Ives Gandra da Silva Martins*
O eleitor avaliava os candidatos por aquilo que eram,
sem a intervenção de marqueteiros
Em 1962, presidi o diretório metropolitano do Partido Libertador
tendo, com o apoio da direção nacional (deputado Raul Pilla e senador
Mem de Sá), vencido as eleições para dirigi-lo em São Paulo. Apenas
deixei a política definitivamente em 1965, quando da edição do Ato
Institucional nº 2, que extinguiu os partidos existentes, criando dois
conglomerados (Arena e MDB).
Naquele ano, foi instituído o horário gratuito. O primeiro programa
abriu a discussão quanto a devermos ou não continuar com o
parlamentarismo de ocasião, então vigente, ou voltar ao
presidencialismo. Participei desses programas criticando o
presidencialismo –o PL era o único partido favorável ao regime
parlamentar–, mas tecendo críticas também ao desfigurado sistema
parlamentar brasileiro. Aconselhei o eleitor a não dizer naquele
plebiscito nem sim nem não, mas “talvez”.
No ano seguinte, apresentei 60 candidatos a vereador, depois de ter
criado uma comissão com professores universitários para aferir os
predicados culturais e o conhecimento de política nacional do candidato,
além de, mediante pesquisas paralelas, sua idoneidade.
Como à época os candidatos exibiam-se ao vivo durante as
programações, os do PL foram aqueles que tiveram maior participação,
pois mais habilitados a expor suas ideias, segundo o programa elaborado
pelo partido. Abreu Sodré até chegou a brincar comigo, afirmando que eu
queria fazer do PL uma academia, e não um partido político.
De último colocado nas eleições anteriores, conseguimos formar a
terceira bancada, perdendo apenas para o PSP, de Adhemar de Barros, e
para a UDN, do próprio Sodré.
É que o eleitor avaliava os candidatos por aquilo que eram, sem a
intervenção de marqueteiros. Cheguei a presidir um colégio de
presidentes dos diretórios metropolitanos dos diversos partidos, na luta
contra as emissoras de TV, para garantir a exibição de nossos programas
em horários nobres, tendo recebido o apoio do presidente do Tribunal
Regional Eleitoral, desembargador Euler Bueno.
Os programas se justificavam, então. Hoje, não. Os horários gratuitos
transformaram-se numa indústria de marqueteiros, em que o que de menos
verdadeiro existe é a imagem que criam de seus candidatos, todos eles
predestinados, por sua “honestidade, competência, descortínio, cultura e
inteligência”, a se transformar, se eleitos, em grandes figuras da
história do país.
A cinematografia dos programas gratuitos é de tal ordem, que qualquer
candidato ganha perfil de herói dos personagens de filmes
hollywoodianos, que nada têm a ver com os artistas que os encenam. Assim
são apresentados os candidatos produzidos por tais manipuladores da
opinião pública, com o objetivo de conquistar o eleitor, pouco
importando se aquele retrato é verdadeiro ou não, pois o que interessa é
passar a “boa imagem” de seu contratado ao cidadão desprevenido, para
que ganhe a eleição.
Por esse motivo, defendo que tais horários –que interferem na decisão
de considerável parte dos eleitores– voltem a ter a característica de
seus primeiros tempos, quando os candidatos apresentavam-se ao vivo e se
mostravam como eram, sem a participação dos manipuladores de imagens
eleitoreiras.
À evidência, não sou contra o trabalho de tais especialistas, desde
que atuem na produção de novelas ou filmes ou em qualquer outra
atividade que gere distração ao público. Mas, decididamente, não aprovo
que utilizem sua técnica para influenciar o eleitor, criando fotografias
“alcandoradas” de candidatos a fim de transformar a realidade numa
triste fantasia. Esse procedimento deságua na eleição de pessoas que, no
exercício do poder, têm provocado decepção e desesperança no espírito
do eleitor brasileiro, que não confia nos políticos eleitos.
É matéria a ser meditada, principalmente pela Justiça Eleitoral.
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* Prestigiado jurista brasileiro, Ives Gandra da Silva Martins é advogado
tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie e professor
honoris causa do Centro Universitário FIEO. É membro da Academia
Paulista de Letras e da Ordem dos Advogados, secção de São Paulo. Em
2005, protagonizou um documentário dirigido por José Sales Neto.
Formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e fez
doutorado também em direito pela Universidade Mackenzie.
Fonte: Folha de S.Paulo, 02/09/2014.
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