P. Michel Rondet, SJ*
Frederik Kaemmerer
Submetido durante todo o ano a ritmos que não são
os seus, aturdido por ruídos, maltratado por uma alimentação
negligente, stressado pela falta de sono... o nosso corpo aspira a
reencontrar a sua liberdade, harmonia e beleza. Deus, que no-lo
confiou, espera que finalmente cuidemos verdadeiramente dele. E esse
poderá muito bem ser o nosso primeiro dever das férias. Uma tarefa que
exigirá atenção e delicadeza e que, longe de ser uma preocupação
narcísica, nos abrirá a relações abertas e francas. Na condição, como é
óbvio, de não substituir um stress por outro, ao submeter o nosso
corpo a um ritmo de actividades desenfreadas dominadas pela preocupação
de obter resultados.
No nosso corpo, toda a nossa pessoa
Comecemos por escutar o nosso corpo e por o
deixar viver, respirar, dormir, mexer ao seu ritmo. Tal como é, é um
dom de Deus que nos personaliza e nos situa no mundo, como o corpo de
Jesus nascido de Maria incarnou o Verbo de Deus na nossa história. É
inimaginável que Jesus não tenha cuidado do corpo que lhe iria permitir
exprimir o seu amor pelo Pai e pelos seus irmãos. Foi através dele que
pôde traduzir o seu terno reconhecimento por Maria e por José, o seu
afeto pelo discípulo que amava, por Marta, Maria, Lázaro e tantos
outros, a sua solicitude atenta pelas multidões sem pastor. Saibamos,
nós também, cuidar e reconhecer este dom de Deus que nos dá uma
fisionomia entre os nossos irmãos. No termo da sua vida, Francisco de
Assis acusava-se de ter cometido uma falta grave ao menosprezar este
dom de Deus.
O nosso corpo situa-se no espaço e no tempo em
que somos chamados a engrandecer. Não esqueçamos que o nosso
crescimento humano se realiza através dele. Se queremos aproveitar este
tempo de férias para nos tornarmos mais homens ou mulheres, tudo o que
fizermos para o descontrair, fortalecer e harmonizar ajudar-nos-á a
sentirmo-nos responsáveis por nós próprios e pelo nosso progresso
humano. Ao acolhermos e desenvolvermos o nosso corpo, é toda a nossa
personalidade que progride. Saibamos fazê-lo com sabedoria e constância.
Marian Emma Chase
O lugar do corpo na oração
Este corpo, que consideramos frequentemente sob a
única perspetiva da saúde ou dos prazeres que dele podemos extrair,
revela-se rico de potencialidades espirituais. Ele pode, por exemplo,
tornar-se aliado da nossa oração. Temos muitas dificuldades em fixar o
nosso espírito, em manter um olhar contemplativo sobre uma cena
evangélica; deixemos que o nosso corpo nos apazigúe.
Paul Mathieu
Peçamos-lhe, através de uma atitude calma,
relaxada, de um ritmo respiratório controlado, de nos assemelharmos, de
nos unificarmos no acolhimento da Palavra de Deus. Não há nenhuma
tradição espiritual que não sublinhe o lugar do corpo na oração.
Aproveitemos este tempo de férias para o convocar a participar na
oração; cedo nos aperceberemos dos benefícios. A verdadeira
interioridade começa com o recolhimento do corpo.
Renoir
Por fim, e sobretudo, é através do nosso corpo que
entramos em relação uns com os outros. Em primeiro lugar nós somos para
eles, e reciprocamente, esta fisionomia, esta silhueta, esta entoação
de voz... É por elas que nós nos reconhecemos; as nossas inter-relações
mais íntimas passam pelos gestos corporais. É ao nosso corpo que é
confiada a expressão daquilo que mais profundamente nos revela, o
afeto, a ternura, a compaixão, mas também, por vezes, infelizmente, a
indiferença, o ódio, o desprezo. Anonimato de corpos amontoados que não
comunicam, fealdade de corpos desfigurados pela violência que
contrastam com a beleza de um sorriso, a graça de um gesto de ternura. É
um dever de caridade tentar ser amável, oferecer aos outros um rosto
acolhedor, uma atitude simples, descontraída; e isto educa-se. Há em
nós tensões e brusquidões que traduzem medos e agressividades que o
nosso corpo pode ajudar a reconhecer e a ultrapassar. Um tempo de
natação suave e calma poderá ajudar-nos a dissolver muitas tensões!
Winslow Homer
Lugar de presença aos outros
Não esqueçamos igualmente que o nosso corpo está
prometido à ressurreição. Não o nosso organismo biológico, que
conhecerá a corrupção, mas o nosso corpo relacional, aquela parte da
nossa personalidade que se constrói através dos nosso laços com a
natureza e com a comunidade humana. Este rosto corporal da nossa
condição humana está vocacionado para a eternidade. Ele é chamado desde
já a tornar-se “corpo espiritual”, como diz S. Paulo. O que quer isto
dizer? A experiência que as testemunhas da ressurreição de Jesus
fizeram da presença de Cristo ressuscitado pode ajudar-nos a
pressenti-lo. O Jesus que a eles se manifesta não é um espírito, é o
homem que eles conheceram; o seu corpo possui as marcas da sua história
comum, mas esta presença deixou de estar submetida aos limites do
espaço e do tempo. Ela é universal, a sua incarnação atingiu finalmente
o seu termo. Morto por todos, ele vive por todos, o que se manifesta
pelo seu corpo transfigurado. Ele pode estar presente a todos de uma
maneira pessoal e universal. Ele pode ser a Cabeça deste Corpo que é a
Igreja, a humanidade salva, que ele pode apresentar ao Pai como
cumprimento da sua obra. É claro que nós não somos Cristo e a nossa
existência não tem este alcance universal, mas, como membros do seu
Corpo, somos presentes uns aos outros na comunhão dos santos.
Prendergast
O nosso corpo espiritual é o lugar desta presença,
torna-a pessoal, portadora de toda a história que vivemos e dos laços
que tecemos. Ele é o prolongamento transfigurado do nosso corpo
terrestre, libertado da sua finitude e das suas limitações. Quer isto
dizer que somos chamados a preparar desde agora o nosso corpo de
ressurreição. Para isso, privilegiemos nos nossos projectos de férias o
que Cristo poderá divinizar em nós: relações simples, verdadeiras,
fraternas e tudo o que as exprime.
Harry Sutton Palmer
Aproveitemos este tempo de repouso para educar o nosso
corpo a tornar-se agradável aos outros através de um sorriso acolhedor,
um olhar benevolente, uma voz harmoniosa, com gestos de afecto e
ternura respeitosos e verdadeiros. Não se trata de construir um corpo
atlético capaz de prodígios físicos; trata-se de procurar um
desabrochar que terá o valor da eternidade.
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