Volume de entrevistas e nova trilogia biográfica dimensionam ousadia e apuro técnico
do maior pintor britânico vivo
'Uma Mensagem Maior' sairá no Brasil neste ano, e 'Hockney', lançado em Londres, é primeiro de uma série
DE SÃO PAULO
David Hockney, 73, passou os últimos meses na cama, pintando
autorretratos. É um jejum depois da polêmica em torno de sua série de
paisagens monumentais mostrada na Royal Academy, em Londres, no começo
do ano.
Quando abriu a mostra que levou 600 mil visitantes ao museu londrino,
Hockney fez um cartaz em que afirmava que todos os quadros ali expostos
eram pintados por ele mesmo -o que muitos viram como ataque direto à
obra de Damien Hirst, 47, que usa assistentes na composição de suas
telas de bolinhas coloridas e de seus tubarões e bezerros em tanques de
formol.
Hockney e Hirst são hoje os artistas britânicos mais celebrados no
mundo, com a diferença de que Hockney é aclamado com quase unanimidade
pela crítica como o maior pintor vivo do país, enquanto Hirst é alvo de
ataques cada vez mais ferrenhos.
Não parece haver dúvida de que, seja lá o que Hockney estiver fazendo
agora, será tão ousado quanto suas singelas vistas de Yorkshire.
Num mundo às voltas com a desmaterialização da arte, trabalhos
engolfados pela tecnologia e um mercado que anseia pela próxima novidade
artística como espera um novo modelo de celular, Hockney voltou a um
tema clássico, com técnica tradicional.
Ele precisou de "quatro primaveras", nas palavras dele, para realizar a
série de pinturas que mostrou na Royal Academy, um gesto de audácia
contra a velocidade do mercado da arte, provando que o tema da paisagem
rural está longe de se esgotar.
ENFANT TERRIBLE
Dois livros lançados no Reino Unido tentam colocar Hockney em
perspectiva diante desse último episódio, lembrando ao mesmo tempo seu
papel de "enfant terrible" da arte britânica nos anos 1960, quando o
artista se mudou para uma ensolarada Los Angeles e decidiu pintar
garotos nadando em piscinas azuis.
Enquanto "Hockney", primeiro volume de uma trilogia escrita por
Christopher Simon Sykes, trata o artista como figura heroica, "Uma
Mensagem Maior - Conversas com David Hockney", que sai em novembro no
Brasil pela DBA, reúne entrevistas que o pintor concedeu a Martin
Gayford desde os anos 1990.
"Ele sempre esteve disposto a fazer mudanças drásticas na obra dele",
diz Gayford. "Suas fases mais interessantes foram os anos 1960 e agora,
com as paisagens inglesas."
Mas tanto as piscinas com vultos de seus amantes quanto as paisagens
primaveris e outonais de Yorkshire tratam da mesma coisa. "É sobre estar
sozinho", opina Gayford. "Toda a obra dele gira em torno de estar
sozinho neste mundo olhando para ele."
Numa das conversas do livro, Hockney diz não ter "certeza de que
conhecemos a aparência do mundo". Sua obra pode ser vista então como
exercícios visuais, tentativas de entender o mundo em toda sua
complexidade.
"Sou muito consciente da luz do sol, sensível à luz", diz Hockney em
entrevista a Gayford. "Aqui a luz muda a cada minuto. É preciso
descobrir como lidar com isso."
Nessa busca, Hockney chegou à conclusão de que a pintura de paisagem, um
gênero que precisa ser revisto, na opinião dele, seria a melhor arma
para aferir a luz solar.
"Ele está pintando algo muito fora de moda, um tema que foi abraçado por
artistas amadores", diz seu biógrafo, Christopher Simon Sykes. "Mas é
aí que está seu heroísmo. É um artista que nunca teve medo de nada."
Nem mesmo da tecnologia. Em sua mostra de paisagens, Hockney também exibiu uma série de vistas rurais que desenhou em seu iPad.
"Sem dúvida, as telas das piscinas são o ponto alto da carreira dele",
diz Sykes. "Mas há quem diga que suas paisagens de agora são as melhores
obras que fez na vida."
Em resposta, Hockney só diz estar interessado em imagens, hoje esquecidas pela arte. "O poder está nelas."
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Fonte: Folha on line, 23/07/2012
Imagens da Internet
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