Entrevista Don Tapscott
Autor canadense teme que falta de emprego para a geração atual,
conectada e preparada, possa levar a tumultos como os dos anos 1960
O canadense Don Tapscott sempre foi um grande entusiasta da internet e
das possibilidades de avanço que uma população conectada e acostumada
com as novas tecnologias traria.
Mas agora ele se mostra temeroso com um mundo em que a privacidade quase
não existe e em que a geração mais bem preparada que já tivemos está
sem possibilidade de emprego nos chamados países ricos (Europa e EUA).
"Se não conseguirmos reverter e sse problema, viveremos uma época de
grandes manifestações. Os eventos da década de 1960 parecerão coisas de
criança", afirma.
Tapscott, autor de livros como "Wikinomics - Como a Colaboração em Massa
Pode Mudar Seu Negócio" e "A Hora da Geração Digital - Como os Jovens
Que Cresceram Utilizando a Internet Estão Mudando Tudo, das Empresas ao
Governo", falou com a Folha após dar uma palestra no TED Global, evento sobre tecnologia e inovação que aconteceu no mês passado em Edimburgo, na Escócia.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha - O tema deste TED é abertura, troca de informações, principalmente on-line. Como fica a questão da privacidade?
Don Tapscott - Quando falamos em informação livre, em transparência, falamos de governos, de empresas, não do ser humano comum.
As pessoas não têm obrigação de expor seus dados, seus gostos. Ao
contrário, elas têm a obrigação de manter a privacidade. Porque a
garantia da privacidade é um dos pilares de nossa sociedade.
Mas vivemos num mundo em que as informações pessoais circulam, e essas
informações formam um ser virtual. Muitas vezes, esse ser virtual tem
mais dados sobre você do que você mesmo.
Exemplo: você pode não lembrar o que comprou há um ano, o que comeu ou
que filme viu há um ano. Mas a empresa de cartão de crédito sabe, o
Facebook pode saber.
Muitas pessoas defendem toda essa abertura, mas isso pode ser muito
perigoso por uma série de razões. Há muitos agentes do mal por aí,
pessoas que podem coletar informações a seu respeito para prejudicá-lo.
Muitas vezes somos nós que oferecemos essa informação. Por exemplo, 20%
dos adolescentes nos Estados Unidos enviam para as namoradas ou
namorados fotos em que aparecem nus.
Quando uma menina de 14 anos faz isso, ela não tem ideia de onde vai
parar essa imagem. O namorado pode estar mal-intencionado ou ser ingênuo
e compartilhar a foto.
E as informações que não fornecemos, mas que coletam sobre nós por meio da visita a websites ou pelo consumo?
Há dois grandes problemas. Um é o que chamo de Big Brother 2.0, que é
diferente daquela ideia de ser filmado o tempo todo por um governo. Esse
Big Brother 2.0 é a coleta sistemática de informações feita pelos
governos.
O segundo problema é o "little brother" -as empresas que também coletam
informações a nosso respeito por razões econômicas, para definir nosso
perfil e nos bombardear com publicidade.
Muitas empresas, como o Facebook, querem é que a gente forneça mais e mais informações sobre nós mesmos porque isso tem valor.
Às vezes, isso pode até ser vantajoso. Se eu, de fato, estiver
procurando um carro, seria ótimo receber publicidade de carros
diretamente. Mas e se essas empresas tentarem manipulá-lo? Podem usar
sofisticados instrumentos de psicologia para motivá-lo a fazer alguma
coisa sobre a qual você nem estava pensando.
O que podemos fazer para evitar isso?
Precisamos de mais leis sobre como essas informações são usadas. É
necessário ficar claro que os dados coletados serão usados apenas para
um propósito específico e que esse conjunto de dados não pode ser
vendido para outros sem a sua permissão.
O sr. sugere criar uma estratégia pessoal para manter a privacidade. Como construí-la?
Na questão do consumo, não tenha esses cartões de fidelidade de lojas e
supermercados, por exemplo, que definem um perfil de compras. Eu não
tenho. Na internet, não permita os "cookies". Algumas pessoas falam que é
impossível manter a privacidade. Digo que é. Isso é uma questão de
escolha.
O sr. escreveu sobre a "net generation", pessoas que nasceram nessa
era multiconectada e que estariam mais preparadas para o mundo atual do
que os mais velhos. Ao mesmo tempo, essa geração está sem emprego nos
países ricos. Não é um contrassenso ter uma geração tão preparada e sem
oportunidade?
Sim. Nós dissemos para as pessoas dessa geração: estudem, evitem
problemas e vocês terão um futuro brilhante. Não foi o que aconteceu.
Hoje temos a geração mais preparada de todos os tempos em busca de
trabalho num mundo sem empregos.
Na Espanha, mais de 50% dos jovens estão desempregados. O problema é parecido em outros países.
Isso é uma fórmula para grandes distúrbios em escala global. Acredito
que vamos ver isso. Há duas semanas, houve manifestações em Québec, no
Canadá. Foram as maiores manifestações de jovens na história do país.
Protestavam contra mensalidades do ensino superior. Mas há algo mais
profundo. Os jovens não estão felizes com o mundo atual.
Qual será a consequência dessa geração sem emprego?
Será uma geração de radicais, de revolucionários se a gente não resolver
esse problema. As demonstrações pelo mundo farão os acontecimentos dos
anos 1960 parecerem coisas de criança.
O sr. parece bem pessimista...
Não. Sou até otimista. Acho que o futuro não é algo que se possa prever,
mas algo que precisamos construir, alcançar. Acho que há muita coisa
que podemos fazer para transformar o mundo em algo melhor.
Raio-X - Don Tapscott, 65
Especialista em inovação e no impacto social da tecnologia
CARREIRA
Professor da Universidade de Toronto e membro do Fórum Econômico Mundial, escreveu 14 livros
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Reportagem por VAGUINALDO MARINHEIRO ENVIADO ESPECIAL A EDIMBURGO
Fonte: Folha on line, 22/07/2012
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