José Eustáquio Diniz Alves*
O livro “The Collapse of Complex Societies” (Colapso das sociedades
complexas), de Joseph Tainter, descreve o processo de ascensão e queda
das civilizações e mostra que os colapsos ocorrem quando os custos da
complexidade superam os benefícios. O livro demonstra que o colapso das
sociedades ocorre baseado em quatro axiomas:
1) Sociedades humanas são organizações voltadas para a solução de problemas;
2) sistemas sociopolíticos necessitam de energia para a sua manutenção;
3) aumento da complexidade traz consigo o aumento dos custos per capita; e
4) Investimento em complexidade sociopolítica – como uma resposta à
resolução de problemas complexos – atinge um ponto de retornos marginais
decrescentes.
Para Tainter, o sistema tende a colapsar quando a introdução de um
acréscimo de complexidade em um sistema exige um custo superior ao
benefício que ele produz. No caso do Império Romano, o autor verificou
que o maior problema enfrentado foi quando os romanos tiveram de
sustentar custos muito elevados, apenas para manter o “status-quo”.
Tinham de investir enormes somas para resolver problemas de manutenção
do Império, sem retorno positivo. Isto reduziu a vantagem de ser uma
sociedade complexa. Desta forma, o colapso pode ser definido como “uma
rápida redução da complexidade”.
Tainter considera que os estudos arqueológicos possuem implicações
contemporâneas, pois sociedades complexas, historicamente, são
vulneráveis e podem fracassar. Este fato por si só é perturbador para
muitos. Embora o rápido declínio da complexidade tenha sido um ajuste
econômico no passado, atualmente, pode ter um efeito devastador, já que
nas sociedades altamente industrializadas um colapso implicará em
grandes rupturas e perdas, para não mencionar um padrão
significativamente mais baixo de vida para todos os sobreviventes .
Na verdade, esta preocupação deve ser estendida para a própria
sobrevivência da espécie humana, pois os cenários de colapso
contemporâneos, traçados por Tainter em 1988, incluiam:
a) guerra nuclear e mudanças climáticas associadas;
b) aumento da poluição atmosférica, levando à destruição do ozônio, mudanças climáticas, etc.
c) saturação dos padrões de circulação global;
d) esgotamento dos recursos industriais críticos;
e) colapso econômico geral, provocada por uma grande crise financeira;
f) dívidas internacionais, interrupções na disponibilidade de combustível fóssil , hiperinflação e coisas semelhantes.
Embora o livro de Joseph Tainter tenha sido escrito em 1988 ele
permanece atual em vários aspectos na medida em que aumentou o grau de
complexidade da sociedade atual e há um processo de redução dos retornos
econômicos devido ao esgotamento dos recursos naturais, ao aumento da
violência e dos conflitos gerados pela desigualdade social. Também
diminuem os retornos econômicos em decorrência da depleção do meio
ambiente, perda de produtividade do trabalho devido ao processo de
envelhecimento populacional e crise financeira devido à redução da taxa
de lucro. O pior é que quanto maior é o grau de complexidade maior tende
a ser a queda.
A sociedade urbano-industrial, que teve início no final do século
XVIII, com o uso intensivo de combustíveis fósseis e a exploração de
matérias primas da natureza, se encaixa neste tipo de sociedade
complexa. Segundo Ugo Bardi, esgotamento é um termo relativo. Nada
desaparece da crosta terrestre totalmente: tudo o que foi extraído ainda
existe, mas uma vez extraído é amplamente disperso – em produtos, nos
fluxos de resíduos e mesmo na terra, no ar e na água. O problema que
estamos enfrentando é que a maioria dos minerais tornam-se gradualmente
mais caros para extrair porque os materiais de alto teor foram
progressivamente esgotados.
O resultado final é que estamos entrando em uma era de diminuição dos
retornos da produção de commodities minerais. O problema é
especialmente crítico para os minerais que são o verdadeiro “calcanhar
de Aquiles” da sociedade industrial: o petróleo e o gás. Eles são
minerais relativamente comuns na crosta da Terra, mas sua extração está
se tornando cada vez mais cara, o que provoca a criação de um círculo
vicioso de retornos decrescentes. Isso tende a colocar uma carga
excessiva sobre o sistema econômico do mundo e é provável que, no
futuro, não vamos ser capazes de produzir combustíveis fósseis às mesmas
taxas de hoje. Esta é a essência do conceito de “pico do petróleo” que
pode trazer junto o colapso da sociedade urbano-industrial, provocando
uma grande crise econômica, ecológica e social.
Segundo Richard Heinberg, lucros decrescentes do petróleo aparecem
nos dados financeiros das companhias petrolífera. Entre 1998 e 2005, a
indústria investiu US$ 1,5 trilhão em exploração e produção e esse
investimento rendeu 8,6 milhões de barris por dia (mb/d) na produção de
petróleo adicional no mundo. Mas entre 2005 e 2013, os investimentos da
indústria passaram de US$ 3,5 trilhões em exploração e produção, mas
este investimento (mais do que o dobro) produziu apenas 4 mb/d. A
Energia Retornada por Enegia Investida (EROEI) era de 100 para 1 e caiu
para 10 para 1 nos EUA, mostrando que a sociedade complexa dos
combustíveis fósseis entrou na fase dos rendimentos decrescentes,
caminho que, no passado, levou outras sociedades complexas ao colapso.
Como mostrou Chris Martenson (2014) os próximos 20 anos serão muito
diferentes dos 20 anos passados. O ritmo de crescimento econômico deve
diminuir muito e os problemas sociais e ambientais devem se agravar de
forma crítica. Há vários indícios de que o modelo de sociedade
consumista de alta complexidade pode entrar em colapso por redução dos
ganhos de produtividade econômica, por agravamento da luta entre pobres e
ricos e por uma rápida depleção dos recursos naturais e agravamento das
mudanças climáticas.
Infelizmente, diversos forças políticas no Brasil tentam passar a
ideia de que o pré-sal é o “passaporte para o futuro” do país. Mas na
realidade o pré-sal é o reforço de uma dependência aos combustíveis
fósseis que é uma fonte de energia que deve ter seu consumo reduzido,
para o bem do meio ambiente e do clima. Os custos da exploração do
pré-sal são muito elevados e o Brasil e a Petrobrás estão se endividando
para fazer uma aposta muito arriscada e poluidora. Como disse o senador
Cristóvam Buarque (20/09/2014):
“Se tudo der certo, em 2036 a receita líquida prevista do setor
petrolífero corresponderá a R$ 100 bilhões, aproximadamente R$ 448 por
brasileiro, quando a renda per capita será de R$ 27,8 mil, estimando
crescimento de 2% ao ano para o PIB. Apesar da dimensão da sua riqueza, o
pré-sal não terá o impacto que o governo tenta passar. Explorá-lo é
correto, concentrar sua receita na educação é ainda mais correto, mas é
indecente usar o pré-sal como uma ilusão para enganar a Nação e como
mecanismo para justificar o adiamento de investimentos em educação”.
Desta forma, o Brasil corre o risco de embarcar numa canoa furada. O
futuro deve ser pensado em termos de energias alternativas e limpas para
minorar os riscos de catástrofe ecológica. Pensando as dificuldades do
futuro, William Rees (2014), diz que para evitar o Colapso, é preciso
seguir uma agenda de decrescimento sustentável e de relocalização da
economia. Mas o mundo está obnubilado pela noção de progresso alimentado
pelos combustíveis fósseis. Porém, embora o mito do desenvolvimento
ainda seja hegemônico, há cada vez mais pessoas pensando em uma vida
mais simples, substituindo a competitividade e o consumismo por um ideal
de prodigalidade, como propõe o modelo de simplicidade voluntária.
Como mostrou Christopher Paterson, no blog Nova Economia, existem
alternativas de mobilização como a Marcha do Povo pelo Clima organizada
por mais de 1.000 organizações que se uniram-se para promover o maior
evento da história contra o aquecimento global. No dia 21/09, a
mobilização em Nova Iorque reuniu centenas de milhares de pessoas e foi
acompanhada por manifestações em grande número de cidades, em mais de
150 países, inclusive no Rio de Janeiro, debaixo de chuva. Por falar em
aquecimento global, a Agência Oceânica e Atmosférica Nacional dos
Estados Unidos (NOAA) divulgou em 19/09 que a temperatura média mundial
combinada das superfícies dos solos e dos mares em agosto de 2014, foi
de 16,35° C, sendo a maior já registrada para esse mês nos últimos 134
anos. Essa medida superou em 0,75° C o recorde anterior de agosto de
1998. O ano de 2014 caminha para ser o mais quente desde o início da
Revolução Industrial e Energética.
A catástrofe climática é um dos fenômenos mais visíveis, mas é apenas
um fenômeno que faz parte de um conjunto de problemas complexos
provocados pelo modelo de desenvolvimento econômico hegemônico no mundo.
No longo prazo, quanto maior é o progresso humano, maior é o regresso
ambiental. Os direitos da natureza estão sendo violados com a degradação
se tornando irreversível.
Como diz Chomsky: “É a primeira vez na história humana em que temos a
capacidade para destruir as condições mínimas para sobrevivência
decente. Já está acontecendo. Há espécies que estão sendo destruídas.
Estima-se que vivemos destruição equivalente à de há 65 milhões de anos,
quando um asteroide colidiu com a Terra, extinguiu os dinossauros e
grande número de outras espécies. A destruição, hoje, é de nível
equivalente àquele. De diferente: o asteroide somos nós. Se alguém nos
está vendo do espaço, deve estar atônito. Há setores da população global
tentando impedir a catástrofe global. Outros setores tentam apressá-la.
Veja bem quem são uns e outros: os que tentam impedir a catástrofe
total são os que nós chamamos de primitivos, atrasados, populações
indígenas – as Nações Originais no Canadá, os aborígenes australianos,
pessoas que ainda vivem em tribos na Índia. E quem acelera a destruição?
Os mais privilegiados, os chamados ‘avançados’, os letrados, as pessoas
cultas e educadas do mundo” (Chris Hedges, 2014).
Ou seja, o progresso e o desenvolvimento humano tornaram-se as
maiores ameaças à natureza e à biodiversidade. O rumo atual da
civilização é insustentável e a complexidade do atual modelo está
aumentando os custos e reduzindo os benefícios, jogando a economia em
uma grande armadilha sem bases ambientais e sociais de sustentação.
Referências:
Joseph Tainter, The Collapse of Complex Societies, Cambridge University Press, 1988
Ugo Bardi. The Age of Diminishing Returns, Resilience, 18/04/2014
John Michael Greer, Como caem as civilizações: uma teoria do colapso catabólico, 2005
Richard Heinberg. The Gross Society: We’re Entering an Age of Energy Impoverishment, April 18, 2014
Chris Martenson. The Next 20 Years Will Not Be Like the Last 20 Years, 22/06/2014
William Rees. Avoiding Collapse: An agenda for sustainable degrowth and relocalizing the economy, CCPA, 06/2014
Gail Tverberg. Why Standard Economic Models Don’t Work–Our Economy is a Network, 23/06/2014
Robert W. Merry. Rome and America: A Shared Fate? July 4, 2014
Chris Hedges. Noam Chomsky, Sócrates dos EUA, 20/06/2014
Ron Patterson, Collapse is Inevitable. Peak Oil. July 19, 2014
Cristovam Buarque. O tamanho do pré-sal, O Globo, 20/9/2014
Christopher Paterson. Marcha do Povo pelo Clima, neste domingo em Nova Iorque. Previstas mais de 1 milhão de pessoas. 17 de setembro de 2014
Nick Visser. Hundreds of Thousands Turn Out For People’s Climate March In New York City, 21/09/2014
*José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
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Fonte: EcoDebate, 24/09/2014
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