LUÍS ANTÔNIO GIRON*
Por que as novelas de TV reduzem os homens à condição de vermes
Em 1980, o escritor e militante da então chamada “esquerda festiva” Fernando Gabeira lançou em livro o ensaio autobiográfico O crepúsculo do macho.
Gabeira pregava a dulcificação do homem, fato que se materializaria com
o desfile de sua famosa sunga de crochê na praia. Era o tempo em que os
homens ainda faziam sucesso como machões nas novelas de TV. O homem
frágil e com uma acentuada porção feminina funcionava como uma rasura,
um escândalo, 30 anos atrás.
Se Gabeira não estivesse hoje impotente para a literatura, lançaria o livro O Apocalipse do macho.
Ele descreveria um Juízo Final pouco animador. O homem chega ao fim da
História com a dignidade zerada. Dizem que os responsáveis pela campanha
de desmoralização são os autores de novela, que rebaixaram os
personagens masculinos. Eles têm vilipendiado e convertido o homem em
saco de pancada. No entanto, é preciso fazer a ressalva: a ficção
popular na TV reflete apenas o que se passa no mundo propriamente dito. O
homem másculo não só se encontra em extinção. O que sobrou dele
degenerou em caricatura, tudo para agradar ao público feminino.
Há uma superlotação de galãs parvos, delicados ou chifrudos nas novelas
das 19h, 21h e 23h. Alguns são fortões, mas usam colares e fazem a
sobrancelha. De Nacib de Gabriela a Fabian de Cheias de charme,
não sobrou homem sobre homem com direito de usar este nome. Todas as
figuras masculinas foram emasculadas. Nacib (Humberto Martins) é o
metrossexual da zona cacaueira em 1925, como se teria sido possível. Ele
mostra um vasto repertório de trejeitos, e sempre se sujeita aos
desejos de Gabriela. Dá saudades do Nacib de Armando Bógus, da versão de
1975 de Grabriela. Fabian (Ricardo Tozzi) só pensa em se olhar no
espelho e arrancar elogios e suspiros das empreguetes. Protótipo do galã
bundão, é apaixonado por si próprio, e nisso só é ultrapassado por seu
sósia Inácio, que faz o gênero bonzinho. Nas novelas, os bonzinhos estão
cada vez piores e mais suspeitos.
Mas vamos assistir melhor a uma novela que vale por todas: Avenida Brasil,
o maior sucesso hoje no Brasil. Jorginho (Cauã Reymond), uma espécie de
mocinho da novela, ultrabozinho, é manipulado por todas as garotas com
quem se envolve, e se comporta como mero objeto sexual delas. Seu pai
adotivo, Tufão (Murilo Benício), é traído pela mulher, Carminha (Adriana
Esteves), e não consegue se livrar da virago. Ela tem um amante Max
(Marcello Novaes), vilão de opereta, dependente do dinheiro dela e
casado com a irmã de Tufão. Mas o pior personagem de Avenida Brasil
é Cadinho (Alexandre Borges), o polígamo compulsivo que pensa ser um
Don Juan, mas, na realidade, não passa de um vibrador sempre à mãos das
mulheres. Não restou um galã de verdade, um Tarcísio Meira que apareça
para mostrar que ainda existem machos neste mundo. E talvez não restou
porque não há mais.
Custo a acreditar que a maior parte das mulheres que vê televisão
deseje que seus companheiros sejam como esses personagens. Já está
provado que a maioria delas prefere os tipos com características
másculas mais acentuadas aos tipos frágeis para se acasalar. Então por
que elas gostam tanto de ver os homens ridicularizados?
Há quem diga que é porque muitas delas - e aqui entra a grande maioria
das mulheres que assistem à TV aberta, pertencentes às classes C e D -
sofram violência doméstica ou odeiem em silêncio os seus parceiros
sexuais. Dessa forma, as novelas funcionam como válvulas de escape para
as frustrações de seu público preferencial. Em resumo, elas apanham em
casa e se vingam pela televisão, vendo espécimes do sexo oposto sendo
torturados até o arrependimento ou a morte. Sonham com um corretivo que
regenere seus maridos, amantes e namorados. E é uma pena que Walcyr
Carrasco, João Emanuel Carneiro e Sylvio de Abreu – respectivamente
autores das novelas Gabriela, Avenida Brasil e Cheias de charme
– não estejam à frente da coordenação da Delegacia da Mulher. Eles
certamente conseguiriam corrigir as distorções da nova família
brasileira.
Alguns respeitáveis teóricos europeus denominam a tendência expressada
nas obras de arte e entretenimento de difamar o homem de “machismo às
avessas” ou “sexismo reverso”, uma espécie de revanche tardia das
feministas, agora travestidas em “feministas geeks” que exacerbam seus
ideário ao transformar sua agenda libertária em pura opressão
fundamentalista. São as mulheres que não amavam os homens. Por isso,
elas tratam de impor a derrota ao macho pelo uso da força, do deboche e
do ultraje. Será que não percebem que põem tudo a perder quando reduzem
seus parceiros a vermes?
A refutação simbólica do homem rende falas e cenas hilárias na novela
brasileira, e em outras manifestações artísticas. Ele alimenta a
audiência feminina e reformata o imaginário popular. Mas, no fundo, o
sexismo reverso usado pragmática e inconscientemente pelos autores e
ecoado pelas espectadoras só faz reforçar o preconceito e alimentar o
ciclo das revanches. Logo irá aparecer o “machismo reverso” ou mesmo o
“ultramachismo”.
Quando às vezes tento acompanhar as trapalhadas de personagens como
Tufão e Jorginho, sinto uma compulsão quase incontrolável de adotar o
modelo porco chauvinista. Felizmente sou um sujeito racional que ama as
mulheres – sem, contudo, perder a dignidade e o senso de liberdade. O
macho pode ser arrastado à danação no fim dos tempos. Mas não estarei
por perto para ver a execução última da espécie pelas verdugas do
sexismo reverso. Prefiro o fogo do inferno à crueldade das mulheres.
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*Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV.
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