[ENTREVISTA]
Leonardo
Boff é um reconhecido ex-sacerdote brasileiro, um dos principais expoentes da
Teologia da Libertação. Em seus 75 anos, ademais, é escritor e filósofo. Nesta
entrevista fala do "perdão” institucional disposto pelo Papa Francisco, que
permitirá que o sacerdote nicaraguense Miguel D´Escoto, vinculado ao
sandinismo, possa reincorporar-se à Igreja, após ser punido durante o papado de
João Paulo II.
Boff
também não tem dúvidas na hora de qualificar o papado de Francisco, pelo qual
mostra uma admiração em torno do seu discurso e ação, e de seu compromisso com
os mais humildes.
O que o senhor pensa sobre a medida de
Francisco, que permite ao padre D´Escoto voltar à igreja?
O
perdão a D´Escoto é um ato de justiça, sem dúvidas. Foi sempre fiel a Roma,
respeitou todos os papas. Na Nicarágua, ele não buscou o poder, mas o serviço
ao povo: depois da revolução sandinista, eram necessários quadros, dirigentes,
para formar o governo nascente. Foi dessa forma que ele se converteu em
chanceler. Desse processo participou muita gente da igreja - também jesuítas, franciscanos
-, que aceitou ajudar de outra maneira, em algo nascente. O Vaticano, naquele
momento comandado por Jão Paulo II, não compreendeu isso. Não entendeu que, na
América Latina, o perigo não era o marxismo, mas as ditaduras militares.
Qual é sua relação atual com D´Escoto?
Pessoalmente,
conheço Miguel muito bem : somos velhos amigos. Fui seu assessor quando ele foi
presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, durante o período 2008-2009,
quando escrevi alguns de seus discursos. Atualmente, de tempos em tempos, viajo
a Manágua para me reunir com ele e com Daniel Ortega.
Como você acredita que ele recebeu essa
notícia?
Seu
maior desejo era voltar a celebrar a Eucaristia. É uma pessoa profundamente
espiritual e sofreu muito com essa suspensão. Imagino a enorme alegria que ele
deve estar vivendo.
O senhor crê que esse "perdão” de Francisco
destaca-se em um contexto mais geral de seu papado?
Sem
dúvidas. Um exemplo: Francisco recebeu em audiência privada o fundador da
Teologia da Libertação, o peruano Gustavo Gutiérrez, em setembro de 2013.
Ademais, sua formação se destaca em uma espécie de "teologia do povo”, guiado
por seu professor, Juan Carlos Scanonne: por ele, sempre viveu com pouco,
frequentou bairros humildes, e não lutou por políticas assistenciais, mas por
justiça social.
Nos
discursos e gestos de Francisco, nós, que viemos da Teologia da Libertação, nos
sentimos identificados. Por exemplo, com sua ideia de "uma Igreja pobre para os
pobres”. Seu discurso, na Ilha de Lampedusa, junto aos imigrantes africanos,
onde denunciou a "globalização da indiferença”, está totalmente em linha com a
Teologia da Libertação.
Creio
que não é casual que tenha escolhido esse nome, recordando São Francisco de
Assis: ele se despoja de todos os títulos de poder e se sente um homem entre os
homens.
O senhor se reunirá com ele no futuro? ¿Tem
contato frequente?
Manifestou-me
o desejo de um encontro. Pediu-me textos sobre ecologia, e uma proposta - que
elaborei junto com D´Escoto e o sacerdote belga Francois Houtart - de
"Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade”, ante a ONU.
Enviei-a através do embaixador argentino no Vaticano, Juan Pablo Cafiero.
Espero que possamos nos reunir logo.
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Reportagem Por Juan Manuel Karg / @jmkargPolitólogo UBA / Analista Internacional
Fonte: Adital
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