CLÁUDIA LAITANO*
No tempo em que instantâneo era só o Nescafé, visitar
um país pela primeira vez era como... visitar um país pela primeira vez.
Novidades tecnológicas eram assimiladas em ritmos diferentes, e o
intercâmbio de hábitos e gostos, quando acontecia, processava-se de
forma muito mais lenta e irregular. Hoje é possível viajar boa parte do
mundo comendo sempre os mesmos sanduíches, frequentando os mesmos
shoppings e ouvindo as mesmas músicas nos mesmos aparelhinhos – como se
morássemos todos na mesma gigantesca aldeia fofoqueira e previsível.
Eu tinha 19 anos e não conhecia nem São Paulo quando, em 1986, fui passar uma temporada estudando inglês e trabalhando como babá em San Francisco, na Califórnia. Meu saco de espantos transbordou já na primeira semana. Traquitanas que quase ninguém tinha por aqui já eram acessíveis para a classe média de lá (CD player, videocassete, computador...) e havia no ar um último sopro de guerra fria que dava a todos a sensação de que o mundo poderia acabar a qualquer momento – perigo que por aqui nunca tirou o sono de ninguém.
Como babá, meu primeiro estranhamento foi descobrir que as crianças americanas sentavam-se sempre no banco de trás do carro – presas, vejam só, por cintos de segurança. No Brasil, cinto de segurança era aquele negócio que todos os carros tinham e ninguém usava – e crianças não só sentavam no banco da frente do carro como, durante o veraneio, costumavam ocupar também o porta-malas, de preferência dividindo espaço com mais 12 primos.
Outra coisa que me chamava a atenção é que pais e filhos diziam-se “eu te amo” o tempo todo: antes de dormir, na hora de ir para a escola, ao telefone ou mesmo por motivo nenhum. Venho de uma família de origem italiana, barulhenta e afetuosa, e desfrutei de todos os mimos reservados para a única menina da casa, mas não lembro de ter ouvido sequer um “eu te amo” do meu pai ou da minha mãe enquanto eles viveram, nem nos momentos mais sagrados e solenes. Nunca me ocorreu que eles me amassem mais ou menos por isso – provavelmente porque qualquer tipo de amor, e o de pais e filhos mais do que todos, aparece antes em gestos, pequenos cuidados e carinhos do que propriamente nas palavras. O “eu te amo” é um pleonasmo ou não é nada.
Mais de 25 anos se passaram desde aquela minha primeira e inesquecível viagem rumo à idade adulta. Nesse período, usar cinto de segurança e colocar as crianças no banco de trás virou hábito, o videocassete entrou e saiu das casas e até os brasileiros começaram a se preocupar com o fim do mundo (ainda que por outros motivos). Mas uma das mudanças mais sutis de comportamento talvez tenha sido essa de, no intervalo de apenas uma geração, o “eu te amo” ter saltado dos filmes românticos para o dia a dia da maioria das famílias brasileiras. Crianças que passam o dia com babás ou em creches, falando ao celular com a mãe ou o pai no trabalho, são amadas com a urgência da confissão diária – e muitas delas crescem achando que o “eu te amo” é tão banal quanto um “bom-dia” ou um “obrigado”.
É bonitinho e não faz mal a ninguém, e talvez alivie mesmo um pouco a culpa e a saudade dos pais, mas continua valendo o que sempre valeu: o amor que se sente não é necessariamente aquele que se ouve.
Eu tinha 19 anos e não conhecia nem São Paulo quando, em 1986, fui passar uma temporada estudando inglês e trabalhando como babá em San Francisco, na Califórnia. Meu saco de espantos transbordou já na primeira semana. Traquitanas que quase ninguém tinha por aqui já eram acessíveis para a classe média de lá (CD player, videocassete, computador...) e havia no ar um último sopro de guerra fria que dava a todos a sensação de que o mundo poderia acabar a qualquer momento – perigo que por aqui nunca tirou o sono de ninguém.
Como babá, meu primeiro estranhamento foi descobrir que as crianças americanas sentavam-se sempre no banco de trás do carro – presas, vejam só, por cintos de segurança. No Brasil, cinto de segurança era aquele negócio que todos os carros tinham e ninguém usava – e crianças não só sentavam no banco da frente do carro como, durante o veraneio, costumavam ocupar também o porta-malas, de preferência dividindo espaço com mais 12 primos.
Outra coisa que me chamava a atenção é que pais e filhos diziam-se “eu te amo” o tempo todo: antes de dormir, na hora de ir para a escola, ao telefone ou mesmo por motivo nenhum. Venho de uma família de origem italiana, barulhenta e afetuosa, e desfrutei de todos os mimos reservados para a única menina da casa, mas não lembro de ter ouvido sequer um “eu te amo” do meu pai ou da minha mãe enquanto eles viveram, nem nos momentos mais sagrados e solenes. Nunca me ocorreu que eles me amassem mais ou menos por isso – provavelmente porque qualquer tipo de amor, e o de pais e filhos mais do que todos, aparece antes em gestos, pequenos cuidados e carinhos do que propriamente nas palavras. O “eu te amo” é um pleonasmo ou não é nada.
Mais de 25 anos se passaram desde aquela minha primeira e inesquecível viagem rumo à idade adulta. Nesse período, usar cinto de segurança e colocar as crianças no banco de trás virou hábito, o videocassete entrou e saiu das casas e até os brasileiros começaram a se preocupar com o fim do mundo (ainda que por outros motivos). Mas uma das mudanças mais sutis de comportamento talvez tenha sido essa de, no intervalo de apenas uma geração, o “eu te amo” ter saltado dos filmes românticos para o dia a dia da maioria das famílias brasileiras. Crianças que passam o dia com babás ou em creches, falando ao celular com a mãe ou o pai no trabalho, são amadas com a urgência da confissão diária – e muitas delas crescem achando que o “eu te amo” é tão banal quanto um “bom-dia” ou um “obrigado”.
É bonitinho e não faz mal a ninguém, e talvez alivie mesmo um pouco a culpa e a saudade dos pais, mas continua valendo o que sempre valeu: o amor que se sente não é necessariamente aquele que se ouve.
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* Jornalista. Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 28/07/2012
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