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A
convite do autor, apresentei "O Tesouro Escondido", de José Tolentino
Mendonça. Aqui fica o texto sobre a fé num contexto de cínicos.
I.
O Tesouro Escondido reúne uma série de ensaios sobre a fé, num tempo em
que a fé é desprezada, num tempo em que a fé é pasto para gozação e cinismo.
São ensaios sobre a espiritualidade, sobre o caminho solitário e silencioso da
espiritualidade, num tempo em que a solidão e o silêncio são animais raríssimos
e desprezados. E, neste sentido, este é um livro de um guerreiro. O autor
empunha um sorriso e não uma espada, mas não deixa de ser um guerreiro. É um monge
guerreiro, à moda antiga. Apesar da sua doçura, apesar da ideologia
tolentina (a amizade, a concórdia, o trazer para junto de si quem
pensa de forma diferente), Tolentino Mendonça está em guerra com o tempo que
vivemos, está em guerra com aquela cultura pós-moderninha que se tornou
hegemónica. E logo no primeiro texto deste livro encontramos uma descrição
perfeita desta cultura pós-moderninha: é a cultura das "cascas de
cebola". É uma cultura sem um centro vital, que recusa a existência de uma
substância sólida no seu centro, e que diz que apenas existem interpretações,
pontos de vista, opiniões, emoções.
II.
Por outras palavras, estas "cascas de cebola" não passam de meros
jogos de palavras, feitos num universo gasoso, bem longe dos dilemas morais dos
homens. Representam a tal "viragem linguística" que acompanhou a
pós-modernidade: as angústias, os dilemas morais, as escolhas éticas que temos
de fazer deixam de ter substância, e passam a ser meras palavras. Tolentino
Mendonça ataca esta farsa. No fundo, Tolentino vem dizer-nos que isto de pensar
e de escrever não é só fazer joguinhos de palavras, não é só fazer joguinhos
estéticos e formais, não é só "opiniões" e "perspectivas". É
preciso defender qualquer coisa. É preciso representar qualquer coisa. É
preciso criar um castelo. E é defendê-lo. Como é óbvio, o castelo de
Tolentino Mendonça é a cristianismo. Por oposição às cascas pós-moderninhas, o
autor propõe a visão cristã do mundo, essa coisa que é imune a variações
históricas, de cultura, de ideologia ou classe.
III.
Num livro anterior, O Hipopótamo de Deus, a linguagem
era de Atenas; neste O Tesouro Escondido, o autor fala-nos com a
linguagem de Jerusalém. Mas a mensagem é a mesma: o "cristianismo
não é o parque jurássico", é algo vivo que tem uma mensagem permanente
a dar em todos os momentos históricos. E, neste momento histórico, aquilo que
mais preocupa Tolentino Mendonça é esta cultura pós-moderninha que pode ser
dividida em duas grandes faces: o cinismo e o individualismo extremo. Comecemos
pelo individualismo.
IV.
Numa das passagens mais bélicas do livro, Tolentino Mendonça diz-nos o
seguinte: "precisamos de passar de um entendimento egocêntrico
da oração para um entendimento teocêntrico". Ora, isto é o mesmo
que lançar um panzer contra o ar do tempo. Aqui, o autor já não tem um
sorriso. Tem a espada, e está a enfrentar o dogma central do nosso tempo: não,
o "eu" não é tudo. O mundo não começa nem acaba no "eu"; há
coisas superiores ao "eu", mais importantes do que as nossas opiniões
e emoções.
V.
A par do individualismo extremo do "eu", Tolentino
Mendonça está preocupado com o cinismo vigente. E há, de facto, uma cultura do
cinismo, do calculismo, que é um efeito das "cascas de cebola" já
discutidas. "Se tudo é mera interpretação, então para quê acreditar?",
eis o slogan cínico desta cultura. E assim, para o este engraçadismo
pós-moderno, tudo fica transformado numa pasta disforme. É tudo pasto para a
comédia cínica. Repare-se: não estou a dizer que existem coisas que
não podem ser gozadas. Para a sátira e crítica, nada existe de sagrado. Mas
vivemos num tempo em que a suposta sofisticação só está do lado de quem não
acredita em nada, de quem tudo transforma em brincadeira formal. E isso já não
é aceitável. Neste ambiente, as crenças são meros sacos-de-boxe. Parte-se do
pressuposto de que o crente é idiota ou louco, logo, a "fé" só
pode ser assunto para piadas, para textos gozões que ficam pela rama. Mais: a
fé e Deus só são tolerados quando aparecem numa forma cómica ou exótica, como
no episódio da chuva de sapos do filme "Magnólia". Quando a coisa
fica mais séria, as pessoas reagem mal. Por exemplo, hoje em dia, um filme como
"A Paixão de Joana D'Arc" de Carl T. Dreyer seria passado a ferro
pela crítica e pela opinião pública. Porque tem a violência da fé, ali em
carne viva. É contra estas preguiçosas "tentações do cinismo" que
Tolentino Mendonça nos alerta. O Tesouro Escondido é mesmo um livro
contra a máfia do cinismo que se instalou nos neurónios do nosso tempo.
Não se pode pregar a fé a estômagos vazios.Nem se pode adormecer o protesto com novenas.
A escrita hoje tem que ser um combate: pela justiça social, pela ditribuição equitativa da riqueza e dos recursos e pela dignidade do homem.
Cada vez mais quem escreve é chamado a intervir, a aproximar-se do homem,seu vizinho e seu próximo ,e dizer de que lado está.
A ecrita é assim uma TRINCHEIRA.E é nela que a palavra se deve afirmar,na defesa intransigente de uma moral quotidiana que levante quem está no chão, quem precisa de auxílio e de caminhar em frente.
Novos tempos,mas sempre a mesma ética e a mesma exigência na ponta da caneta.
A escrita hoje tem que ser um combate: pela justiça social, pela ditribuição equitativa da riqueza e dos recursos e pela dignidade do homem.
Cada vez mais quem escreve é chamado a intervir, a aproximar-se do homem,seu vizinho e seu próximo ,e dizer de que lado está.
A ecrita é assim uma TRINCHEIRA.E é nela que a palavra se deve afirmar,na defesa intransigente de uma moral quotidiana que levante quem está no chão, quem precisa de auxílio e de caminhar em frente.
Novos tempos,mas sempre a mesma ética e a mesma exigência na ponta da caneta.
OBS. do BLOG: Tenho comigo o LIVRO: O TESOURO ESCONDIDO, aqui na França, em Annecy. Uma preciosidade rara que me acompanha quando o francês me satura...
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Texto de Henrique Raposo (www.expresso.pt)
Fonte: http://expresso.sapo.pt/deus-e-a-mafia-do-cinismo=f632610
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