quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Crucifixos fora das escolas na Itália





Efeito avalanche:
além do crucifixo nas escolas,
as Igrejas,
Bach,
Leonardo da Vinci…




A sentença anticrucifixo da Corte Europeia de Direitos Humanos semeou confusão nas escolas italianas. Eis a seguir como se discutiu sobre isso em um conselho de classe de um colégio romano não especificado.

O diálogo foi publicado no blog do vaticanista Sandro Magister, 04-10-2009.
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os personagens:

D: diretor
PArte: professor de história da arte
PM: professor de música
PF: professor de filosofia



* * *
Diretor: Hoje, a mãe de um aluno veio me encontrar, um pouco agitada. Ela me disse que se recusa a mandar o filho visitar a praça e a basílica de São Pedro na próxima semana. Ela ouviu falar da sentença da Corte Europeia de Direitos Humanos sobre o crucifixo e defende que essa visita seria um condicionamento religioso emotivamente muito forte para um adolescente de 15 anos.
PArte: Mas eu tenho que dar a prova sobre Bernini [1]!

Diretor: Mas eu não quero ficar exposto, denúncias etc. Já tenho muitas dores de cabeça...
PArte: Entendi. Mas então aonde levo os rapazes? Ao Panteão?

D: Talvez. E insista sobre o fato de que é uma prodigiosa demonstração do gênio arquitetônico dos romanos.
PArte: É verdade, mas também devo fazer com que compreendam os motivos de continuidade com os posteriores desenvolvimentos cristãos. Terei que dizer que, no século XII, o Panteão foi transformado em uma igreja, Santa Maria ad Martyres.

D: Lá vamos nós outra vez! Quero uma visita neutra, não religiosa!
PArte: Mas o que isso significa? Tudo aqui lembra o cristianismo! Então, fiquemos trancados em sala de aula e esqueçamos! E depois, os alunos também têm direito de ser instruídos, de saber.

D: Mas o direito de quem não quer sofrer uma exposição não solicitada a símbolos religiosos prevalece.
PArte: Ah sim? E por que o senhor não fica em casa, então?

D: Colega, o que você está dizendo? Um direito é um direito!
PM (interrompe ansioso): Desculpe-me, diretor, mas eu farei com que ouçam Bach amanhã: a Missa em Si menor.

D: Minha nossa, por caridade!
PMúsica: Como "por caridade"? É uma suma obra-prima!

D: Mas é uma missa!
PMúsica: E o que significa? O autor nem era católico!

D: Era protestante. Era cristão. Escolha algo mais tranquilo, vá ao século XIX, a Stravinskij.
PMúsica: Bem. Farei com que escutem a "Sinfonia dos Salmos".

D: Mas você é um obsessivo! Coloque a "Saga da primavera", aquela sim é suficientemente pagã, não perturba ninguém, pode-se fazer até uma aula sobre antropologia cultural. Mas se você tem que dar justamente um pouco de Bach, não insista muito sobre o cristianismo.
PMúsica: Mas se ele escrevia "Soli Deo Gloria" na borda das suas composições!

D: Mas certamente não estamos no Conservatório. Que importam esses detalhes aos alunos?
PMúsica: Pense que queríamos fazer com o colega da filosofia uma hora interdisciplinar sobre a estética no pensamento religioso do século XIX, sobre a influência de Bach e Mozart em von Balthasar e…

D (irado): Mas estamos todos loucos! A teologia é dada na hora de religião para quem pede, e só! Quer me arruinar?
PFilosofia: Diretor, o que você está dizendo! Posso falar de bem de Agostinho ou não?

D: Sim, diga-lhes que todo o pensamento moderno deve muito a Agostinho, também a hermenêutica, a fenomenologia...
PF: Mas não posso dizer que era cristão?

D: Só acene a isso.
PF: Mas que acene! Segundo o senhor, as "Confissões" teriam sido escritas se o autor não tivesse se convertido ao cristianismo? E depois, me desculpe, quando falo do conceito de pessoa na filosofia, como evito um aceno ao dogma da Trindade e aos primeiros Concílios ecumênicos? Não existiria o conceito de pessoa sem...

D: Não e não! Isso é catecismo! É preciso prudência...
PF: Mas se até Benedetto Croce [2]...

D: Chega! Colegas, devemos entender que vivemos em uma sociedade multicultural, devemos respeitar as diversidades, não podemos pretender...
PArte: Mas também temos o dever de instruir, de dar a conhecer. Se os alunos olham o Cenáculo [Santa Ceia] de Leonardo, não podemos lhes dizer que era uma janta qualquer entre amigos!

D: Mas que exemplo é esse? Algo deve ser dito a eles, mas com prudência, com neutralidade...
PArte: Mas eu gosto tanto do Cenáculo, me apaixona...

D: Muita paixão no ensino não cai bem. É preciso também um pouco de neutralidade emotiva.
PFilosofia: Então coloquemos um robô na cátedra e troquemos de trabalho! Depois, ouça, não seria muito mais interessante fazer com que entendam a grandeza filosófica de São Tomás, relacionando-o ao pensamento muçulmano, a Avicena... Não anulemos nem um nem o outro, estudemo-los ambos!

D: Mas também há os ateus, os agnósticos...
PF: Mas onde eles vivem? Se vivem entre nós, é justo que conheçam, que vejam as milhares de Igreja nas ruas de Roma, que representam a cidade, ou devemos também demoli-las? Elas não são por nada neutras!

D: Colegas, estou exausto. Adiemos para amanhã. Talvez a noite nos traga conselhos...
Notas:
1. Gian Lorenzo Bernini (1598-1680) foi um eminente artista do barroco italiano, trabalhando principalmente na cidade de Roma. Distinguiu-se como escultor e arquiteto, ainda que tivesse sido pintor, desenhista e cenógrafo e criador. Entre suas obras encontram-se a Praça de São Pedro, o famoso baldaquino da Basílica de São Pedro e o Êxtase de Santa Teresa.

2. Benedetto Croce (1866-1952) foi um historiador, escritor, filósofo e político italiano. Os seus escritos giram em torno de um largo espectro temático, sobretudo estética e teoria/filosofia da história. É considerado uma das personalidades mais importantes do liberalismo italiano no século XX.

Fonte: IHU - 05/11/2009

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