra a crise ecológica. Ela não está à altura das urgências do planeta. Há um déficit. Outras Igrejas sim, mas não a católica. É preciso trabalhar rápido e juntos.

Está tão ruim?

O Papa atual realizou um enorme esforço para fortalecer a Igreja e deixar de lado o diálogo com outros credos. Isso é um erro. Assim como afastar-se de judeus ou muçulmanos e aproximar-se de Lefebvre ou recuperar o latim. É preciso se rebelar contra essa inversão interna. Hoje, o desafio é ajudar a sair da crise ecológica e social. A Igreja católica perdeu o passo.

O que o senhor opina da Igreja católica espanhola?
Não posso falar dela porque não a conheço, mas posso dizer, pelo contrário, que no Brasil há magníficos sacerdotes espanhóis, com qualidades excepcionais, como por exemplo Pedro Casaldáliga.

Há uma crise de vocações?
Vivemos um momento da volta da espiritualidade. Há muito cansaço de materialismo. Existe uma busca por dimensões novas não materiais. Mas a juventude não encontra resposta na Igreja, porque é uma instituição muito rígida. É preciso buscar a espiritualidade às margens da doutrina oficial.

Como?

A humanidade precisa de sonhos. A religião é uma fonte de sonhos. A vida não é só diversão e consumo. Desse modo, o ser humano se sente vazio.

Por quê?
O domínio global está nas mãos do G-20, mas o resto é ignorado. A humanidade consome 30% mais dos recursos que existem, e o problema da água potável é imenso. É preciso escutar os pobres e adotar medidas solidárias.
A reportagem é de Angel Bartolomé, publicada no jornal La Verdad, 14-11-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto para IHU/Unisinos, 15-11-2009.

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