Ralph
Waldo Emerson (1803-1882) sintetizou o que nem poderia, talvez, ser
sequer agrupado. Ele aprendeu Platão com gosto. Fez Nietzsche e seu
antípoda Rousseau beberem o mesmo leite que imaginava poder dar ao
americano. Esse leite deveria resguardar a sociedade americana, já em
ritmo de democracia de massas, a não perder seu individualismo criador.
Emerson colocou todas as suas fichas nisso.
Ele pode ser visto como um Rousseau, que
fala do poder do coração sincero e natural como base para um eu
criativo autoconfiante e decisivo. Mas fala como Nietzsche ao
deslocar-se para fora do rebanho. Sua palavra é cortante em relação ao
grande pasto na qual a América poderia ser identificada, e que em parte,
hoje, nos a vemos: “Não espereis de mim mostrar o motivo por que
procuro ou por que rejeito companhia. Tampouco me venhais dizer, como um
bom homem o fez hoje, da minha obrigação de colocar todos os pobres em
boa situação. Eles são meus pobres?”[1]
Com essas palavras aparentemente duras,
como Nietzsche, Emerson jamais quis fazer de seu coração ou do coração
de qualquer americano um tanque de pedras. Ao contrário, ele desconfiava
dos que, montados em sociedades de assistência, praticavam a bondade
oficial. De perto, poderiam ser vistos como donos da selvageria em casa
quando fora dela eram homens de tamanha bondade que, enfim, obrigavam
outros a se amanteigar como doadores. Participar do rebanho, ainda mais
por esse tipo de constrangimento, não faria ninguém autoafirmativo e
criativo, pensava Emerson.
Emerson levou a cabo o que também Nietzsche ergue como bandeira: a luta contra a humildade.
Os chamados homens de boa ação não
seriam outra coisa senão os que vivem para a expiação. Fazem da vida um
espetáculo, não um desdobrar chamado viver. Estão de tal modo seguindo
as determinações da “boa sociedade” que são incapazes de qualquer gesto
espontâneo. Por isso mesmo ele elencou o que seriam os “ídolos”, no
sentido de Bacon, capazes de causar grandes carências e fazer o homem
sucumbir.
Em primeiro lugar apontou para os
copistas e imitadores de pessoas de seitas. Estes são os que nunca
conseguem proferir uma palavra nova e espontânea. Em segundo lugar, os
que tremem ao pensar em dissidência, pois se amedrontam diante da
resistência do mundo, da desaprovação da multidão. Em terceiro lugar, o
terror de ser acusado de incoerente, como se isso fosse o passo inicial
para não ser entendido ou levado a sério, e então não mais agradar.
Diante desses três “ídolos”, aquele que
sucumbisse, certamente não iria ser outro na América senão aquilo que,
mais tarde, realmente apareceu: o indivíduo cuja individualidade existe
não mais como elemento liberal e libertário, mas como o mais soterrado
conservador, o Maria-vai-com-as-outras. Nenhuma semente de inconformismo
teria sobrado em um homem assim, de modo que seria difícil dizer que
ali ainda restaria um homem.
Emerson é o filósofo para leitores
inteligentes. O néscio o leria como quem estaria a favor de um regime
político de massacre à vida democrática, um chute conservador no
traseiro da evolução moral da sociedade e, então, um desdém pelos
infortúnios alheios. Talvez o néscio fascistóide acredite até que
haveria aí, em Emerson, o germe do super-homem da raça ariana. Há quem
até se ache filósofo lendo também Nietzsche assim. Nem sempre um
conservador consegue ser minimamente inteligente.
Mas, um leitor inteligente, logo percebe
o quanto Emerson está comprometido com uma América democrática, mas de
modo altivo, não rastejante: “lamentai as calamidades, se podeis com
isso ajudar aquele que sofre; se não, cuidai de vosso trabalho e já o
mal começará a ser reparado”. Pois “o segredo da fortuna é o
contentamento em nossas mãos. Eternamente bem vindo de deuses e homens é
o homem que sabe ajudar-se a si próprio”. [2]
Refletir sobre essas últimas palavras
dariam, para o leitor inteligente, a verdadeira dimensão do pensamento
de Emerson, e um rumo próprio para sabermos que ainda a realizado do
indivíduo como indivíduo não é um projeto perdido.
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* Paulo Ghiraldelli, 57, filósofo
[1] Emerson, R. W. Autoconfiança. In: Ensaios. Imago, 1994, p. 41.
[2] Idem, ibidem, p. 57.
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/emerson/21/09/2014
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