domingo, 15 de novembro de 2009

"Não uso armas, só palavras"


Yoani Sánchez, Blogueira e filóloga cubana

O telefonema durou 28 minutos. A linha caiu quatro vezes. A qualidade da ligação era baixa. Nada disso impediu que a blogueira e filóloga cubana Yoani Sánchez, 34 anos, contasse a Zero Hora um pouco da sua vida de resistência em uma Cuba refratária à liberdade de expressão.

 Pudera: a morena de longos cabelos negros, esguia em seus 1m64cm e 49 quilos, um ícone da resistência, acostumou-se a se expressar em meio às dificuldades, em seu blog Generación Y (www.desdecuba.com/generaciony). Nem mesmo de oposicionista ela gosta de ser chamada. Seu objetivo, conta, é ajudar a construir uma Cuba melhor.

– Oposição? Não. Só escrevo pelo bem de Cuba.

E o controle? Seu telefone está grampeado? Seu blog é controlado?

– Não tenho o que esconder. Não uso armas, só uso as palavras.

Para piorar as condições da entrevista mediada pelo seu marido, Reinaldo Escobar, Yoani está com problemas na coluna depois de ter sido agredida por desconhecidos. Foi ao médico no início da tarde de sexta-feira. Recorreu à acupuntura. Só o que não cogitou foi se calar ou mudar a postura reta.

Antes de ela falar, Escobar lamentou a tensão que vive sua mulher. Mas fez a ressalva:

– É claro que ela vai falar, é um prazer nos comunicarmos com o Brasil (onde Yoani está lançando o livro De Cuba, com carinho, pela editora Contexto).

E ela falou, no final da tarde de sexta-feira:

Zero Hora – Como é navegar na internet em Cuba?
Yoani Sánchez – É muito complicado. Dependemos de provedores públicos. O cubano precisa gastar um terço do seu salário para se conectar por uma hora. Eu me conecto só uma hora por semana. Às vezes, duas vezes por semana, mas meia hora de cada vez. Mais do que isso não dá.

ZH – E a privacidade?
Yoani – Há muitos filtros, muita censura. O acesso a muitos sites é bloqueado. O temor é permanente. As mensagens são monitoradas.

ZH – O seu blog é acompanhado de perto pelo governo? Este telefonema está sendo monitorado?
Yoani – Não tenho o que esconder. Não uso armas. Só uso palavras. Sou contra a violência. Só escrevo e opino. Nada tenho a ocultar. Posso ser observada.

ZH – Seu trabalho virou um ícone da oposição cubana em Cuba. Não é estranho que algo escrito no mundo virtual da internet seja conhecido dessa forma?
Yoani – Oposição? Não. Só escrevo pelo bem de Cuba. Não sou política, não tenho planos de governo, não sou opositora. Considero-me pós-ideológica. Nem esquerda, nem direita. Meu blog não gera violência. Meu instrumento é a palavra.

ZH – Você foi agredida dias atrás? Como isso ocorreu?
Yoani – Faz uma semana, exatamente. Eu e outras duas pessoas fomos detidos por três homens que chegaram em um carro preto. Eram homens fortes. Íamos a uma manifestação contra a violência. Nos empurraram, nos agrediram. Fiquei levemente machucada nas costas. Depois de meia hora, nos levaram a outro bairro, a uma rua distante da manifestação. Pedi que eles se identificassem, mas eles não se identificaram. Ficamos muito nervosos, é claro.

ZH – E suas viagens para sair de Cuba? Sempre foram negadas pelo governo?
Yoani – Nunca consegui permissão. Nem para a Itália, nem para a viagem que eu teria feito para EUA, México e Brasil (onde ela falaria no Senado, em Brasília, e iria ao lançamento do seu livro, em São Paulo). Tive prêmios para receber que não peguei.

ZH – Deixar Cuba está no seu horizonte?
Yoani – Não, nunca. Aqui estão meus amigos, aqui está minha família. Tenho planos para cá, não para sair daqui. Já vivi fora (na Suíça, entre 2002 e 2004). Meu trabalho é voltado para a realidade cubana. Minha vida está no meu país, para cá eu voltarei sempre.

ZH – Como você imagina o futuro do seu filho (Teo, 14 anos)?
Yoani – Espero que ele viva em um país que lhe proporcione liberdade. Em casa, ele foi criado assim, com liberdade. Espero que ele não precise deixar nosso país.

ZH – Fidel Castro, mesmo doente, continua com poder real?
Yoani – Ele mantém um poder político importante, sim. Houve uma série de transformações que poderiam ter ocorrido e não ocorreram por causa dele, que as bloqueou.

ZH – As reformas anunciadas, como distribuir terras para particulares e liberar a venda de celulares e de computadores, estão mudando Cuba?
Yoani – Na verdade, grande parte das mudanças promovidas por Raúl Castro (irmão e sucessor de Fidel) é pura ilusão para a imprensa estrangeira ver. Ter um computador ou um telefone, por exemplo, custa muito caro.

ZH – E os avanços sociais da Revolução Cubana (de 1º de janeiro de 1959)?
Yoani – Nós já tínhamos um índice de analfabetismo baixo antes da Revolução. O que Fidel fez foi ensinar o resto da população a ler e escrever. Mas ler o quê? Cartilhas sobre a guerrilha? Só marxismo e leninismo? Nós esperamos 20 anos para ver o homem pisar na Lua. Quando recebíamos recursos da União Soviética, foram construídos bons hospitais e formados bons médicos. Mas, sem os subsídios, isso acabou. Os médicos são mal remunerados. Os hospitais se mantêm de forma precária, falta tudo.

Reportagem de LÉO GERCHMANN - Zero Hora online, 15/11/2009

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