Treze anos depois do ataque da al-Qaeda ao World Trade
Center, as ameaças terroristas mudaram. Em 2001 não havia Twitter,
Facebook ou iPhone. Agora, as "comunicações" dos jihadistas deixam a
anos-luz as gravações em grutas perdidas protagonizadas por Bin Laden. O
que os militantes do Estado Islâmico fizeram foi utilizar artefactos
dos media modernos para fins medievais, escrevia há dias o "New York
Times".
Quando foi noticiado na semana passada o
desaparecimento de 11 aviões comerciais do aeroporto internacional de
Trípoli, a proximidade do 11 de setembro fez soar alarmes. As
autoridades norte-americanas relembraram de imediato, através do site
noticioso "The Washington Free Beacon", o que era possível fazer com
aviões comerciais sequestrados.
Como em todos os aniversários do ataque às torres
gémeas, a vigilância aperta e o frenesim dos serviços secretos
ultrapassa a imaginação dos cidadãos comuns. O mundo mudou, ou a maneira
como se vive mudou. E a verdade é que até Barack Obama concorda, como
ficou claro numa observação que fez numa ação de angariação de fundos do
Partido Democrata em Nova Iorque, cuja inconveniência foi comentada à
saciedade. Referindo-se às múltiplas agressões que sobem de tom por todo
o mundo, incluindo a difusão na internet dos vídeos das decapitações
dos dois jornalistas norte-americanos (James Foley e Steven Sotloff)
pelos militantes do Estado Islâmico (EI), o Presidente dos Estados
Unidos disse: "Vendo os jornais televisivos parece que o mundo está a
desfazer-se".
Tentando tranquilizar os americanos que possam
sentir-se assustados e indefesos, Obama garantiu que "o mundo sempre foi
uma confusão". A diferença deve-se agora em parte, acrescentou o
Presidente, ao facto de darmos por isso, através das redes sociais e da
capacidade de observarmos até ao íntimo detalhe as dificuldades por que
passam as pessoas.
As reações não se fizeram esperar, denunciando a opção
de Barack Obama por matar o mensageiro - ou seja, os media - em vez de
reconhecer que cada época conheceu os seus meios de difusão. Provam-no a
chegada ao mundo da notícia dos massacres de My Lai ou dos abusos de
Abu Ghraib.
O que os militantes do Estado Islâmico fizeram foi
utilizar artefactos dos media modernos para fins medievais, escrevia-se
numa coluna de opinião do "New York Times" (NYT) intitulada "Semear medo
explorando as redes sociais", na qual se defendia ainda que os vídeos
divulgados pelos extremistas servem de propaganda e de máquina do tempo,
ao tentarem apagar séculos de civilização e sugerindo que o almejado
califado está a florescer e que o sangue é uma moeda barata.
Eficácia e sofisticação
As extensas e pormenorizadas análises aos dois vídeos
lançados na internet com as execuções de James Foley (19 de agosto) e de
Steven Sotloff (2 de setembro) sublinham antes de mais a sofisticação
de produção de que gozam os "materiais de comunicação" do Estado
Islâmico. Ao serviço da propaganda ideológica, propagação incendiária do
medo, e fazendo ao mesmo tempo uma recruta discreta, as "comunicações"
do EI deixam a anos-luz de distância as toscas gravações em grutas
perdidas divulgadas pela al-Qaeda e protagonizadas por um Osama Bin
Laden nada estrelar nem sofisticado. Uma personagem tutelar, isso sem
dúvida, e com quem os seguidores poderiam sentir-se identificados, mas
com a qual seria difícil imaginar partilhar um quotidiano de práticas
sangrentas.
A ameaça contida nas mensagens da al-Qaeda estava longe
de ter este caráter de série que o Estado Islâmico usa: cada execução
tem nome de episódio ("Uma mensagem para a América", chamava-se o vídeo
da execução de Foley, e "Outra mensagem para a América", para o vídeo da
de Sotloff) e termina com a apresentação da vítima seguinte, a últimas
das quais um jornalista britânico que é exibido após a morte de Sotloff,
tal como este o tinha sido após a morte de Foley.
Novos métodos, a mesma determinação
Uma das grandes diferenças entre os atos terroristas
que atiraram dois aviões sequestrados contra as torres gémeas de
Manhatan, surpreendendo o mundo em direto na televisão (que estava longe
de estar a experimentar as suas primeiras formas), e os atuais é a
imediatez da "notícia", se quisermos. As redes sociais são o veículo,
com o Twitter à cabeça.
Outra coluna de opinião do NYT, intitulada "É a III
Guerra Mundial ou apenas o Twitter?" cita o presidente do Los Angeles
World Affairs Council, Terry MacCarthy, a propósito do que o Presidente
Obama resumiu como "o mundo que sempre foi uma confusão": "A decapitação
de jornalistas americanos pelo EI, a lapidação de um homem em Mossul,
minorias ameaçadas com genocídio não é 'a confusão do costume' - está a
brincar comigo? É uma abominação face à humanidade, seja qual for o meio
por que sejam reportadas e precisa da nossa atenção e da dos nossos
aliados" o mais urgentemente possível.
O anfitrião do Global Public Square, o fórum de debate
da CNN mais conhecido por GPS, foi convidado desta semana de outro
gigante mediático, o Night Show, com outro anfitrião de peso, Jon
Stewart. A conversa versava os métodos do Estado Islâmico e Stewart
perguntava a Fareed Zakaria "porquê publicar imediatamente nas redes
sociais as atrocidades que acabaram de se cometer?". Zakaria resumia
assim, mantendo com alguma dificuldade o registo de humor que é imagem
de marca do programa: porque demonstra poder, faz propaganda e leva os
outros a quererem seguir o grau de eficácia daquele modo demonstrado.
Quem beneficia com a difusão das imagens via Twitter
das execuções em massa levadas a cabo no Iraque? Com a difusão do
recrutamento de ocidentais para a guerra santa, nalguns casos ordenados a
regressarem aos países de origem para a continuarem? A autora Soraya
Sephapour-Ulrich, num texto publicado pelo Global Research do Canadá,
fala do efeito de indução de medo identificando-o com o equivalente ao
gerado pelo lançamento de prospetos, em 1991, com textos para encorajar
os soldados iraquianos a desertar. Como serve, defende, para "lubrificar
a máquina de guerra" dos diferentes grupos no terreno. Além disso, a
autora defende que este mesmo medo de retorno da jihad a países como o
Reino Unido, Alemanha, Bélgica, França, Espanha, Noruega ou Portugal
pode servir também para fechar as portas dos países ocidentais a
refugiados. Tal como aconteceu "com os intérpretes iraquianos que
ajudaram as forças aliadas", lembra Sephapour-Ulrich, defendendo que
esta é uma forma de virar as costas a quem tentar escapar à situação que
considera ter sido "criada pelo mundo livre e civilizado e seus
aliados".
"Até ao 11 de setembro de 2001, ninguém tinha ouvido
falar de Osama Bin Laden. O que é hoje novidade é o efeito provocado
pelo convívio permanente com estes assuntos a nível global: tornou-se um
conceito público", diz ao Expresso Raffaello Pantucci,
investigador de um "think tank" britânico dedicado a contraterrorismo,
entre outros assuntos - o Royal United Services Institut (RUSI).
Pantucci comentou que grupos como o EI perceberam a importância dos
meios de comunicação, das redes sociais e de todas as estratégias de
comunicação que lhes promovam a causa", reconhecendo que a sofisticação
com que os militantes manipulam os media é apenas parte do sucesso que
têm no recrutamento internacional.
"Daria jeito os meios de comunicação social não
darem relevo aos jihadistas"
O que é novo em 2014 é que a recruta deixou de ser
matéria exclusiva de um nicho de candidatos determinados a procurar
informação obscura na internet acerca de palcos disponíveis para
contribuírem para a imposição da lei islâmica. O furor que o tema está a
provocar nos meios de comunicação faz parte do entusiasmo criado, mas
não é determinante para o resultado, garante Pantucci: "Daria jeito os
meios de comunicação social não darem relevo aos jihadistas. Mas não
seria suficiente para parar o fenómeno".
Al-Qaeda estende-se à Ásia
Receitas para acabar com o "mundo infiel" há muitas.
Ainda que os holofotes estejam dirigidos para o Estado Islâmico, a
al-Qaeda está viva e ainda na semana passada deu notícias da sua
atividade, ao expandir para a Índia. A divulgação de um vídeo confirmava
a criação de um braço no subcontinente, que tem por fim reavivar a
atividade jihadista numa região "que foi parte da terra dos muçulmanos,
até que o inimigo infiel o ocupou, fragmentou e dividiu". O líder da
al-Qaeda, Ayman al-Zawahri, assegurava às populações muçulmanas do
Myanmar, Bangladesh, Assam, Gujarat, Ahmedabad e Cachemira que "a
organização não os tinha esquecido e está a fazer o possível para os
salvar". O trabalho de união dos guerrilheiros na região sob uma única
entidade levou dois anos a concluir e vai permitir, segundo o que é
anunciado no vídeo de 55 minutos, "esmagar as fronteiras artificiais"
que dividem as populações muçulmanas da região.
Reportagem por
http://expresso.sapo.pt/11/09/2014
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