ADEUS, REVOLUÇÃO
O herói alia-se à polícia para trazer a paz social de volta a Gotham City (Foto: divulgação)
O último filme da trilogia de Christopher Nolan opõe Batman às manifestações em Wall Street
O ator inglês Christian Bale veste bem os ternos Armani que simbolizam
os anos de prosperidade de Wall Street. Em 2000, no filme O psicopata americano,
ele foi o investidor yuppie Patrick Bateman. Narcisista e violento, o
personagem se tornou o símbolo perverso dos Estados Unidos do final dos
anos 1980, quando a prosperidade econômica do governo Ronald Reagan
impulsionava as Bolsas de Valores e produzia milionários da noite para o
dia.
Agora, com O cavaleiro das trevas ressurge,
que estreia no dia 27 nos cinemas brasileiros, Bale volta a vestir
ternos elegantes, mas num cenário econômico distinto. Na pele do
bilionário Bruce Wayne, ele depara com uma população inflamada pela
desigualdade social. Cidadãos ressentidos são atraídos pelo vilão Bane
(Tom Hardy), um terrorista carismático que alicia a multidão para seu
projeto de destruição de Gotham City com um discurso ao mesmo tempo
populista e intimidador. Sob o comando de Bane, a cidade vive uma
espécie de revolução criminosa, com julgamentos e execuções sumários,
expropriações e acerto de contas social.
A história fictícia tem correspondência no mundo real. Trata-se de uma
parábola dos embates sociais que se estenderam pelo fim do ano passado
no Parque Zuccotti, em Nova York, próximo a Wall Street – não por
coincidência, vizinho ao local escolhido para as filmagens. O personagem
Bruce Wayne, mesmo meio falido, faz parte do 1% de ricos e milionários
que foram alvo dos protestos Ocupe Wall Street. Os 99% excluídos de
Gotham ficam na sombra, assustados, ou se aliam aos criminosos que
dominam a cidade. Formam uma massa confusa e amorfa, que requer proteção
e comando. Batman, a sua maneira inarticulada e muscular, é o líder
conservador que detém a revolução e restaura a ordem. Um legítimo
representante da elite econômica e moral da cidade.
O conflito social é o motor do filme, o último de uma trilogia iniciada
em 2005. A nova Mulher Gato, interpretada por Anne Hathaway, veio de
baixo na pirâmide. Filha de operários, ela rouba e seduz milionários
idiotas, movida por um vago propósito social. Seu lema é fazer os
abastados se arrepender de seus excessos. “Ela se encaixa perfeitamente
em nosso universo de personagens sombrios”, disse a ÉPOCA a produtora
Emma Thomas, mulher do diretor Christopher Nolan. “Você nunca sabe de
que lado ela está.” Numa das cenas mais simbólicas do filme, durante um
baile de gala, ela encosta a boca vermelha e sensual no ouvido de Wayne e
sussurra: “Há uma tempestade chegando. Quando ela nos atingir, vocês
não entenderão como puderam viver com tanta largueza e deixar tão pouco
para o resto de nós”. A frase poderia ter saído de um poema militante de
Bertold Brecht. Para frear a avalanche criminosa e social, Batman, pela
primeira vez, se alia oficialmente à polícia. A mensagem é clara: o
Homem Morcego e a Justiça representam as forças capazes de vencer o mal,
encarnado pelo ativismo social.
Nolan, o diretor do filme, diz que sua principal influência para o roteiro foi o romance Um conto de duas cidades,
de 1859, do britânico Charles Dickens. O livro, ambientado na Revolução
Francesa de 1789, acompanha o impacto dos acontecimentos históricos
sobre a vida de personagens que pertencem a diferentes grupos sociais – o
aristocrata, o malandro, o miserável... As multidões, ora inflamadas,
ora submissas, conferem o pano de fundo contra o qual a trama se
desenrola. Da mesma forma, Nolan tentou fundir a complexidade das lutas e
dos interesses sociais aos dilemas morais e afetivos de seus
personagens. Em alguns momentos, com a ajuda de atores como Michael
Caine, Batmam ganha tons quase shakespearianos.
Com ele, Nolan se consagra como o diretor que melhor traduziu o
personagem dos quadrinhos para o cinema. Foi o único capaz de captar a
essência violenta e triste do Homem Morcego. Traz, ao mesmo tempo,
realismo e modernidade para suas histórias. Agora, com O cavaleiro das trevas ressurge,
ele acrescentou a isso tudo um toque de profundidade que o maniqueísmo
original dos quadrinhos não tinha. Um Oscar para premiar a trilogia, e
seu imenso sucesso comercial, não seria nenhuma surpresa.
A reinvenção de Batman
As inovações que fizeram da trilogia de Nolan um sucesso
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Mente-aberta/noticia/2012/07/um-heroi-para-os-ricos.html
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