domingo, 15 de julho de 2012

Descansar o corpo

P. Michel Rondet, SJ*

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 Frederik Kaemmerer

Submetido durante todo o ano a ritmos que não são os seus, aturdido por ruídos, maltratado por uma alimentação negligente, stressado pela falta de sono... o nosso corpo aspira a reencontrar a sua liberdade, harmonia e beleza. Deus, que no-lo confiou, espera que finalmente cuidemos verdadeiramente dele. E esse poderá muito bem ser o nosso primeiro dever das férias. Uma tarefa que exigirá atenção e delicadeza e que, longe de ser uma preocupação narcísica, nos abrirá a relações abertas e francas. Na condição, como é óbvio, de não substituir um stress por outro, ao submeter o nosso corpo a um ritmo de actividades desenfreadas dominadas pela preocupação de obter resultados.

No nosso corpo, toda a nossa pessoa
Comecemos por escutar o nosso corpo e por o deixar viver, respirar, dormir, mexer ao seu ritmo. Tal como é, é um dom de Deus que nos personaliza e nos situa no mundo, como o corpo de Jesus nascido de Maria incarnou o Verbo de Deus na nossa história. É inimaginável que Jesus não tenha cuidado do corpo que lhe iria permitir exprimir o seu amor pelo Pai e pelos seus irmãos. Foi através dele que pôde traduzir o seu terno reconhecimento por Maria e por José, o seu afeto pelo discípulo que amava, por Marta, Maria, Lázaro e tantos outros, a sua solicitude atenta pelas multidões sem pastor. Saibamos, nós também, cuidar e reconhecer este dom de Deus que nos dá uma fisionomia entre os nossos irmãos. No termo da sua vida, Francisco de Assis acusava-se de ter cometido uma falta grave ao menosprezar este dom de Deus.

O nosso corpo situa-se no espaço e no tempo em que somos chamados a engrandecer. Não esqueçamos que o nosso crescimento humano se realiza através dele. Se queremos aproveitar este tempo de férias para nos tornarmos mais homens ou mulheres, tudo o que fizermos para o descontrair, fortalecer e harmonizar ajudar-nos-á a sentirmo-nos responsáveis por nós próprios e pelo nosso progresso humano. Ao acolhermos e desenvolvermos o nosso corpo, é toda a nossa personalidade que progride. Saibamos fazê-lo com sabedoria e constância.
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Marian Emma Chase

O lugar do corpo na oração
Este corpo, que consideramos frequentemente sob a única perspetiva da saúde ou dos prazeres que dele podemos extrair, revela-se rico de potencialidades espirituais. Ele pode, por exemplo, tornar-se aliado da nossa oração. Temos muitas dificuldades em fixar o nosso espírito, em manter um olhar contemplativo sobre uma cena evangélica; deixemos que o nosso corpo nos apazigúe.
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Paul Mathieu

Peçamos-lhe, através de uma atitude calma, relaxada, de um ritmo respiratório controlado, de nos assemelharmos, de nos unificarmos no acolhimento da Palavra de Deus. Não há nenhuma tradição espiritual que não sublinhe o lugar do corpo na oração. Aproveitemos este tempo de férias para o convocar a participar na oração; cedo nos aperceberemos dos benefícios. A verdadeira interioridade começa com o recolhimento do corpo.
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Renoir

Por fim, e sobretudo, é através do nosso corpo que entramos em relação uns com os outros. Em primeiro lugar nós somos para eles, e reciprocamente, esta fisionomia, esta silhueta, esta entoação de voz... É por elas que nós nos reconhecemos; as nossas inter-relações mais íntimas passam pelos gestos corporais. É ao nosso corpo que é confiada a expressão daquilo que mais profundamente nos revela, o afeto, a ternura, a compaixão, mas também, por vezes, infelizmente, a indiferença, o ódio, o desprezo. Anonimato de corpos amontoados que não comunicam, fealdade de corpos desfigurados pela violência que contrastam com a beleza de um sorriso, a graça de um gesto de ternura. É um dever de caridade tentar ser amável, oferecer aos outros um rosto acolhedor, uma atitude simples, descontraída; e isto educa-se. Há em nós tensões e brusquidões que traduzem medos e agressividades que o nosso corpo pode ajudar a reconhecer e a ultrapassar. Um tempo de natação suave e calma poderá ajudar-nos a dissolver muitas tensões!
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Winslow Homer

Lugar de presença aos outros
Não esqueçamos igualmente que o nosso corpo está prometido à ressurreição. Não o nosso organismo biológico, que conhecerá a corrupção, mas o nosso corpo relacional, aquela parte da nossa personalidade que se constrói através dos nosso laços com a natureza e com a comunidade humana. Este rosto corporal da nossa condição humana está vocacionado para a eternidade. Ele é chamado desde já a tornar-se “corpo espiritual”, como diz S. Paulo. O que quer isto dizer? A experiência que as testemunhas da ressurreição de Jesus fizeram da presença de Cristo ressuscitado pode ajudar-nos a pressenti-lo. O Jesus que a eles se manifesta não é um espírito, é o homem que eles conheceram; o seu corpo possui as marcas da sua história comum, mas esta presença deixou de estar submetida aos limites do espaço e do tempo. Ela é universal, a sua incarnação atingiu finalmente o seu termo. Morto por todos, ele vive por todos, o que se manifesta pelo seu corpo transfigurado. Ele pode estar presente a todos de uma maneira pessoal e universal. Ele pode ser a Cabeça deste Corpo que é a Igreja, a humanidade salva, que ele pode apresentar ao Pai como cumprimento da sua obra. É claro que nós não somos Cristo e a nossa existência não tem este alcance universal, mas, como membros do seu Corpo, somos presentes uns aos outros na comunhão dos santos.
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Prendergast

O nosso corpo espiritual é o lugar desta presença, torna-a pessoal, portadora de toda a história que vivemos e dos laços que tecemos. Ele é o prolongamento transfigurado do nosso corpo terrestre, libertado da sua finitude e das suas limitações. Quer isto dizer que somos chamados a preparar desde agora o nosso corpo de ressurreição. Para isso, privilegiemos nos nossos projectos de férias o que Cristo poderá divinizar em nós: relações simples, verdadeiras, fraternas e tudo o que as exprime.
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Harry Sutton Palmer

Aproveitemos este tempo de repouso para educar o nosso corpo a tornar-se agradável aos outros através de um sorriso acolhedor, um olhar benevolente, uma voz harmoniosa, com gestos de afecto e ternura respeitosos e verdadeiros. Não se trata de construir um corpo atlético capaz de prodígios físicos; trata-se de procurar um desabrochar que terá o valor da eternidade.
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P. Michel Rondet, SJ
*In Croire
Trad.: rm
© SNPC (trad.) | 14.07.12

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