sexta-feira, 12 de setembro de 2014

FELICIDADE

 Alberto Villas*
 
A felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor. Brilha tranquila, depois de leve oscila e cai como uma lágrima de amor. Quem disse e cantou isso um dia não fui eu, claro, foi Vinicius de Moraes, nosso poetinha, parceiro de Tom.

Assistindo ao programa Roda Viva dia desses, deparei com a escritora Martha Medeiros falando sobre o assunto. Indagada por um jornalista que queria saber dela, uma opinião sobre essa onda de felicidade no Facebook, no Twitter e no Instagram, ela meio desconcertou o entrevistador.
Nas redes sociais, quase todo mundo é feliz. Quando não está comendo um belo prato num restaurante charmoso, está dentro de um avião preparando-se para decolar e viver dias de férias, de plena alegria. As pessoas exibem-se felizes em Paris, em Londres, em Nova York, em Praga ou numa praiazinha escondida lá no interior de Alagoas, não importa. É só felicidade!

É a foto de um bebê fofo, do gatinho fazendo graça, da vovozinha fazendo noventa e tantos anos, da turma reunida na mesa de um bar levantando uma rodada de chope, todo mundo com uma cara ótima. De felicidade.

Muita gente não entra no Face exatamente por isso, acha que é pura ostentação e, muitas vezes, fingimento, enganação ou mentira. Essas pessoas não acreditam que tem tanta gente feliz ao redor e que, pensando bem, a vida não é tão bela assim.

Martha Medeiros não deu muita corda pro entrevistador e disse mais ou menos o seguinte. Quando você sai de casa, não coloca uma roupa bacaninha? Quando vai fazer uma foto, que seja uma 3X4 para um documento qualquer, você não dá aquela ajeitadinha no cabelo? Todo mundo quer sair bem na foto, não é mesmo? Sempre foi assim.

Quando chama os amigos para um jantar em casa, você não prepara aquele prato delicioso, o melhor que sabe fazer? Isso não é de hoje.

Quando a gente viajava e ainda levava aquele monte de filmes Kodrachrome de 36 poses, não procurava sempre fazer uma foto bacana pra mostrar na volta? Por menos original que fosse, tipo a Torre Eiffel ou o Big Ben ao fundo, você não caprichava no foco antes de dar o clique? Isso quando não ficava trocando de blusa de frio todo dia pra não sair igual em todas as fotografias.

Agora é a mesma coisa. Só que existem canais  para você exibir os seus dotes, os seus prazeres. É claro que alguém sente inveja mesmo. Quando entra no Instagram uma foto do seu amigo tomando um copão da cerveja Delirium Tremens à beira do Danúbio, em plena segunda feira à tarde e você aqui ralando, não dá aquela vontade de dizer puta merda?

- Poxa vida, eu aqui na firma e o Eduzinho curtindo o verão europeu, bebericando uma Delirium à beira do Danúbio!

Ainda bem que resta um cantinho da felicidade nas redes sociais, nesse mundo bombardeado de notícias ruins, não é mesmo? Se um dia o Tom cantou que a felicidade é como a gota de orvalho numa pétala de flor, Lupicínio Rodrigues, coitado, com aquela eterna dor de cotovelo, cantou que a felicidade foi-se embora e a saudade no peito ainda mora.

Se as pessoas andam meio exibidas, pouco importa. Vamos torcer pela felicidade geral da nação e pronto. Hoje cedo eu estava ouvindo o CD que o Marcelo Camelo gravou em Portugal com a Mallu Magalhães e parei numa música que diz assim:

A melhor viagem é seguir a trilha que eu abri
Eu me achei no colo do meu par
A melhor parte de mim eu acabei de descobrir
E se perguntarem por mim
Diga que estou ótima

Fiquei feliz em saber que a Mallu Magalhães esta ótima. Agora, se alguém perguntar por mim, dou uma de Zé Keti e digo que fui por aí, levando o violão debaixo do braço e que em qualquer esquina eu paro, em qualquer  botequim eu entro. Se houve motivo é mais um samba que eu faço. Agora, se quiserem saber se volto diga que sim, mas só depois que saudade se afastar de mim.
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* Jornalista e escritor, acaba de lançar o seu sexto livro pela Editora Globo: “A Alma do Negócio” 
FONTE: Carta Capital online, 11/09/2014 
Imagem da Internet

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