sábado, 27 de setembro de 2014

Evangelismo a 50 graus abaixo de zero

Missionário na Mongólia
Elbert Kuhn nasceu em Taquara, RS, no dia 19 de julho de 1969. Cursou o ensino fundamental no Colégio Adventista Pr. Ivo Souza, em Rolante, e o ensino médio no Instituto Adventista Cruzeiro do Sul (IACS), em Taquara. Começou a faculdade de Teologia em 1988. Trabalhou em Bento Goncalves, por dois anos, depois Sarandi, em Porto Alegre, por três anos, e em Camaquã, também em Porto Alegre, por quase três anos. Foi pastor na Igreja Central de Curitiba, PR, e concluiu o mestrado em Teologia em 2004. Ainda pretende cursar o doutorado na Andrews University. Gosta muito de passar tempo com a família, os irmãos e os cunhados. Também gosta de viajar, conhecer lugares, pessoas e culturas. É casado há 20 anos com Cleidi Kuhn, formada em Pedagogia com pós-graduação em Terapia Familiar. Nesta entrevista concedida ao jornalista Michelson Borges, o pastor Kuhn fala de seu trabalho na Mongólia e dos desafios de evangelizar aquele país.
Fale um pouco sobre a Mongólia: cultura, povo, hábitos curiosos, clima, etc.
A Mongólia e um país situado no norte Asiático, que faz divisa com duas grandes potências mundiais – ao sul, com a China, e ao Norte, com a Rússia, particularmente a Sibéria. É o país do grande conquistador Gengis Khan, que por volta do século 12 quase conquistou toda a Europa e a Ásia. É um país de clima extremamente difícil, onde as temperaturas giram entre menos 20 e menos 55 ºC durante os sete meses de inverno. Tem a capital mais fria do mundo, Ulan Bator. A Mongólia ainda e conhecida como um país de nômades, “a country with no fences”. Um país sem cercas, como eles gostam de dizer. Ainda hoje a atividade primária é o cuidado dos rebanhos de ovelhas, cabritos e cavalos. Eles vivem em tendas chamadas “Gers”, fáceis de montar e desmontar, para que eles possam mudar de região, de acordo com a necessidade dos animais.


A alimentação é precária para a maioria das pessoas. O solo é árido e tudo aquilo que requer mais de três meses para crescer não se produz na Mongólia, em função do frio. A base da alimentação é a carne, com ênfase na gordura. O consumo de álcool e tabaco é muito alto, por isso a saúde do povo em geral é comprometida. Uma curiosidade com relação a isso foi um dia em que a Cleidi viu um bebê de poucos meses com um pedaço de gordura pura de carneiro, do tamanho de uma mão, na boca, como se fosse uma chupeta. São as tradições passadas de geração a geração.
Os mongóis em geral são amigos e hospitaleiros. Sempre dispostos a ajudar quando preciso.
Quais são as condições de trabalho nesse país? Como vivem os irmãos e os pastores?
As condições de trabalho são muito desafiadoras, devido ao clima, às distâncias e à precariedade do transporte. Em toda a Mongólia apenas um aeroporto, o da capital, tem asfalto. Todos os demais aeroportos são de estrada de chão batido, e os aviões, extremamente velhos. Muitas vezes, enviamos nossos jovens líderes para regiões remotas, alguns lugares a mais de dois mil quilômetros de distância, a fim de fundar igrejas. Lá eles chegam com uma mala de roupa e alguns materiais. Assim foi iniciada a maioria das igrejas na Mongólia.
A vida de muitos de nossos pastores não é nada fácil, com recursos limitados que muitas vezes não são suficientes para a comida diária. Deus tem aberto portas e hoje a vida deles tem melhorado.


Como e quando teve início a obra adventista aí?
No ano de 1991. Um casal de jovens norte-mericanos decidiu ir como voluntários a algum lugar do mundo onde não existissem cristãos e tampouco adventistas do sétimo dia. O sonho deles era ir à China, mas descobriram então que na China já havia adventistas. Estudando o mapa, viram que a Mongólia não tinha adventistas, e decidiram ir para lá.
Na época, eles não tinham nenhum apoio oficial da igreja. Eram missionários voluntários, que foram para a Mongólia por meio de um ministério de apoio chamado Adventist Frontier, mas eles tinham que levantar os próprios recursos.
Chegaram à Mongólia em 1992, logo após a queda do sistema comunista. A Mongólia era dominada ate então pela ex-União Soviética. O começo foi muito difícil, pois, com a saída dos soviéticos, o país ficou sem sistema de governo e sem recursos. Por muito tempo, as pessoas não tinham sequer o que comer, mas aos poucos foram encontrando a forma de governo e o país começou a se reorganizar.
Brad e Cathie Jolly lançaram os fundamentos da igreja adventista, traduzindo materiais, estudos bíblicos, alguns livros de Ellen White, como o Caminho a Cristo, e partes do Novo Testamento.

Os missionários Brad e Cathie Jolly

Em seguida, chegou uma missionaria coreana-americana, Joanne Park, que ajudou no processo de organizar grupos pequenos de estudos. Infelizmente, Brad contraiu câncer de estômago em função das dificuldades que enfrentavam. Mesmo extremamente debilitado, não quis voltar aos Estados Unidos e continuou traduzindo e preparando materiais. Faleceu cumprindo o dever.
Que tipo de materiais da igreja são produzidos aí?
Nossa prioridade é a produção de livros, estudos bíblicos e materiais educativos, de família, saúde, a Licao da Escola Sabatina, Manuais da Igreja, de Ministros, de Anciãos. Graças a Deus, temos tido muito apoio para que isso seja feito. Sem livros, a pregação se perde. Nosso povo precisa ter à disposição materiais a fim de ajudá-lo no processo de mudança de hábitos e valores.


Fale um pouco sobre o primeiro batismo adventista, ocorrido em 1993.
No ano de 1993, como resultado do trabalho dos primeiros missionários voluntários, duas jovens foram batizadas pelo então presidente da Associação Geral, pastor Robert Folkenberg. Davakhuu, que hoje é a coordenadora acadêmica de nossa escola de Inglês, e Enkhee, nossa diretora de saúde e temperança. A semente germinou e hoje temos a alegria de tê-las ainda como membros fieis e atuantes da Igreja Adventista na Mongólia.
Pastor Folkenberg batiza Davakhuu e Enkhee
Como é a interação de vocês com os budistas?
Essa é uma pergunta interessante. A Mongólia é um país budista, mas de uma religião muito misturada com outras. Como nômades, que mudam de um lugar para outro facilmente, assim também os mongóis vivem com relação à religião. Alguns mongóis brincam que pela manhã oram a Buda, no almoço para Deus e à noite convidam o xamã para o jantar.
Como eles tiveram a religião exterminada pelo comunismo, hoje vivem de forma extremamente secularizada. Apreciam a discussão religiosa, desde que não se imponham normas e limites. Temos uma relação de amizade e respeito. Com eles, e necessário primeiro estabelecer a confiança e a credibilidade. Depois de terem certeza de que podem confiar em você, as portas se abrem.
Como apresentar Jesus a um budista? Qual a abordagem ideal? Que cuidados devem ser tomados?
Como disse, o primeiro passo é se colocar no lugar deles e imaginar como você, se fosse budista, receberia a mensagem do cristianismo. E preciso muito respeito, muita oração, muita sabedoria e tato, a fim de que os laços não sejam quebrados no afã de querer simplesmente batizar alguém. Essa não deve ser a abordagem. Existem crenças deles tão ou mais fortes que as nossas, e não será em um curto período de tempo que essas crenças serão desfeitas. Temos pessoas que frequentam nossa igreja há mais de três anos, mas ainda têm dúvidas. Não se pode apressar o amadurecimento deles no cristianismo. Pode-se ajudar, mas não apressar.
Apenas a titulo de curiosidade: temos muito no cristianismo a ênfase no sacrifício de Deus em nosso lugar, certo? Isso toca nosso coração e nos leva às lagrimas muitas vezes. Ao entendermos esse sacrifício de amor, somos compelidos a nos entregar de corpo e alma. O budista nos olha e diz: “Só o Deus de vocês morreu. É porque não era um dos ‘maiores’. O Deus top jamais morreria.”
Quais os maiores desafios para a evangelização da Mongólia?
Até agora, o maior desafio foi quebrar a barreira do preconceito contra os cristãos. É muito difícil para um mongol deixar os laços de família. Ser mongol é ser budista ou shamanista, e aceitar sozinho uma nova fé, novos amigos, nova forma de viver e pensar. Enquanto o país viveu as crises financeiras, a religião ainda era uma forma de trazer esperança a muitos. Hoje, com a descoberta de grandes minas de cobre, carvão, ouro, urânio e outros minérios, o que se vê e um desejo desenfreado por melhores condições de vida. Isso foi o que se viu nos países do leste europeu após a queda do comunismo. Por um período de 10 a 15 anos, a busca pelo cristianismo foi tremenda. Não é mais o que acontece. Hoje há um retorno às religiões tradicionais desses países e um desencanto com o cristianismo.



O que o evangelho tem feito na vida dos mongóis que o aceitam?
Creio que o evangelho tem trazido esperança e liberdade. Esperança para um povo que sofre e não tem para onde ir quando os problemas chegam. Esperança de uma família bem ordenada. Esperança de uma saúde melhor. Esperança de um mundo melhor. Liberdade dos hábitos, das tradições, dos vícios, da parte ruim da cultura.
Fale um pouco sobre o projeto com crianças, que está em seu coração.
Quer mudar a história de um país, comece a ensinar as crianças. Ajude-as a pensar, a fazer escolhas sábias, a tomar decisões de longo prazo, e dê a elas condições de fazer tudo isso. Por exemplo, um menino, filho de mongóis, aprendeu acerca dos hábitos alimentares ensinados na Bíblia, e hoje, com sete anos de idade, é um vegetariano saudável. A ênfase aqui não está no fato de ele ser ou não vegetariano, mas na escolha feita. Contra a cultura, contra os hábitos, contra família, contra tudo, ele tomou uma decisão. Aquilo que se ensina a uma criança jamais será esquecido.
Temos projetos com crianças que têm atraído os pais. Por exemplo, em nossa escola adventista servimos o almoço para as crianças. Ao contrario das outras escolas, não servimos café nem doces. Quando as crianças chegam em casa e contam, os pais vêm à escola, alguns bravos, e perguntam por que agimos assim. Quando explicamos as razões científicas e de saúde, eles saem felizes e valorizando a escolha da escola para os filhos. Temos dado muita ênfase aos valores, já que na Mongólia os valores são muito relativos e muitos se perderam no tempo. Temos anualmente projetos que visam a esses propósitos, e nas igrejas, na escola, em nossos acampamentos para crianças, temos visto por que Jesus tinha um cuidado e um carinho grande por elas.



A massificação da informação e suas armadilhas está na Mongólia também. Certo dia, eu estava a quase dois mil quilômetros da capital visitando uma pequena vila, e fui à central telefônica enviar um e-mail. Cada pequena vila tem uma central com dois ou três computadores para as pessoas se comunicarem. Ao meu lado, três garotos de uns sete anos de idade olhavam a tela e riam. Olhavam a tela e fechavam os olhos. Fiquei curioso e com o canto do olho percebi que eles estavam olhando pornografia. São danos irreparáveis na mente dessas crianças; por isso, como igreja, precisamos fazer nosso melhor, e o mais rápido possível, porque, se não, perderemos a batalha e amanhã poderá ser muito tarde.
Por que decidiram reservar uma parte do prédio da União para abrigar estudantes universitários?
A Mongólia é um país interessante do ponto de vista da divisão populacional. Tem três milhões de habitantes, dos quais 1,3 milhão vive na capital. As cidades são pequenas vilas, e quando os jovens se formam no ensino médio, têm que mudar para a capital a fim de continuar os estudos. Ao chegar à capital, vão morar em repúblicas, e normalmente o que se tem visto é que no fim da faculdade não estão mais na igreja. Queremos e precisamos mudar essa realidade.

Decidimos reservar dois andares de nosso prédio e fazer deles dormitórios. Como não temos faculdade, damos a nossos jovens toda a estrutura de nossos colégios, com capelão, cultos, seminários, etc. A única diferença é que no horário escolar eles vão à escola pública ou privada. Queremos que no fim do período de estudos eles estejam comprometidos em ser fieis a Deus e à igreja.



Por que você decidiu ser missionário numa terra tão distante?
Foi plano de Deus. Não tem outra explicação. Jamais fiz uma oração sequer para ser missionário. Jamais enviei um e-mail com esse pedido. A única coisa que a Cleidi e eu sempre tivemos claro foi o chamado. Se Deus e a igreja precisarem de nós, iremos. Muitas vezes sofremos, e muito. Muitas vezes não entendemos o porquê, mas sempre, ao olhar para trás, temos a satisfação de ver a mão de Deus a nos guiar e uma tremenda alegria de poder estar fazendo o que Deus quer que façamos.
Os brasileiros que trabalham como missionários em outros países têm alguma vantagem em relação a missionários de outras nacionalidades?
E difícil dizer se há vantagens. Depende de muitos fatores. Creio que nossa vantagem está em nossa facilidade de nos adaptarmos mais facilmente a diferentes culturas. Na criatividade em resolver problemas e na forma positiva com que encaramos a vida. Creio também que em função de nossa igreja no Brasil ser muito dinâmica, crescemos com muitas atividades, programas e projetos, o que ajuda ao ir ao campo missionário. Creio que uma grande desvantagem é nosso pobre domínio do inglês. Sem ele, nossa capacidade de atuar fica muito limitada. Também precisamos entender que são poucos os lugares no mundo em que os resultados e as respostas à pregação são tão expressivos quanto no Brasil.
É óbvio que devido aos conflitos no mundo moderno, dependendo de onde você vem e para onde você está indo, isso poderá ser um problema, e sério. Mas, em geral, se você estiver comprometido com Deus, com a igreja e com a salvação das pessoas, creio que não imposta muito de onde você seja.
Que conselhos você daria para alguém que sente no coração o desejo de trabalhar como missionário?
Ore muito. Tenha a certeza de que esse é o plano de Deus, não o seu. Tenha a certeza de ter sua família unida nesse projeto. E aprenda o inglês.
Em culto recente na Casa Publicadora Brasileira, você fez uma comparação entre um navio de guerra e um de cruzeiro. Poderia falar sobre isso?
Há pouco tempo li um livro de um jovem e brilhante pastor norte-americano chamado David Plat, intitulado Radical. Ele conta que na década de 40 os Estados Unidos construíram um navio de guerra chamado USS United States. Era para ser usado em missões de guerra e poderia carregar 15 mil soldados para qualquer lugar do planeta, em menos de dez dias. A missão desse navio de guerra era salvar aqueles que pereciam em função de guerras e conflitos. Era o maior e mais rápido navio de guerra construído ate então. O problema e que esse navio nunca viu uma batalha sequer. Ao contrario, foi transformado em um luxuoso navio de cruzeiro.
Agora, pense comigo: um navio de guerra é completamente diferente de um navio de cruzeiro. Em vez de carregar 15 mil soldados para a batalha, agora só podia carregar duas mil pessoas. Em um navio de guerra, o espaço não é importante, pois você tem uma missão em mente. Em um navio de cruzeiro, quanto mais espaço melhor. Em um navio de guerra, velocidade é um imperativo, pois pessoas estão morrendo; mas esse não e o caso no navio de cruzeiro: quanto mais lento melhor, pois o importante é desfrutar a vista e o cenário.
Em um navio de Guerra, ninguém se preocupa se a comida não é suficiente ou “do meu gosto”; pessoas precisam de mim, e minha missão é mais importante. Num navio de cruzeiro, tudo diz respeito a conforto, luxo e prazer.
Em outras palavras, em um navio de guerra, tudo diz respeito aos outros, a ir mais rápido, não importando as condições, pois temos uma missão, a de salvar o que perece. Não é o caso no navio de cruzeiro, onde tudo diz respeito ao meu conforto, ao meu prazer, pois a preocupação é toda centrada no “eu” e não no “próximo”.
Gosto muito de uma sentença em inglês que rima e diz o seguinte: “We should never evaluate a church by its seating capacity, but by its sending capacity.” Ou seja, nunca avalie uma igreja pela quantidade pessoas que entram para ouvir, mas sim pela quantidade de pessoas que saem para servir.
As igrejas, os pastores, os líderes e os membros, em sua grande maioria, correm o risco de esquecer qual é sua missão. Correm o risco de esquecer que existe uma grande guerra acontecendo e que precisamos ir o mais rápido possível para salvar o que perece. Se temos essa visão clara, os problemas pequenos que serão resolvidos facilmente e não daremos tanta importância a detalhes periféricos. Ha uma batalha cósmica em andamento. Jesus está prestes a voltar. O Céu é o lugar em que vamos desfrutar tudo, mas enquanto estamos na Terra, viajamos em um navio de guerra. Precisamos salvar o que perece.
Uma mensagem para os irmãos aqui no Brasil.
Ore para que Deus o ajude a fazer alguma coisa para a salvação das pessoas. Busque se envolver em algum ministério. Pare de prestar atenção e se preocupar com coisas pequenas, sem importância e que não levam a nada. Sonhe os sonhos de Deus. Invista em coisas que irão durar além desta vida. Não há maior alegria na vida de um cristão do que saber que está sendo usado por Deus para salvar pessoas. Tive grandes tristezas e sofrimentos ao longo destes quase dez anos servindo como missionário, mas encontrei um texto que me ajudou por muitos anos na Mongólia. Está em 1 Coríntios 15:58: “Portanto, meus amados irmãos, mantenham-se firmes, e que nada os abale. Sejam sempre dedicados à obra do Senhor, pois vocês sabem que, no Senhor, o trabalho de vocês não será inútil.”

Tudo, mas tudo mesmo que fazemos para o Senhor, de coração sincero, jamais será em vão. Posso dizer com segurança que já vejo os frutos do meu trabalho e quero continuar neste navio de batalha, indo o mais rápido possível a todos os lugares para preparar um povo especial para se encontrar com Deus.
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Fonte: http://www.criacionismo.com.br/2014/09/

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