domingo, 7 de setembro de 2014

“O país precisa de investimentos”

BARRY AMES

Brasilianista

O professor americano Barry Ames, da Universidade de Pittsburgh (EUA), é um dos principais brasilianistas da atualidade. Na semana passada, ele palestrou no seminário Eleições 2014 – Para Onde Vai o Brasil?, do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS, e, em meio ao evento, recebeu Zero Hora para a seguinte entrevista:

Haverá mudanças na política externa em caso de vitória da oposição?

O Itamaraty é a melhor diplomacia da América Latina, é reconhecido por sua capacidade. Não vejo muito como mudar. Talvez Marina Silva (PSB), que é imprevisível, mude alguma coisa, tenha uma visão mais voltada para a sustentabilidade, aproxime-se mais das organizações não-governamentais (ONGs).

Marina vai vencer?

Acho imprevisível. Aqui na conferência, acham que ela vai ganhar. Mas acho a candidatura dela muito frágil. Ninguém sabe o que ela quer. Deve haver alguns debates para clarear isso. Lembra do Ciro Gomes (candidato presidencial do PPS em 2002)? Subiu (nas pesquisas de intenção de voto) e depois desceu. É imprevisível. A classe C é imprevisível. Suas propostas de reforma política são inviáveis. Esse Congresso não vai aprovar mudanças contra si mesmo. O país vai continuar com a representação proporcional. Marina também quer isonomia no horário eleitoral. Não vão aprovar isso.

Qual é a sua visão da disputa eleitoral brasileira?

A única clivagem séria é a econômica. Você me dirá que há clivagens sociais e regionais, mas a econômica é a que conta. Quando há uma distribuição ruim de renda, a esquerda ou, no máximo, o centro tem vantagem enorme. O que se quer é distribuir. Com o Bolsa Família, a expansão do eleitorado do PT cresceu. A direita quase não existe, e a que existe é clientelista, não é ideológica.

A economia não está vivendo um bom momento. Isso impacta como?

A maioria dos economistas diria que o Brasil precisa de uma política de investimentos. Os ganhos do Bolsa Família e os aumentos no salário mínimo foram importantes e imprescindíveis em termos de redução da pobreza. Mas o país chegou ao ponto em que precisa de investimentos. O PT está baseado no distributivismo. E é difícil para qualquer partido montar uma política de investimentos, em razão da burocracia muito grande. O Brasil gasta muito com burocracia. E, ao mesmo tempo, é difícil mudar rumos, e o Bolsa Família precisa continuar. Mas deve-se utilizar os impostos de forma mais racional, em investimentos em educação, saúde e infraestrutura, por exemplo. O dinheiro vai para a burocracia. A corrupção também tem um custo, mas, mesmo que não houvesse a corrupção, o tamanho da burocracia é muito grande. Para Marina, será ainda mais difícil, porque seu partido é pequeno, e ela terá de manter um governo de coalizão, isso vai custar muito. O preço será mais alto para ela.

Por que os principais candidatos no Brasil têm sido de esquerda ou centro-esquerda?

Se você pensar que 60% da população ganha com a elevação do salário mínimo, sempre verá uma maioria que favorece a distribuição. Se em um país de renda distribuída você tira dinheiro dos ricos para obras sociais, está tirando, por exemplo, de 50% da população. Aqui, é uma parcela pequena. É fácil, assim, montar uma maioria em favor de uma política de distribuição. E tem o fator histórico: depois do fim da ditadura militar, a direita tem vergonha de dizer que é de direita. Se você fizer uma consulta entre os parlamentares do Congresso, até Roberto Jefferson (ex-deputado federal do PTB preso por envolvimento no escândalo do mensalão) diria que é de esquerda. A direita é envergonhada. Mas, como a riqueza está crescendo, a classe C está crescendo, há a possibilidade de mais pessoas rejeitarem a política de distribuição de renda. Hoje, é muito mais difícil, no Brasil, contratar uma faxineira. Faxineira recebe hoje um salário bem mais alto do que já recebeu. A classe C quer contratar uma faxineira. Com isso, a revolta entre as parcelas da população que chegaram à classe média está crescendo. A classe média não quer voltar à pobreza e quer ter um padrão de vida melhor. E é curioso, os pobres não rejeitam o PT por causa do “mensalão”, por exemplo. A preocupação do pobre é a economia e a igualdade. Mas o PT perdeu aqueles que foram para a classe C, que hoje são da classe média, e a classe média cresceu.

O futuro presidente contará com o PMDB?

Sempre o PMDB. E isso não ocorre sem custo. Mas veja bem, esse sistema funciona melhor com o PT na presidência. O PT é um partido disciplinado, é o único partido realmente disciplinado. Quando está na oposição, não é possível comprar seu apoio com verbas, é quase impossível cooptar os petistas. Aécio ou Marina terão de manter um governo contra a oposição disciplinada do PT. Mas, quando o PT está no poder, ele consegue o apoio dos outros partidos, além de já ter os próprios congressistas.
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Fonte: ZH online, 07/09/2014
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