terça-feira, 2 de setembro de 2014

Leonardo Boff: ‘Francisco se despoja dos títulos de poder’

[ENTREVISTA]
Leonardo Boff é um reconhecido ex-sacerdote brasileiro, um dos principais expoentes da Teologia da Libertação. Em seus 75 anos, ademais, é escritor e filósofo. Nesta entrevista fala do "perdão” institucional disposto pelo Papa Francisco, que permitirá que o sacerdote nicaraguense Miguel D´Escoto, vinculado ao sandinismo, possa reincorporar-se à Igreja, após ser punido durante o papado de João Paulo II.
 
Boff também não tem dúvidas na hora de qualificar o papado de Francisco, pelo qual mostra uma admiração em torno do seu discurso e ação, e de seu compromisso com os mais humildes.

O que o senhor pensa sobre a medida de Francisco, que permite ao padre D´Escoto voltar à igreja?
O perdão a D´Escoto é um ato de justiça, sem dúvidas. Foi sempre fiel a Roma, respeitou todos os papas. Na Nicarágua, ele não buscou o poder, mas o serviço ao povo: depois da revolução sandinista, eram necessários quadros, dirigentes, para formar o governo nascente. Foi dessa forma que ele se converteu em chanceler. Desse processo participou muita gente da igreja - também jesuítas, franciscanos -, que aceitou ajudar de outra maneira, em algo nascente. O Vaticano, naquele momento comandado por Jão Paulo II, não compreendeu isso. Não entendeu que, na América Latina, o perigo não era o marxismo, mas as ditaduras militares.

Qual é sua relação atual com D´Escoto?
Pessoalmente, conheço Miguel muito bem : somos velhos amigos. Fui seu assessor quando ele foi presidente da Assembleia Geral das Nações Unidas, durante o período 2008-2009, quando escrevi alguns de seus discursos. Atualmente, de tempos em tempos, viajo a Manágua para me reunir com ele e com Daniel Ortega.

Como você acredita que ele recebeu essa notícia?
Seu maior desejo era voltar a celebrar a Eucaristia. É uma pessoa profundamente espiritual e sofreu muito com essa suspensão. Imagino a enorme alegria que ele deve estar vivendo.

O senhor crê que esse "perdão” de Francisco destaca-se em um contexto mais geral de seu papado?
Sem dúvidas. Um exemplo: Francisco recebeu em audiência privada o fundador da Teologia da Libertação, o peruano Gustavo Gutiérrez, em setembro de 2013. Ademais, sua formação se destaca em uma espécie de "teologia do povo”, guiado por seu professor, Juan Carlos Scanonne: por ele, sempre viveu com pouco, frequentou bairros humildes, e não lutou por políticas assistenciais, mas por justiça social.

Nos discursos e gestos de Francisco, nós, que viemos da Teologia da Libertação, nos sentimos identificados. Por exemplo, com sua ideia de "uma Igreja pobre para os pobres”. Seu discurso, na Ilha de Lampedusa, junto aos imigrantes africanos, onde denunciou a "globalização da indiferença”, está totalmente em linha com a Teologia da Libertação.

Creio que não é casual que tenha escolhido esse nome, recordando São Francisco de Assis: ele se despoja de todos os títulos de poder e se sente um homem entre os homens.

O senhor se reunirá com ele no futuro? ¿Tem contato frequente?
Manifestou-me o desejo de um encontro. Pediu-me textos sobre ecologia, e uma proposta - que elaborei junto com D´Escoto e o sacerdote belga Francois Houtart - de "Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade”, ante a ONU. Enviei-a através do embaixador argentino no Vaticano, Juan Pablo Cafiero. Espero que possamos nos reunir logo.
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Reportagem  Por Juan Manuel Karg / @jmkarg
Politólogo UBA / Analista Internacional
Fonte: Adital

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