domingo, 22 de julho de 2012

Crise terminal de nosso modo de viver?

Leonardo Boff*

 Das muitas crises pelas quais a humanidade passou, essa, seguramente, possui uma singularidade. Ela pode significar o fim de nossa existência sobre este planeta ou um salto para um novo patamar de civilização, ecoamigável, justa, compassiva e fraterna. A grande maioria da humanidade e os tomadores de decisões dos povos não se conscientizaram ainda desta nova situação. A Rio+20 foi escandalosamente cega e muda. Não se tomaram decisões. Foram proteladas para 2015.

Não obstante esta atitude insana, alguns fatos estão produzindo um novo estado de consciência na Humanidade. Podem ocasionar mudanças radicais. Eis alguns deles.

O primeiro, é a consciência de que podemos nos auto-destruir. O fim do mundo humano não  precisa ser mais obra divina, mas consequência de atos humanos. Hoje os países militaristas dispõem de uma máquina de morte com armas nucleares, químicas e biológicas, capazes de destruir, por 25 formas diferentes, toda a espécie humana. Podemos ser não só homicidas e ecocidas mas também biocidas e geocidas.

O segundo, é a descoberta da unidade Terra e Humanidade. É o legado que os astronautas nos deixaram. Eles testemunharam: a partir de  suas naves espaciais se comprova que não há separação entre Terra e Humanidade. Formam uma única entidade. Nós somos a porção da Terra que sente, pensa, ama e cuida. Humanidade e Terra são interdependentes e indivisíveis. Posteriormente, os cientistas demonstraram que a Terra é um sistema biofísico que regula os climas, garante a fertilidade dos solos e rege as corrente marítimas. Chamaram-na de Gaia, a Pacha Mama dos andinos.

O terceiro, são as mudanças climáticas com seus eventos extremos, coisa que os céticos não podem negar. Parte delas pertence à geofísica da Terra, mas a outra, acelerada, é em grande parte, produzida pela atividade humana. A roda já está girando e não há como pará-la. Ao alcançar  dois graus Celsius, o aquecimento será ainda admnistrável. Com a entrada do metano e do nitrato, o clima poderá acercar-se   a quatro e a cinco graus Celsius. Isso tornará grande parte da vida conhecida no planeta impossível. Milhões de seres humanos correriam risco de desaparecer.

O quarto fato é o fim da matriz energética baseada nos produtos fósseis como o petróleo, o gás e o carvão. Temos consciência de que não podemos mais sustentar este tipo de civilização altamente energívora. Precisamos desenvolver fontes alternativas limpas, baseadas na água, no sol, no vento, nas marés e na biomassa. Mas todas juntas são insuficientes para sustentar o nosso tipo de civilização. Forçosamente devemos mudar nossas formas de produção e de locomoção.

O quinto fato é a a tragédia social que afeta grande parte da Humanidade. As três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 3 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade. O  resultado é que 1,2 bilhões de pessoas passam fome e outros tantos vivem na miséria; no Brasil, segundo M. Pochmann, mais ou menos 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados senão expressar uma aterradora desumanidade?

Por fim, o sexto fato, é a consciência de que um outro mundo não é só possível mas necessário. Esta consciência ganhou expressão e visibilidade  nos Fórums Sociais Mundiais e na Cúpula dos Povos como agora durante a Rio+20. A nova ordem nascerá a partir de baixo, da contribuição de todos os povos e culturas e marcará uma nova etapa da Humanidade e da própria Terra. Uma superdemocracia planetária deverá forçosamente surgir que englobará vida, Terra e Humanidade num único destino comum. Ou então vamos ao colapso total.
Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual não sabemos como sair. Devemos produzir para  atender o consumo e criar postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego, surge fome e miséria e estoura  a convulsão  social. Para onde vamos? Quem o saberá exatamente?
O certo é que assim como está, a sociedade mundial não poderá continuar. A prosseguir por este caminho, nos acercaremos do abismo. O ideal que se impõe é: como produzir o que necessitamos em harmonia com  os limites e os ritmos da natureza, com sentido de distribuição equitativa entre todos e solidários para com nossos filhos e netos que virão. Uma saída possível seria passar  do capital material para o capital humano e espiritual. Nele  ganhariam centralidade o ganha-ganha, a solidariedade, o cuidado que levarão a outras formas de produção  de consumo e de respeito aos limites.
Cada pessoa constitui uma república, dizia Edgar Morin, de 30 bilhões de células que se põem de acordo para manter o equilíbrio do sistema-vida. Como não será possível uma sociedade humana que conta  com apenas 7 bilhões de seres  humanos não pode colocar-se de acordo para viver em paz com a Terra, com todos os povos e com o próprio coração?
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* Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e autor de O Tao da Libertação: explorando a ecologia da transformação, Vozes 2012.
Publicado no Jornal do Brasil 22/07/2012
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