Marcelo Gleiser*
A ciência não é infalível, mas é o melhor método que temos para aprender como o mundo funciona
ARISTÓTELES E Peter Higgs entram num bar. Higgs, como sempre, pede o seu
uísque de puro malte. Aristóteles, fiel às suas raízes, fica com um
copo de vinho.
"Então, ouvi dizer que finalmente encontraram", diz Aristóteles,
animado. "É, demorou, mas parece que sim", responde Higgs, todo
sorridente. "Você acha que 40 anos é muito tempo? Eu esperei 23
séculos!" "Como é?", pergunta Higgs, atônito. "Você não acha que..."
"Claro que acho!", corta Aristóteles. "Você chama de campo, eu de éter. No final dá no mesmo, não?"
"De jeito nenhum!", responde Higgs, furioso. "O seu éter é inventado. Eu calculei, entende? Fiz previsões concretas."
"Vocês cientistas e suas previsões...", diz Aristóteles. "Basta ter
imaginação e um bom olho. Você não acha que o meu éter é uma excelente
explicação para o que ocorre nos céus?"
"Talvez tenha sido há 2.000 anos. Mas tudo mudou após Galileu e Kepler", diz Higgs.
Aristóteles olha para Higgs com desprezo. "Você está se referindo a esse 'método' de vocês, certo?"
"O método científico, para ser preciso", responde Higgs, orgulhoso. "É a
noção de que uma hipótese precisa ser validada por experimentos para
que seja aceita como explicação significativa de como funciona o mundo."
"Significativa? A minha filosofia foi muito mais significativa para mais
gente e por muito mais tempo do que sua ciência e o seu método."
"É verdade, Aristóteles, suas ideias inspiraram muita gente por muitos
séculos. Mas ser significativo não significa estar correto."
"E como você sabe o que é certo ou errado?", rebate Aristóteles. "O que
você acha que está certo hoje pode ser considerado errado amanhã." "Tem
razão, a ciência não é infalível. Mas é o melhor método que temos para
aprender como o mundo funciona", responde Higgs.
"Nos meus tempos bastava ser convincente", reflete Aristóteles com
nostalgia. "Se tinha um bom argumento e sabia defendê-lo, dava tudo
certo", continuou. "As pessoas acreditavam em você, mas não era fácil. A
competição era intensa!" "Posso imaginar", responde Higgs. "Ainda é
difícil. A diferença é que argumentos não são suficientes. Ideias têm
que ser testadas. Por isso a descoberta do bóson de Higgs é tão
importante."
"É, pode ser. Mas no fundo é só um outro éter", provoca Aristóteles.
"Um éter bem diferente do seu", responde Higgs. "E por quê?", pergunta
Aristóteles. "Pra começar, o campo de Higgs interage com a matéria
comum. O seu éter não interage com nada."
"Claro que não! Era perfeito e eterno", diz Aristóteles.
"Nada é eterno", rebate Higgs.
"Pelo seu método, a menos que você tenha um experimento que dure uma eternidade, é impossível provar isso!", afirma Aristóteles.
"Touché, você me pegou", admite Higgs. "Não podemos saber tudo."
"Exato", diz Aristóteles. "E é aí que fica divertido, quando a certeza
acaba." "Parabéns pela descoberta do seu éter", diz Aristóteles.
"Existem muitos tipos de éter", afirma Higgs. "E muitos tipos de bósons de Higgs", retruca Aristóteles.
"É, vamos ter que continuar a busca." "E o que há de melhor?", completa Aristóteles, tomando um gole.
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