Bruno Peron*
O Brasil conseguiu a proeza de integrar linguisticamente seu território, mas não tem sido capaz de reduzir o desconforto entre os próprios brasileiros.
Há muita intolerância no Brasil. É contraditório que, numa gleba de convívio na diferença, seus meio-cidadãos se comportem como se estivessem frente a alienígenas de mesma nacionalidade. Com esta afirmação, não me refiro somente às divisões econômicas entre ricos e pobres, que todos conhecemos. Penso naquelas diferenças que herdamos das tradições culturais do país e também nas que deixaremos à posteridade se não usarmos bom senso e razão para corrigir descaminhos e melhorar nossa relação com o outro.
Quando fui questionado sobre se havia dialetos e variações
linguísticas no Brasil, estrangeiros surpreenderam-se com que falemos
apenas uma língua. Há países tão pequenos como a Bolívia onde se falam
três (aimará, quêchua e espanhol) e na Suíça quatro (francês, alemão,
italiano e romanche). O Brasil conseguiu a proeza de integrar
linguisticamente seu território, mas não tem sido capaz de reduzir o
desconforto entre os próprios brasileiros.
O governo propõe políticas para combater o racismo, a homofobia e o
preconceito religioso, mas observa-se nas conversas informais que a
intolerância está enraizada em nossa cultura. Nelas, é possível notar
que resquícios de uma sociedade escravista, católica e paternalista
salivam da boca de todos os brasileiros. Mas é claro que estou falando
um pouco sobre opiniões premeditadas – quando há intenção de ser
intolerante em relação ao outro – e também sobre aquelas que se
codificam e se reproduzem na sociedade.
Assim teríamos alguns exemplos esclarecedores: pessoas que se vestem
diferentemente das outras recebem provocações quando andam na rua,
migrantes entre estados brasileiros são frequentemente discriminados
ainda que trabalhem naquilo que os nativos não gostariam de ou não
saberiam fazer, religiões tipicamente brasileiras como o candomblé e a
umbanda são hostilizadas por liturgias do Vaticano e por exorcistas de
demônios.
Ainda que sem pretensão de esgotar a lista de exemplos de
intolerância na sociedade brasileira, há poucas semanas vimos mais um
contra nossa própria presidente. Dilma Rousseff recebeu vaias durante
alguns de seus discursos públicos. No entanto, estejam os autores das
vaias a favor dela ou não, Dilma foi eleita democraticamente para
governar o país. Ela não subiu à presidência através de golpes ou de
armas. Portanto, ela merece o respeito também daqueles que não votaram
nela. Atos públicos como este só demonstram nossa pequenez cidadã e que o
Brasil está dividido ideologicamente.
Esta divisão é tão perigosa que gera seres dispostos a fazer justiça
com suas próprias mãos. Esses justiceiros ignoram a intervenção policial
e procedimentos jurídicos para solucionar conflitos e tomam atitude
contra o crime em seus bairros e suas cidades. O país tem visto casos
como o de pessoas amarradas contra logradouros públicos e índios
perseguidos pela ameaça do agronegócio. Estas ações mostram não somente
intolerância entre brasileiros, mas uma crise institucional que não tem
sido capaz de colocar o país em ordem.
Melhor que sair disparando balas contra o inimigo como acontece em
USA Fora-da-Lei, o Brasil não será mais um país ocidental onde
intolerância se confunde com indiferença. Temos o dever de trabalhar
pela nação e de levantar aqueles que estão em situação pior que a nossa.
Uma pessoa de cabelos verdes que caminha na praça e outra que professa
uma religião diferente não despertarão nossas paixões mais rudimentares.
Entre intolerância e indiferença, refiro-me a duas caras de uma moeda
que só deveria servir para colecionadores.
Aqui temos um país de integração linguística, mas que está também a
caminho de reconhecer as diferenças entre seus habitantes e o desejo que
todos temos de viver bem. Há que pensar em que tipo de tratamento
gostaríamos de receber porque somos tão particularmente diferentes de
todos os demais, embora discretos e obedientes às convenções que
integram o país culturalmente.
---------------------------------------* Colaboração de Bruno Peron Loureiro, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM),
Fonte: EcoDebate, 10/09/2014
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