terça-feira, 2 de setembro de 2014

Caminhos de Pesquisa em Ciências Sociais II – Sobre o significado da “fala de si”!

Ozaí da Silva* 
 
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 “O que eu sou é o que me faz viver” 
(Shakespeare, Henrique III)

“Da História das Tendências à Pedagogia Libertária: uma trajetória em curso”! O título sugerido para a fala no evento Caminhos de Pesquisa em Ciências Sociais II sintetiza bem a minha caminhada nos mais de 50 anos de vida.[1] A sugestão foi ainda mais elucidativa porque indica que ainda não trilhei todas as veredas, que permaneço caminhando. Uma trajetória em curso…
 
O final desta caminhada, todos sabemos. Aliás, é um final comum a cada um de nós, que nos irmana enquanto humanos e mortais e, de certa forma, nos iguala. Ainda que não saibamos como será o desenlace e as formas de concretizar a chegada ao inexorável possam se apresentar diferentemente para cada um de nós.

Ao caminharmos fazemos opções e as nossas escolhas determinam as direções que seguimos. Mas é ilusão acreditarmos que isto ocorre em plena liberdade. Há um grau de liberdade de escolha individual, mas nossas decisões são limitadas pelas circunstâncias. Ou seja, não optamos no vácuo, em torno de abstrações, mas somos determinados pela realidade concreta. Como afirma o mouro: “Os homens fazem a sua própria história; contudo, não a fazem de livre e espontânea vontade, pois não são eles quem escolhem as circunstâncias sob as quais ela é feita, mas estas lhes foram transmitidas assim como se encontram. A tradição de todas as gerações passadas é como um pesadelo que comprime o cérebro dos vivos.” .[2]

Desde o nascimento nos encontramos sob determinado meio social que condiciona nossas vidas. O indivíduo é um ser social, é influenciado pela sociedade, expressa os seus valores. Porém, ao agirmos podemos transformar a nós mesmos e as circunstâncias em que atuamos. As opções que os indivíduos fazem também influenciam socialmente. Neste sentido, há uma tensão dialética entre indivíduo e meio social.


Em suma, ao atuarmos fazemos história, mas sob determinadas condições. Somos, simultaneamente, produtos das circunstâncias e indivíduos históricos que atuam sobre estas, produtos e produtores da história. Cada um de nós constrói sua própria trajetória sob condições históricas específicas. Mas não somos meros reflexos dessas condições, não somos autômatos que obedecem a ordens exteriores ou reles prisioneiros de estruturas. Ainda que limitados por estas, temos possibilidades de escolha, de optarmos por um ou outro caminho.

Dessa forma, pensar a “trajetória” intelectual e acadêmica, ainda que focada nos “caminhos de pesquisa”, exige a reflexão do indivíduo em sua integridade e nas circunstâncias que determinaram sua vida. Somos indivíduos singulares, cuja subjetividade e identidade é resultante da nossa interação com os outros, com e no mundo.

Assim, falar da nossa caminhada, pressupõe as circunstâncias e as relações de alteridade que estabelecemos. São elas que, no limite e para além dos nossos esforços e decisões individuais, nos moldam. Se a frase “O que eu sou é o que me faz viver”. (Shakespeare, Henrique III) – uma das preferidas de Maurício Tragtenberg – indica o que sou, nada diz sobre a influência dos outros sobre mim. Sou, também, as influências que tive em minha vida, das interações que construí. Sou o resultado das relações humanas que estabeleci – e estabeleço – durante a vida, no caminhar.

Se há um ponto de chegada comum, vários são os inícios que marcam a nossa partida, muitos são os caminhos. Onde começa uma trajetória singular?! Escrever História das Tendências no Brasil foi um marco que propiciou um novo ciclo na minha vida. Diria mesmo que foi determinante em minha trajetória. Contudo, há uma história anterior – e posterior – que permite compreender a trajetória em curso… Oxalá, refletir sobre esta caminhada possa contribuir de alguma forma
[1] O título foi sugerido pela amiga Profa. Dra. Meire Mathias, a quem agradeço.
[2] MARX, Karl. O 18 de Brumário de Luís Bonaparte. São Paulo: Boitempo, 2011, p. 25.
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*  Professor do Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Maringá (UEM); Editor da Revista Espaço Acadêmico e Revista Urutágua
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/2014/09/01/caminhos-de-pesquisa-em-ciencias-sociais-ii-sobre-o-significado-da-fala-de-si/

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