Daniel Piza
A República brasileira completa 120 anos hoje e ainda não atingiu a maturidade. O empurra-empurra ou esconde-esconde depois do apagão da noite de terça foi apenas mais um exemplo. É óbvio que a oposição fala besteira quando tenta comparar o que houve e a gravíssima crise de energia de 2001, embora esteja usando método político que o PT se cansou de usar antes de ser situação. Mas as declarações oficiais, além de contraditórias entre si, buscaram sempre isentar o governo a priori, antes de qualquer apuração dos fatos, e culpar a natureza, essa parteira de fatalidades... Entre as desculpas dos políticos que atribuíram tudo a um trovão em Itaberá e as informações do Inpe de que o sistema deveria ser mais confiável, a sociedade deveria dar mais ouvidos aos técnicos. Só que não foi assim em todos os desastres recentes, do acidente no aeroporto de Congonhas à explosão no metrô de Pinheiros. Essa é apenas uma das características suprapartidárias do poder à brasileira.
O ponto é que o regime republicano implica que aqueles que estejam em cargos de autoridade sejam ainda mais responsáveis com o que fazem e dizem. É também de sua essência que essa regra tenha valor não apenas para os representantes democráticos, mas para as instituições em geral. Um dirigente de futebol, intelectualmente qualificado ou não, jamais pode falar ao microfone como se estivesse falando entre amigos no botequim. Um reitor de universidade, em outro ziguezague de condutas, não deve culpar uma vítima porque teria "provocado" os agressores. É por tudo isso, aliás, que é falacioso o argumento de que os cidadãos brasileiros não têm moral para criticar os desvios de verbas públicas porque também cometeram ou cometeriam contravenções - e como, infelizmente! As leis não perdem validade porque quase ninguém as praticaria; elas devem ser cumpridas por seu valor intrínseco.
No Brasil, como em quase todas as culturas latinas, mas com seu molejo próprio, a coisa pública sempre vira assunto pessoal. Não há debates de ideias; há trocas de monólogos. Nestes "hiperbólicos trópicos" a que me referi outro dia, Caetano Veloso acha que dar sua opinião política é adjetivar o presidente de "analfa" e "grosseiro"; Fernando Henrique Cardoso também exagera e diz que o governo sofre de "autoritarismo popular". Do outro lado, na gangorra emotiva de praxe, Zé Celso chega a escrever que Lula é "antropofágico" e "culto sem gostar de ler"; e o próprio presidente, tema de filme da família Barreto que estreia em breve, se encarrega de tantos autoelogios que parece acreditar que realizou pessoalmente cada avanço do Brasil, e não a sociedade a quem o Estado deve servir.
A impessoalidade da mentalidade liberal, como mostrou Sérgio Buarque de Holanda, que escreveu um precioso volume sobre a transição da monarquia à república, ainda não se fixou no solo brasileiro. Nestes anos, temos lembrado os centenários de morte de Machado de Assis, Euclides da Cunha e Joaquim Nabuco. Cada um a seu modo - um monarquista cético, um republicano idealista e um monarquista idealista -, todos enxergaram naquela passagem mais a troca de grupos de poder do que a reforma da consciência social, mais uma mudança de nomes do que uma universalização de cidadania. É como se nossos governantes ainda estivessem no "último baile da Ilha Fiscal", onde a corte queria se sentir numa ilha de primeira classe, mesmo com os ventos contrários batendo lá fora, e nem sequer havia banheiro para todos os convidados, que tiveram de fazer xixi no mar. Pois é, a natureza já levava a pior.
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