Yan Samuell diz que fez A Guerra dos Botões como reação ao consumismo
Yan Samuell já trabalhava há bastante tempo no projeto
de adaptação de A Guerra dos Botões, quando outra empresa produtora da
França anunciou que também ia fazer sua versão do livro famoso de Louis
Pergaud. 'Eles' - os outros - pressionaram por salas e datas. Tinham
mais dinheiro, mas o filme de Samuell teve mais público - e melhores
críticas. De Paris, por telefone, o diretor explica por que A Guerra dos
Botões virou tão importante para ele.
Desde a primeira versão de Yves Robert, em 1960, houve mais três. Como explica o interesse por A Guerra dos Botões?
De minha parte, e só posso falar por mim, quis fazer o filme como uma
reação. Você vai perguntar a quê? Tenho filhos, e tentei criá-los, não
exatamente do mesmo jeito que fui criado, mas estimulando a leitura, as
brincadeiras, o companheirismo. Percebo hoje na França, e imagino que no
Brasil não seja muito diferente, que a infância está sendo roubada das
crianças. Laptop, videogames, tênis de grife. A garotada hoje em dia
representa um segmento do consumo. E, para se preparar para o mercado de
trabalho, é preciso sobrecarregá-las com cursos. Nada da deliciosa
vadiagem de jogar bolinhas de gude na praça, de participar da guerra dos
botões. Pode haver algo de nostalgia nisso, mas fiz A Guerra dos Botões
em defesa da infância de meus filhos e netos.
O filme de Yves Robert virou clássico, e em plena nouvelle vague, mesmo sendo contra a corrente daquela época. A que se devia isso?
A nouvelle vague estabeleceu um modelo de produção, um método de
realização. Seus diretores quase não trabalhavam com adaptações, exceto
muito livres. Creio que a ousadia de Yves (Robert), naquele momento, foi
que ele, usando seu prestígio de ator, trouxe figuras conhecidas, em
pequenos papéis, contracenando com garotos que nem eram profissionais. E
Yves captou o encanto do livro, seu espírito libertário.
Foi difícil encontrar os garotos para os papéis?
Tão difícil quanto encontrar a cidadezinha, na região de Limoges, e
assim mesmo tivemos de maquiá-la para dar o aspecto correto de época. O
elenco infantil me tomou um ano. Convivi muito com os garotos. Até hoje
trocamos e-mails, estou no Facebook de quase todos, sou o 'tio'
confidente.
Seu filme estreia no Brasil com o novo Homem-Aranha. O que acha disso?
Meus garotos não são super-heróis, mas são heróis das próprias vidas.
E o processo de amadurecimento, a transformação do garoto em homem, que
já estava na trilogia de Sam Raimi, é essencial na vida de qualquer um.
Alguns chegam lá, outros permanecem infantis.
O irmão que volta da guerra não havia no filme de Robert. É coisa sua?
Também não existe no livro. Num filme sobre uma guerra de mentira,
que atravessa gerações de combatentes em duas cidadezinhas, achei que
valeria colocar o sobrevivente de uma guerra de verdade. Tenho muito
orgulho da cena, e do personagem. Cria uma metáfora forte.
Seu filme estreia na mesma época de O Pequeno Nicolas, há dois anos.
Visa ao mesmo público infantil, em férias. Isso lhe diz alguma coisa?
Os personagens são crianças, temos a vida no bairro, como a da
pequena cidade. Mas são diferentes. Achei Nicolas bem produzido, com
muita coisa bonita, mas me decepcionou que puxasse tanto para o
realismo. Queria que tivesse mais do espírito de Goscinny e Sempé.
Estranho, porque seu filme confere um peso grande aos adultos, não?
Entendo que possa parecer contraditório, face ao que disse, mas o
livro de Pergaud já tem 100 anos. Mesmo quando reproduz o universo
infantil, é mais realista. Quis respeitá-lo.
E a menina integrada ao grupo?
A condição da mulher mudou nas últimas décadas. Achei que o filme tinha de refletir isso.
----------
Reportagem por LUIZ CARLOS MERTEN - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão on line, 09/07/2012
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário