quinta-feira, 11 de setembro de 2014

O mundo foi sempre uma confusão

FOTO REUTERS Até ao 11 de setembro de 2001, pouca gente tinha ouvido falar de Osama Bin Laden
Treze anos depois do ataque da al-Qaeda ao World Trade Center, as ameaças terroristas mudaram. Em 2001 não havia Twitter, Facebook ou iPhone. Agora, as "comunicações" dos jihadistas deixam a anos-luz as gravações em grutas perdidas protagonizadas por Bin Laden. O que os militantes do Estado Islâmico fizeram foi utilizar artefactos dos media modernos para fins medievais, escrevia há dias o "New York Times".
 
Quando foi noticiado na semana passada o desaparecimento de 11 aviões comerciais do aeroporto internacional de Trípoli, a proximidade do 11 de setembro fez soar alarmes. As autoridades norte-americanas relembraram de imediato, através do site noticioso "The Washington Free Beacon", o que era possível fazer com aviões comerciais sequestrados.

Como em todos os aniversários do ataque às torres gémeas, a vigilância aperta e o frenesim dos serviços secretos ultrapassa a imaginação dos cidadãos comuns. O mundo mudou, ou a maneira como se vive mudou. E a verdade é que até Barack Obama concorda, como ficou claro numa observação que fez numa ação de angariação de fundos do Partido Democrata em Nova Iorque, cuja inconveniência foi comentada à saciedade. Referindo-se às múltiplas agressões que sobem de tom por todo o mundo, incluindo a difusão na internet dos vídeos das decapitações dos dois jornalistas norte-americanos (James Foley e Steven Sotloff) pelos militantes do Estado Islâmico (EI), o Presidente dos Estados Unidos disse: "Vendo os jornais televisivos parece que o mundo está a desfazer-se".

Tentando tranquilizar os americanos que possam sentir-se assustados e indefesos, Obama garantiu que "o mundo sempre foi uma confusão". A diferença deve-se agora em parte, acrescentou o Presidente, ao facto de darmos por isso, através das redes sociais e da capacidade de observarmos até ao íntimo detalhe as dificuldades por que passam as pessoas.

As reações não se fizeram esperar, denunciando a opção de Barack Obama por matar o mensageiro - ou seja, os media - em vez de reconhecer que cada época conheceu os seus meios de difusão. Provam-no a chegada ao mundo da notícia dos massacres de My Lai ou dos abusos de Abu Ghraib.
O que os militantes do Estado Islâmico fizeram foi utilizar artefactos dos media modernos para fins medievais, escrevia-se numa coluna de opinião do "New York Times" (NYT) intitulada "Semear medo explorando as redes sociais", na qual se defendia ainda que os vídeos divulgados pelos extremistas servem de propaganda e de máquina do tempo, ao tentarem apagar séculos de civilização e sugerindo que o almejado califado está a florescer e que o sangue é uma moeda barata.   

Eficácia e sofisticação

As extensas e pormenorizadas análises aos dois vídeos lançados na internet com as execuções de James Foley (19 de agosto) e de Steven Sotloff (2 de setembro) sublinham antes de mais a sofisticação de produção de que gozam os "materiais de comunicação" do Estado Islâmico. Ao serviço da propaganda ideológica, propagação incendiária do medo, e fazendo ao mesmo tempo uma recruta discreta, as "comunicações" do EI deixam a anos-luz de distância as toscas gravações em grutas perdidas divulgadas pela al-Qaeda e protagonizadas por um Osama Bin Laden nada estrelar nem sofisticado. Uma personagem tutelar, isso sem dúvida, e com quem os seguidores poderiam sentir-se identificados, mas com a qual seria difícil imaginar partilhar um quotidiano de práticas sangrentas.
 
 
A ameaça contida nas mensagens da al-Qaeda estava longe de ter este caráter de série que o Estado Islâmico usa: cada execução tem nome de episódio ("Uma mensagem para a América", chamava-se o vídeo da execução de Foley, e "Outra mensagem para a América", para o vídeo da de Sotloff) e termina com a apresentação da vítima seguinte, a últimas das quais um jornalista britânico que é exibido após a morte de Sotloff, tal como este o tinha sido após a morte de Foley.

Novos métodos, a mesma determinação

Uma das grandes diferenças entre os atos terroristas que atiraram dois aviões sequestrados contra as torres gémeas de Manhatan, surpreendendo o mundo em direto na televisão (que estava longe de estar a experimentar as suas primeiras formas), e os atuais é a imediatez da "notícia", se quisermos. As redes sociais são o veículo, com o Twitter à cabeça.

Outra coluna de opinião do NYT, intitulada "É a III Guerra Mundial ou apenas o Twitter?" cita o presidente do Los Angeles World Affairs Council, Terry MacCarthy, a propósito do que o Presidente Obama resumiu como "o mundo que sempre foi uma confusão": "A decapitação de jornalistas americanos pelo EI, a lapidação de um homem em Mossul, minorias ameaçadas com genocídio não é 'a confusão do costume' - está a brincar comigo? É uma abominação face à humanidade, seja qual for o meio por que sejam reportadas e precisa da nossa atenção e da dos nossos aliados" o mais urgentemente possível.

O anfitrião do Global Public Square, o fórum de debate da CNN mais conhecido por GPS, foi convidado desta semana de outro gigante mediático, o Night Show, com outro anfitrião de peso, Jon Stewart. A conversa versava os métodos do Estado Islâmico e Stewart perguntava a Fareed Zakaria "porquê publicar imediatamente nas redes sociais as atrocidades que acabaram de se cometer?". Zakaria resumia assim, mantendo com alguma dificuldade o registo de humor que é imagem de marca do programa: porque demonstra poder, faz propaganda e leva os outros a quererem seguir o grau de eficácia daquele modo demonstrado.

Quem beneficia com a difusão das imagens via Twitter das execuções em massa levadas a cabo no Iraque? Com a difusão do recrutamento de ocidentais para a guerra santa, nalguns casos ordenados a regressarem aos países de origem para a continuarem? A autora Soraya Sephapour-Ulrich, num texto publicado pelo Global Research do Canadá, fala do efeito de indução de medo identificando-o com o equivalente ao gerado pelo lançamento de prospetos, em 1991, com textos para encorajar os soldados iraquianos a desertar. Como serve, defende, para "lubrificar a máquina de guerra" dos diferentes grupos no terreno. Além disso, a autora defende que este mesmo medo de retorno da jihad a países como o Reino Unido, Alemanha, Bélgica, França, Espanha, Noruega ou Portugal pode servir também para fechar as portas dos países ocidentais a refugiados. Tal como aconteceu "com os intérpretes iraquianos que ajudaram as forças aliadas", lembra Sephapour-Ulrich, defendendo que esta é uma forma de virar as costas a quem tentar escapar à situação que considera ter sido "criada pelo mundo livre e civilizado e seus aliados".

FOTO REUTERS Vídeos como o da decapitação de Foley são usados pelos jihadistas como propaganda ideológica - e difundem o med
O ataque ao World Trade Center usou a televisão para impor o terror em direto, granjeando um protagonismo à al-Qaeda que ela nunca antes tivera. De forma equivalente, o Estado Islâmico usa os vídeos e as imagens publicadas para afirmar o mesmo: nós fazemos o que queremos e os Estados Unidos (os infiéis todos?) são impotentes perante a fé dos jihadistas.  

"Até ao 11 de setembro de 2001, ninguém tinha ouvido falar de Osama Bin Laden. O que é hoje novidade é o efeito provocado pelo convívio permanente com estes assuntos a nível global: tornou-se um conceito público", diz ao Expresso Raffaello Pantucci, investigador de um "think tank" britânico dedicado a contraterrorismo, entre outros assuntos - o Royal United Services Institut (RUSI). Pantucci comentou que grupos como o EI perceberam a importância dos meios de comunicação, das redes sociais e de todas as estratégias de comunicação que lhes promovam a causa", reconhecendo que a sofisticação com que os militantes manipulam os media é apenas parte do sucesso que têm no recrutamento internacional.

"Daria jeito os meios de comunicação social não 
darem relevo aos jihadistas" 

O que é novo em 2014 é que a recruta deixou de ser matéria exclusiva de um nicho de candidatos determinados a procurar informação obscura na internet acerca de palcos disponíveis para contribuírem para a imposição da lei islâmica. O furor que o tema está a provocar nos meios de comunicação faz parte do entusiasmo criado, mas não é determinante para o resultado, garante Pantucci: "Daria jeito os meios de comunicação social não darem relevo aos jihadistas. Mas não seria suficiente para parar o fenómeno".   

Al-Qaeda estende-se à Ásia 

Receitas para acabar com o "mundo infiel" há muitas. Ainda que os holofotes estejam dirigidos para o Estado Islâmico, a al-Qaeda está viva e ainda na semana passada deu notícias da sua atividade, ao expandir para a Índia. A divulgação de um vídeo confirmava a criação de um braço no subcontinente, que tem por fim reavivar a atividade jihadista numa região "que foi parte da terra dos muçulmanos, até que o inimigo infiel o ocupou, fragmentou e dividiu". O líder da al-Qaeda, Ayman al-Zawahri, assegurava às populações muçulmanas do Myanmar, Bangladesh, Assam, Gujarat, Ahmedabad e Cachemira que "a organização não os tinha esquecido e está a fazer o possível para os salvar". O trabalho de união dos guerrilheiros na região sob uma única entidade levou dois anos a concluir e vai permitir, segundo o que é anunciado no vídeo de 55 minutos, "esmagar as fronteiras artificiais" que dividem as populações muçulmanas da região.
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Reportagem por
http://expresso.sapo.pt/11/09/2014

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