Montserrat Martins*
Seu time é paulista e o técnico, gaúcho: aguarde e confie. Todo mundo
quer fórmulas assim, que funcionem. O Veríssimo chama de “teorias
unificadoras” aquelas que explicam tudo, tipo assim o bóson de Higgs, a
sua religião, a psicanálise, o marxismo. Precisamos de algo em que
confiar: “ideologia, eu quero uma pra viver”, já cantava o Cazuza.
Necessidade evocada em toda história da civilização, confira no livro
“100 Discursos Históricos” o que todas eras tem em comum: crises de
confiança.
Mesmo com Demóstenes cassado, o Congresso não é confiável. “Crise do
modelo representativo” é um nome técnico para coisas como voto secreto
no Congresso: secreto porque, se eles deveriam estar lá nos
representando? A alternativa é um modelo participativo, em que
controlemos mais quem enviamos para lá. Não podemos confiar, porque
depois de eleitos costumam ter compromissos com eles próprios, não mais
conosco.
Não ter políticos não é uma solução, mesmo que digam isso no
facebook, não acredite, nem que lhe passem um email desses que prometem a
cura do câncer, ou um e-mail de protesto que vai acabar com a
corrupção. Não confie, e-mails que prometem tudo só querem que você
repasse aos seus contatos – é vírus. “Quem não gosta de política é
governado por quem gosta”, ou melhor ainda, como dizia o Barão de
Itararé, “os vivos são governados pelos mais vivos”. Não temos escolha,
se omitir não é uma solução, se alguém tem de nos governar, é melhor
escolhermos bem. Mas confiar em quem?
Faz tempo que alguém se dizer de ‘direita’ ou ‘esquerda’ definia a
ideologia, conceito que se tornou muito elástico. O que é ideologia,
hoje ? Uma frase que pode virar “meme” já surgiu nos debates em Porto
Alegre: “Ideologia não é doença, não contamina”. Alianças e apoios
diversos se justificam com uma frase dessas, podemos confiar nela? Os
alemães confiaram em Hitler, os russos em Stalin, para citar só duas
ideologias que contaminaram como uma forma de doença mental e mataram
mais que muitas outras doenças.
“Teorias unificadoras” são simplificações para decifrar um mundo
complexo. Todos queremos bradar, acusar, apontar o dedo para alguém, “o
inferno são os outros”, já disse o Sartre. Mas aí nós é que nos tornamos
perigosos. Civilizar-se é conviver com diferenças – o oposto dos
totalitarismos – sem perder a identidade. Não podemos fugir, afinal, de
definir a nós mesmos, nossos valores. Nesse mundo confuso, complicado e
perigoso que é o Século XXI, precisamos de teorias capazes de conviver
com a complexidade, mantendo um mínimo de coerência.
Ícone da propaganda política, uma peça produzida em campanha
americana décadas atrás perguntava: “Você compraria um carro usado desse
sujeito?”. Confiança também é algo pessoal e intransferível, que não
cabe sempre em teorias abstratas. É perigoso cairmos na simples
“personalização” da política, mas isso não pode ser totalmente evitado.
Seria o mesmo que negar a subjetividade, resumindo tudo a fatos
objetivos que só aceitem uma interpretação.
Rogers observou que toda pesquisa científica “começa, se desenvolve e
é concluída por seres humanos: não existe uma entidade abstrata chamada
‘Ciência’ que está certa ou errada, existem somente pessoas que,
utilizando conhecimentos ditos científicos, podem estar certas ou
erradas”. Temos 90 dias, um pouco menos agora, para escolher em quem
confiar. É quase como escolher uma amizade, os publicitários sabem
disso, a TV está dentro das casas e os candidatos “pedem” para entrar,
para receber sua atenção. É difícil confiar, as pessoas tem muitos
amigos no facebook, mas poucos de verdade. No momento eu confio em times
paulistas com técnicos gaúchos, não no contrário.
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* Colunista do Portal EcoDebate, é Psiquiatra.
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/2012/07/13/confianca-artigo-de-montserrat-martins/
Imagem da internet
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