segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Emerson para os não néscios

Emerson para os não néscios
Ralph Waldo Emerson (1803-1882) sintetizou o que nem poderia, talvez, ser sequer agrupado. Ele aprendeu Platão com gosto. Fez Nietzsche e seu antípoda Rousseau beberem o mesmo leite que imaginava poder dar ao americano. Esse leite deveria resguardar a sociedade americana, já em ritmo de democracia de massas, a não perder seu individualismo criador. Emerson colocou todas as suas fichas nisso.

Ele pode ser visto como um Rousseau, que fala do poder do coração sincero e natural como base para um eu criativo autoconfiante e decisivo. Mas fala como Nietzsche ao deslocar-se para fora do rebanho. Sua palavra é cortante em relação ao grande pasto na qual a América poderia ser identificada, e que em parte, hoje, nos a vemos: “Não espereis de mim mostrar o motivo por que procuro ou por que rejeito companhia. Tampouco me venhais dizer, como um bom homem o fez hoje, da minha obrigação de colocar todos os pobres em boa situação. Eles são meus pobres?”[1]

Com essas palavras aparentemente duras, como Nietzsche, Emerson jamais quis fazer de seu coração ou do coração de qualquer americano um tanque de pedras. Ao contrário, ele desconfiava dos que, montados em sociedades de assistência, praticavam a bondade oficial. De perto, poderiam ser vistos como donos da selvageria em casa quando fora dela eram homens de tamanha bondade que, enfim, obrigavam outros a se amanteigar como doadores. Participar do rebanho, ainda mais por esse tipo de constrangimento, não faria ninguém autoafirmativo e criativo, pensava Emerson.

Emerson levou a cabo o que também Nietzsche ergue como bandeira: a luta contra a humildade.

Os chamados homens de boa ação não seriam outra coisa senão os que vivem para a expiação. Fazem da vida um espetáculo, não um desdobrar chamado viver. Estão de tal modo seguindo as determinações da “boa sociedade” que são incapazes de qualquer gesto espontâneo. Por isso mesmo ele elencou o que seriam os “ídolos”, no sentido de Bacon, capazes de causar grandes carências e fazer o homem sucumbir.

Em primeiro lugar apontou para os copistas e imitadores de pessoas de seitas. Estes são os que nunca conseguem proferir uma palavra nova e espontânea. Em segundo lugar, os que tremem ao pensar em dissidência, pois se amedrontam diante da resistência do mundo, da desaprovação da multidão.  Em terceiro lugar, o terror de ser acusado de incoerente, como se isso fosse o passo inicial para não ser entendido ou levado a sério, e então não mais agradar.

Diante desses três “ídolos”, aquele que sucumbisse, certamente não iria ser outro na América senão aquilo que, mais tarde, realmente apareceu: o indivíduo cuja individualidade existe não mais como elemento liberal e libertário, mas como o mais soterrado conservador, o Maria-vai-com-as-outras. Nenhuma semente de inconformismo teria sobrado em um homem assim, de modo que seria difícil dizer que ali ainda restaria um homem.

Emerson é o filósofo para leitores inteligentes. O néscio o leria como quem estaria a favor de um regime político de massacre à vida democrática, um chute conservador no traseiro da evolução moral da sociedade e, então, um desdém pelos infortúnios alheios. Talvez o néscio fascistóide acredite até que haveria aí, em Emerson, o germe do super-homem da raça ariana. Há quem até se ache filósofo lendo também Nietzsche assim. Nem sempre um conservador consegue ser minimamente inteligente.
Mas, um leitor inteligente, logo percebe o quanto Emerson está comprometido com uma América democrática, mas de modo altivo, não rastejante: “lamentai as calamidades, se podeis com isso ajudar aquele que sofre; se não, cuidai de vosso trabalho e já o mal começará a ser reparado”. Pois “o segredo da fortuna é o contentamento em nossas mãos. Eternamente bem vindo de deuses e homens é o homem que sabe ajudar-se a si próprio”. [2]

Refletir sobre essas últimas palavras dariam, para o leitor inteligente, a verdadeira dimensão do pensamento de Emerson, e um rumo próprio para sabermos que ainda a realizado do indivíduo como indivíduo não é um projeto perdido.
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* Paulo Ghiraldelli, 57, filósofo

[1] Emerson, R. W. Autoconfiança. In: Ensaios. Imago, 1994, p. 41.
[2] Idem, ibidem, p. 57.

Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/emerson/21/09/2014

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