Stephan Richter*
Martinho
Lutero, o teólogo e reformador alemão do século XVI, foi a mais crucial
ausência quando os líderes europeus reuniram-se em Maastricht em 1992,
para estabelecer os critérios para a União Econômica e Monetária
Europeia. Em espírito e em termos de registro histórico, Lutero poderia
ter fornecido uma regra de ouro adequada para identificar quais países
deveriam participar da zona do euro - quais não deveriam.
Se um país europeu abandonou o catolicismo e abraçou o luteranismo (ou, mais amplamente, o protestantismo) após o início dos anos 1500, quando Martinho Lutero e alguns poucos outros reformadores, como Zwingli e Calvino lançaram a Reforma, isso teria sido uma boa indicação de que a nação estaria qualificada à adoção da moeda comum europeia cerca de cinco séculos mais tarde. Se tivesse permanecido predominantemente católica, ou mesmo Grega Ortodoxa, então não.
Com poucas exceções, essa regra simples teria poupado a centenas de milhões de pessoas em todo o mundo muito desespero, bem como grande parte da animosidade e frustração que agora prevalece - sem mencionar os trilhões de euros em valor de ativos.
Obviamente, sob essa regra, a Alemanha teria entrado para a zona do euro, assim como a Dinamarca, a Suécia e a Noruega. É interessante registrar que a Suíça, financeiramente sólida, também faria parte do grupo. O mesmo aconteceria, ainda mais surpreendentemente, com o Reino Unido.
Irlanda? Espanha? Portugal? Itália? Não. Que dirá a Grécia, esse extremado país não ortodoxo, quando se trata de conduzir uma política econômica limpa e apropriada.
Lutero, se consultado em Maastricht, teria vetado imediatamente qualquer sugestão de incluir esses países. "Leia meus lábios: países católicos não reformados", teria pronunciado ele. A zona do euro, como resultado, teria resultado bem mais coesa - e a economia europeia teria herdado muito menos problemas.
Os casos interessantes, e possíveis exceções, a considerar no contexto da "Regra de Lutero", são a Áustria, a França e a Polônia. Os dois primeiros adotaram o euro, o último, ainda não, apesar de suas políticas fiscais e gestão econômica terem sido verdadeiramente notáveis. Seriam uma saudável adição à zona do euro.
No que diz respeito à Áustria e à Polônia, dois países verdadeiramente católicos, pode-se argumentar, é claro, que são as exceções que confirmam a regra. Mas também poderíamos dizer que eles, assim como a França, estão na vizinhança imediata do país base de Lutero, a Alemanha.
Localizados, como estão, na órbita direta da Alemanha, alguns observadores afirmam que a Alemanha simplesmente não deixou a seus vizinhos do sul, leste e oeste qualquer outra escolha, que impôs sua vontade sobre eles. Uma vez que isso é muito difícil de implementar (embora os alemães certamente tenham tentado repetidamente fazê-lo em eras passadas), a explicação mais provável é que essas três nações julgaram mais apropriado a seu autointeresse adaptarem-se a seu ambiente mais amplo. Católicos, talvez, mas com uma saudável dose do protestantismo fiscal.
O que ajudou ainda mais, sem dúvida, foi o exemplo positivo das nações ao norte da Alemanha, na Escandinávia e até mesmo nos Bálticos. Sem exceção, pequenas, mas de caráter fortemente protestante, essas nações deram a outros países maiores vizinhos à Alemanha, a confiança de que não é preciso ser grande para ter uma sólida política fiscal.
Visto da perspectiva oposta, considere o leitor os países que nunca
conseguiram superar a prática da Igreja Católica na época das exigentes
indulgências (dinheiro doado à igreja em troca de perdão de pecados).
Excessivo catolicismo, ou assim parece, é prejudicial à saúde fiscal de
um país, ainda hoje, no Século XXI. Indulgências naquela época e
incapacidade de gerir adequadamente as finanças públicas hoje. (Falo
como alguém que nasceu católico e, portanto, não pode ser acusado de
praticar qualquer forma de intolerância inter-religiosa.) Quando vistas
dessa perspectiva, corrupção, evasão fiscal enorme e disseminada
(veja-se a Itália e a Grécia) podem ser vistas como decorrente de uma
tradição cultural de oferecer dinheiro para ter perdoadas suas
transgressões. Em outras palavras, não há problemas em pecar, mesmo que
tratem-se, atualmente, predominantemente, pecados fiscais.
Antes que o leitor considere esta análise como um caso grave de
estereótipo religioso, permitam-me apontar para algumas importantes
nuances que se constituem em exceção ao padrão sugerido acima. Considere
a Eslováquia. Os eslovacos são católicos e sempre praticaram uma ética
de trabalho vastamente superior, ao contrário de noções de Max Weber ou
da "regra da Lutero" apresentada acima.
E o que dizer sobre a Itália? Não há uma entidade única denominada Itália. Existem duas Itálias completamente distintas. Num campo, há o velho Reino de Nápoles e as Duas Sicílias, de Roma para o sul. Ele continua a ser um ralo corrupto. Depois, há outro campo, a Itália setentrional, inclusive a Toscana, que é uma das mais bem administradas e mais eficientes economias industriais no planeta. E são ambos católicos. Mario Monti aponta para o único caminho disponível para tirar a Itália de seu pântano que já dura meio século.
Como solucionar a charada? Simples. Considere-a como uma mescla do princípio biológico de adaptação. Apesar de as ideias de Lutero não terem conseguido fixar raízes nesses lugares, mesmo áreas predominantemente católicas como a Eslováquia, a Áustria e o norte da Itália adaptaram gradualmente os valores econômicos, a ética de trabalho e a integridade do doutor Lutero e de João Calvino. A França, tão orgulhosa de suas modernas raízes anticlericais, continua vivendo à altura das verdadeiras consequências autodisciplinantes dessa afirmação.
Isso faz de Martinho Lutero, hoje, um profeta fiscal de alta estatura na Europa tanto católica protestante. (Tradução de Sergio Blum).
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* Stephan Richter é editor-chefe do theglobalist.com e presidente do Centro de Pesquisas Globalist
Se um país europeu abandonou o catolicismo e abraçou o luteranismo (ou, mais amplamente, o protestantismo) após o início dos anos 1500, quando Martinho Lutero e alguns poucos outros reformadores, como Zwingli e Calvino lançaram a Reforma, isso teria sido uma boa indicação de que a nação estaria qualificada à adoção da moeda comum europeia cerca de cinco séculos mais tarde. Se tivesse permanecido predominantemente católica, ou mesmo Grega Ortodoxa, então não.
Com poucas exceções, essa regra simples teria poupado a centenas de milhões de pessoas em todo o mundo muito desespero, bem como grande parte da animosidade e frustração que agora prevalece - sem mencionar os trilhões de euros em valor de ativos.
Os países que aderiram à Reforma de Martinho
Lutero, Zwingli e Calvino teriam sido uma boa indicação de quais nações
estariam qualificadas para a adoção da moeda comum europeia cinco
séculos mais tarde.
Obviamente, sob essa regra, a Alemanha teria entrado para a zona do euro, assim como a Dinamarca, a Suécia e a Noruega. É interessante registrar que a Suíça, financeiramente sólida, também faria parte do grupo. O mesmo aconteceria, ainda mais surpreendentemente, com o Reino Unido.
Irlanda? Espanha? Portugal? Itália? Não. Que dirá a Grécia, esse extremado país não ortodoxo, quando se trata de conduzir uma política econômica limpa e apropriada.
Lutero, se consultado em Maastricht, teria vetado imediatamente qualquer sugestão de incluir esses países. "Leia meus lábios: países católicos não reformados", teria pronunciado ele. A zona do euro, como resultado, teria resultado bem mais coesa - e a economia europeia teria herdado muito menos problemas.
Os casos interessantes, e possíveis exceções, a considerar no contexto da "Regra de Lutero", são a Áustria, a França e a Polônia. Os dois primeiros adotaram o euro, o último, ainda não, apesar de suas políticas fiscais e gestão econômica terem sido verdadeiramente notáveis. Seriam uma saudável adição à zona do euro.
No que diz respeito à Áustria e à Polônia, dois países verdadeiramente católicos, pode-se argumentar, é claro, que são as exceções que confirmam a regra. Mas também poderíamos dizer que eles, assim como a França, estão na vizinhança imediata do país base de Lutero, a Alemanha.
Localizados, como estão, na órbita direta da Alemanha, alguns observadores afirmam que a Alemanha simplesmente não deixou a seus vizinhos do sul, leste e oeste qualquer outra escolha, que impôs sua vontade sobre eles. Uma vez que isso é muito difícil de implementar (embora os alemães certamente tenham tentado repetidamente fazê-lo em eras passadas), a explicação mais provável é que essas três nações julgaram mais apropriado a seu autointeresse adaptarem-se a seu ambiente mais amplo. Católicos, talvez, mas com uma saudável dose do protestantismo fiscal.
O que ajudou ainda mais, sem dúvida, foi o exemplo positivo das nações ao norte da Alemanha, na Escandinávia e até mesmo nos Bálticos. Sem exceção, pequenas, mas de caráter fortemente protestante, essas nações deram a outros países maiores vizinhos à Alemanha, a confiança de que não é preciso ser grande para ter uma sólida política fiscal.
"Existem duas Itálias completamente distintas. Num campo, há o
velho Reino de Nápoles e as Duas Sicílias, de Roma para o sul. Ele
continua a ser um ralo corrupto. Depois, há outro campo, a Itália
setentrional, inclusive a Toscana, que é uma das mais bem administradas e
mais eficientes economias industriais no planeta."
E o que dizer sobre a Itália? Não há uma entidade única denominada Itália. Existem duas Itálias completamente distintas. Num campo, há o velho Reino de Nápoles e as Duas Sicílias, de Roma para o sul. Ele continua a ser um ralo corrupto. Depois, há outro campo, a Itália setentrional, inclusive a Toscana, que é uma das mais bem administradas e mais eficientes economias industriais no planeta. E são ambos católicos. Mario Monti aponta para o único caminho disponível para tirar a Itália de seu pântano que já dura meio século.
Como solucionar a charada? Simples. Considere-a como uma mescla do princípio biológico de adaptação. Apesar de as ideias de Lutero não terem conseguido fixar raízes nesses lugares, mesmo áreas predominantemente católicas como a Eslováquia, a Áustria e o norte da Itália adaptaram gradualmente os valores econômicos, a ética de trabalho e a integridade do doutor Lutero e de João Calvino. A França, tão orgulhosa de suas modernas raízes anticlericais, continua vivendo à altura das verdadeiras consequências autodisciplinantes dessa afirmação.
Isso faz de Martinho Lutero, hoje, um profeta fiscal de alta estatura na Europa tanto católica protestante. (Tradução de Sergio Blum).
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* Stephan Richter é editor-chefe do theglobalist.com e presidente do Centro de Pesquisas Globalist
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