domingo, 7 de setembro de 2014

O velho que SÓ PERGUNTAVA “POR QUÊ?”

O PrOA antecipa nesta página excertos de publicações no prelo ou às vésperas do lançamento. Leia a seguir o trecho inicial de O Velho Que Só Perguntava “Por Quê?”, primeira narrativa de 4 Contos, coletânea de histórias infantis escrita pelo poeta norte-americano e.e. cummings. Único livro para crianças escrito pelo autor – dedicado à filha única que ele foi conhecer já adulta, e ao neto que ela lhe deu –, 4 Contos enfileira histórias escritas em uma linguagem afetuosa e direta (em contraposição aos sofisticados jogos formais e visuais da poesia de cummings). No primeiro conto, um elfo responsável por minimizar as aflições dos humanos é confundido pelo perguntar incessante de um velho em uma torre. A edição brasileira conta com ilustrações de Eloar Guazelli, como a que se vê nesta página. O livro será publicado este mês pela Cosac Naify.

Certa vez existiu um elfo que morava na estrela mais distante de todas. Ele era muito bonzinho, tinha cabelos loiros e olhos azuis. Todo mundo que vivia no ar, por toda parte e em todas as estrelas, o respeitava muito, e o procurava sempre que algo não ia bem. Durante milhões de anos ele viveu sossegado e feliz, sem envelhecer nada (porque era um elfo e os elfos nunca envelhecem), sempre muito simpático, com um sorriso maravilhoso e um maravilhoso par de asas douradas.

Todas as pessoas, nas estrelas e em todas as partes e no ar, também tinham asas (embora não fossem elfos) porque, para circular de um lado a outro e de uma estrela a outra, você tem mesmo de voar. Na realidade, as pessoas ficavam esvoaçando quase o tempo todo. Elas abriam as asas e desciam voando para o café da manhã, e depois fechavam as asas e só então começavam a comer. Na hora do almoço, elas vinham pelo ar, ou desde o lugar em que estavam brincando, e voavam até as suas casas – e lá matavam a fome com um delicioso prato de pétalas siderais e flores aéreas. Em seguida, voavam até o andar de cima, para tirar uma soneca, e, quando acordavam, saíam voando pela janela e voltavam a brincar lá no alto. E, terminado o jantar, esvoaçavam até a cama onde logo caíam no sono, sonhando a noite toda com o arco-íris.

Não era muito comum que essas pessoas tivessem problemas e precisassem ir até o elfo em busca de ajuda. Mas sempre que isto acontecia, voavam até aquela estrela mais distante onde ele vivia, levando os problemas debaixo do braço. E ele examinava com atenção todos os problemas, um a um (tanto fazia se eram grandes ou pequenos, se eram problemas comuns ou problemas que vinham em caixas enfeitadas com fitas rosas e verdes), e sempre tinha um conselho para dar às pessoas que o procuravam, e nunca cobrava nada, nem mesmo uma moedinha. E sabe por quê? Porque o elfo gostava de ajudar os outros.

Bem, depois de viver feliz e sossegado por milhões e milhões de anos, um dia esse elfo acordou de manhã na estrela mais distante de todas e ouviu um murmúrio no ar, um murmúrio que parecia vir de todas as outras estrelas. “Ora, ora, o que será que está acontecendo no céu?”, falou para os seus botões. E durante todo o tempo em que tomava o café da manhã, o murmúrio foi ficando cada vez mais alto e mais alto e mais alto e mais alto e mais alto – até que por fim o elfo saltou da mesa com o prato de luz numa das mãos e a xícara de silêncio na outra (pois era isso o que mais gostava de tomar pela manhã: um pouco de luz com um pouco de silêncio) e exclamou: “Santa paciência! Mas o que está acontecendo nessas estrelas?”. Ele estava tão perturbado que acabou derramando o silêncio e engasgando com a luz e, em seguida, saiu correndo da varanda. Aí viu algo muito estranho: todo o ar e tudo o que havia ao redor de sua estrela estavam ficando escuros e, mesmo enquanto olhava, tudo foi escurecendo, escurecendo, escurecendo, escurecendo, escurecendo, escurecendo – até que finalmente o elfo teve de riscar um fósforo pois já não enxergava mais nada. Então toda aquela escuridão se transformou em gente: ele viu que o ar e tudo o mais haviam escurecido porque estavam cheios de milhares e milhares e milhares de pessoas. “Céus!”, exclamou o elfo, “o que será isso? Será que todas essas pessoas querem me ver e falar de seus problemas? O que eu vou fazer?”
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POR E.E. CUMMINGS
Fonte: ZH online, 07/09/2014

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