Leonardo Boff*
Das muitas crises pelas quais a humanidade passou, essa, seguramente, possui uma singularidade. Ela pode significar o fim de nossa existência sobre este planeta ou um salto para um novo patamar de civilização, ecoamigável, justa, compassiva e fraterna. A grande maioria da humanidade e os tomadores de decisões dos povos não se conscientizaram ainda desta nova situação. A Rio+20 foi escandalosamente cega e muda. Não se tomaram decisões. Foram proteladas para 2015.
Não obstante esta atitude insana, alguns fatos estão produzindo um
novo estado de consciência na Humanidade. Podem ocasionar mudanças
radicais. Eis alguns deles.
O primeiro, é a consciência de que podemos nos
auto-destruir. O fim do mundo humano não precisa ser mais obra divina,
mas consequência de atos humanos. Hoje os países militaristas dispõem de
uma máquina de morte com armas nucleares, químicas e biológicas,
capazes de destruir, por 25 formas diferentes, toda a espécie humana.
Podemos ser não só homicidas e ecocidas mas também biocidas e geocidas.
O segundo, é a descoberta da unidade Terra e
Humanidade. É o legado que os astronautas nos deixaram. Eles
testemunharam: a partir de suas naves espaciais se comprova que não há
separação entre Terra e Humanidade. Formam uma única entidade. Nós somos
a porção da Terra que sente, pensa, ama e cuida. Humanidade e Terra são
interdependentes e indivisíveis. Posteriormente, os cientistas
demonstraram que a Terra é um sistema biofísico que regula os climas,
garante a fertilidade dos solos e rege as corrente marítimas.
Chamaram-na de Gaia, a Pacha Mama dos andinos.
O terceiro, são as mudanças climáticas com seus
eventos extremos, coisa que os céticos não podem negar. Parte delas
pertence à geofísica da Terra, mas a outra, acelerada, é em grande
parte, produzida pela atividade humana. A roda já está girando e não há
como pará-la. Ao alcançar dois graus Celsius, o aquecimento será ainda
admnistrável. Com a entrada do metano e do nitrato, o clima poderá
acercar-se a quatro e a cinco graus Celsius. Isso tornará grande parte
da vida conhecida no planeta impossível. Milhões de seres humanos
correriam risco de desaparecer.
O quarto fato é o fim da matriz energética baseada
nos produtos fósseis como o petróleo, o gás e o carvão. Temos
consciência de que não podemos mais sustentar este tipo de civilização
altamente energívora. Precisamos desenvolver fontes alternativas limpas,
baseadas na água, no sol, no vento, nas marés e na biomassa. Mas todas
juntas são insuficientes para sustentar o nosso tipo de civilização.
Forçosamente devemos mudar nossas formas de produção e de locomoção.
O quinto fato é a a tragédia social que afeta grande
parte da Humanidade. As três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos
superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600
milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 3
bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade. O resultado é
que 1,2 bilhões de pessoas passam fome e outros tantos vivem na miséria;
no Brasil, segundo M. Pochmann, mais ou menos 5 mil famílias possuem
46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados senão expressar uma
aterradora desumanidade?
Por fim, o sexto fato, é a consciência de que um
outro mundo não é só possível mas necessário. Esta consciência ganhou
expressão e visibilidade nos Fórums Sociais Mundiais e na Cúpula dos
Povos como agora durante a Rio+20. A nova ordem nascerá a partir de
baixo, da contribuição de todos os povos e culturas e marcará uma nova
etapa da Humanidade e da própria Terra. Uma superdemocracia planetária
deverá forçosamente surgir que englobará vida, Terra e Humanidade num
único destino comum. Ou então vamos ao colapso total.
Há que reconhecer que estamos dentro de um círculo vicioso do qual
não sabemos como sair. Devemos produzir para atender o consumo e criar
postos de trabalho. Quanto mais consumimos, mais empobrecemos a
natureza. Mas chegará o momento em que ela não aguentará mais. Por outro
lado, se pararmos de consumir, fecham-se fábricas, cria-se desemprego,
surge fome e miséria e estoura a convulsão social. Para onde vamos?
Quem o saberá exatamente?
O certo é que assim como está, a sociedade mundial não poderá
continuar. A prosseguir por este caminho, nos acercaremos do abismo. O
ideal que se impõe é: como produzir o que necessitamos em harmonia com
os limites e os ritmos da natureza, com sentido de distribuição
equitativa entre todos e solidários para com nossos filhos e netos que
virão. Uma saída possível seria passar do capital material para o
capital humano e espiritual. Nele ganhariam centralidade o ganha-ganha,
a solidariedade, o cuidado que levarão a outras formas de produção de
consumo e de respeito aos limites.
Cada pessoa constitui uma república, dizia Edgar Morin, de 30 bilhões
de células que se põem de acordo para manter o equilíbrio do
sistema-vida. Como não será possível uma sociedade humana que conta com
apenas 7 bilhões de seres humanos não pode colocar-se de acordo para
viver em paz com a Terra, com todos os povos e com o próprio coração?
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* Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e autor de O Tao da Libertação: explorando a ecologia da transformação, Vozes 2012.
Publicado no Jornal do Brasil 22/07/2012
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